Dias de glória para a literatura

Flip 2018 começa nesta quarta-feira (25) e homenageia grande ícone da área, Hilda Hilst

Postado em: 25-07-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: Dias de glória  para a literatura
Flip 2018 começa nesta quarta-feira (25) e homenageia grande ícone da área, Hilda Hilst

GABRIELLA STARNECK*

Em tempos de conexão virtual, dedicar um tempo à leitura se torna cada vez mais difícil. E, se anteriormente em um momento de repouso as pessoas liam livros, hoje, a evasão para o estresse do dia a dia geralmente são as redes sociais. Contudo a literatura ainda tem seus dias de glória. Durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), por exemplo, não apenas a cidade sede do evento, mas o Brasil inteiro se volta para a importância dessa área no desenvolvimento acadêmico, profissional e até mesmo emocional do ser humano. 

Continua após a publicidade

Por esse motivo, há vários anos a Flip objetiva dar destaque à literatura, seja por meio de homenagens a grandes ícones da área ou trazendo uma programação cultural repleta de atrações, tanto de literatura quanto de música, teatro, cinema  e artes visuais. Não é por acaso que a festa já se tornou tão tradicional não só no Brasil, mas no mundo. E, em sua 16ª edição, não será diferente. Até 29 de julho próximo, a literatura volta a ser protagonista na Festa Literária Internacional de Paraty que, neste ano, homenageia a escritora Hilda Hilst. 

Flip

Desde 2003, a Festa Literária Internacional de Paraty oferece uma programação permeada pela literatura. Mais que um evento, a Flip é uma manifestação cultural, já que promove uma interlocução permanente com diversas artes – música, teatro, artes visuais –, encontros singulares entre escritores e o público, além de propagar vivências focadas, sobretudo na diversidade. Isso ficou bem nítido na Festa Literária do ano passado, já que a programação deu enfoque a uma literatura que, como André de Oliveira afirma, “estava fora dos radares convencionais”. 

Segundo a curadora Joselia Aguiar, a Flip, em 2018, terá um olhar voltado para questões da existência humana: “Em 2017, tivemos uma Flip voltada para fora; esta será mais voltada para o mundo de dentro”. Joselia ainda afirma que a festa deste ano será mais artística, já que a homenageada, Hilda Hilst, tem uma forte relação com o teatro. E, para montar uma estrutura como a que festa oferece – com quatro dias recheados de atrações culturais –,  foi necessário realizar muitas  parcerias, principalmente diante da redução das verbas destinadas ao evento, como se pôde notar nos últimos anos. 

O Sesc, um dos apoiadores da festa, por exemplo, leva mais de 50 atrações diversificadas e gratuitas para a festa. “Eu acho que o evento é uma forma de democratizar a cultura e levar uma programação de qualidade para um público variado”, afirma Daniel Ferenszi, analista de cultura do Sesc. O profissional ainda relata que a instituição promove atividades paralelas ao Flip: “É uma forma de mostrar o trabalho que o Sesc desenvolve, ao longo do ano, compilado nessa programação”. 

Atrações 

A Flip traz uma ampla programação com oficinas, espetáculos, apresentações musicais, cinema, e, é claro, muita literatura – ao todo a programação traz 33 autores e 16 mesas de debates com várias temáticas. No primeiro dia de evento, a festa oferece seis rodas de conversas: Performance Sonora, Barco com Asas, Encontro com Livros Notáveis, Amada Vida e Animal Agonizante. Em Performance Sonora, por exemplo, a voz, a escuta e as divagações literárias e existenciais de Hilda Hilst, registradas em fitas magnéticas na década de 1970, são apresentadas pela cineasta Gabriela Greeb e o sound designer português Vasco Pimentel. Já na sexta-feira, na roda de conversa Memórias de Porco-espinho, por exemplo, o assunto a ser debatido é O Absurdo e o Riso, Beckett, Culturas Africanas, Escrita Criativa e Crítica da Razão Negra – a trajetória e o pensamento de um poeta e romancista franco-congolês premiado se revelam nessa conversa com dois entrevistadores.

Paralelamente ao evento, a atriz Fernanda Montenegro, que estará na abertura do evento oficial homenageando Hilda, por exemplo, encenará, na quinta (26), o monólogo Nelson por Ele Mesmo. Já no dia 27, a artista lança o seu livro Fernanda Montenegro Itinerário Fotobiográfico. Vale ressaltar que ambas as atrações são levadas pelo Sesc, assim como outra grande expoente da cultura brasileira, Conceição Evaristo. A escritora, que recebeu o prêmio Jabuti 2015 com o livro Olhos D’água e ainda é candidata a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL), participará da Roda Poética com Conceição Evaristo, uma conversa com o público na qual contará um pouco sobre sua obra e história.  Ainda ocorrerá, paralelamente à mesa principal do evento: a tradicional Flipinha, dedicada ao público infantil; a Flipzona, com atividades culturais e de tecnologia; a Flip Mais; e a Off Flip, organizada por produtores independentes e que oferecem centenas de atividades gratuitas e para todas as idades. 

Homenageados

A cada edição, a Festa Literária Internacional de Paraty presta homenagem a um autor brasileiro. O intuito, de acordo com o site do evento, é preservar, perpetuar, difundir e valorizar a língua portuguesa e a literatura do Brasil. Nos últimos anos, grandes nomes da literatura foram homenageados – como Lima Barreto, Ana Cristina Cesar, Mário de Andrade, Millor Fernandes e Gracilianos Ramos. Neste ano, quem recebe a homenagem é Hilda Hilst. 

Paulista de Jaú, Hilda de Almeida Prado Hilst, mais conhecida como Hilda Hilst, se interessou pela literatura ainda na infância. Ela era leitora de autores como Samuel Beckett, Friedrich Hölderlin, Fernando Pessoa, Rainer Maria Rilke, René Char e Saint-John Perse. Aos 20 anos, estreou na literatura com um livro de poesia, e foi recebida com entusiasmo por Cecília Meireles e Jorge de Lima, de quem era leitora. A obra de Hilda Hilst reúne dezenas de títulos, dentre os quais obras-primas como Cantares de Perda e Predileção (poesia), Rútilo Nada (ficção) e A Obscena Senhora D (ficção).  Além de poesia e ficção, Hilda ainda deixou sua marca no teatro e na crônica, tendo construído uma obra singular em língua portuguesa, na segunda metade do século 20, em torno de temas como o amor, o sexo, a morte, Deus, a finitude das coisas e a transcendência da alma. A escritora faleceu no ano de 2004. 

Em entrevista ao El País, a curadora Joselia Aguiar afirmou que só faria sentido estar à frente da Flip, novamente, caso a homenageada de 2018 fosse uma mulher. Segundo ela, um dos nomes que estava em sua mente era Hilda que, diferente de Lima Barreto, visto como um pré-modernista, não se vincula a essa corrente. “Tudo que ela começou a fazer não se relacionava com nenhum sistema existente naquele momento no Brasil. Ela fazia as mais variadas leituras de autores de todo o mundo. Ela tinha uma pesquisa, por exemplo, com filosofia e física. Hilda construiu uma obra única, e é uma autora que fica de fora desse cânone por não se encaixar em uma linhagem por quem lia ou por quem estudava esses autores. É, enfim, uma autora que vem alargar nosso horizonte de leituras”, afirma a curadora em entrevista ao El País.

*Integrante do programa de estágio do jornal O HOJE sob orientação 

da editora Flávia Popov 

Veja Também