Segunda-feira, 01 de julho de 2024

Um encontro entre os caipiras e caiçaras

O evento ‘Porco & Tainha’, de 24 a 27 de agosto, oferece três dias de vivência e imersão em duas gastronomias com o objetivo de celebrar e resgatar a essência dessas culturas

Postado em: 22-08-2023 às 10h00
Por: Lanna Oliveira
Imagem Ilustrando a Notícia: Um encontro entre os caipiras e caiçaras
Reservas no link da bio da @fazendasantavitoria para garantir presença no mais ousado evento da gastronomia brasileira | Foto: Divulgação

Essencialmente caipiras, os goianos amam a gastronomia que se cultiva no Estado ao longo das gerações. Frango ao molho com quiabo, milho e pequi e claro, o bom e velho porco servido com mandioca ou como torresmo, enchem a boca de quem aprecia o simples, porém significativo. Outra cultura que se aproxima dos hábitos goianos é a caiçara, que também valoriza o alimento que está à sua volta, neste caso, o peixe. E porque não celebrar e promover o encontro desses dois mundos na segunda edição do evento ‘Porco & Tainha’, de 24 a 27 de agosto, na Fazenda Santa Vitória, em Queluz (SP)?

Os hábitos indígenas têm forte influência na prática alimentar caipira e caiçara. A caça de porco, extração de mel, pesca de peixes, coleta de milho, da mandioca e outros legumes garantiam o sustento de quem estava inserido nesta realidade. Com o desenvolvimento dos cenários urbanos, a gastronomia predominante nas regiões centro-oestes e litorâneas se perderam pelo caminho. O evento ‘Porco & Tainha’ convidou Rafa Bocaina e Rodolfo Vilar para resgatar e divulgar os dois universos. São três dias de vivência e imersão na culinária caipira, cultura rural e pesca artesanal.

A iniciativa, que tem o objetivo de unir o universo caipira e o caiçara, territorialmente vizinhos e amplamente conectados do ponto de vista cultural, nasceu a partir do encontro de Rafa Bocaina, criador de porcos e cozinheiro, Bruno Brito, artista e pesquisador vale-paraibano à frente do Instituto Estúdio Arado e Rodolfo Villar, atuante nas comunidades tradicionais pesqueiras de Ilhabela e à frente do Projeto A.mar. O fio condutor do evento é a alimentação e por isso se abastece de uma programação culinária que lança luz aos principais aspectos das comunidades em questão.

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São temas que contribuem para entender quem somos por meio da gastronomia e celebram esses dois ícones das culturas caipira e caiçara, respectivamente, o porco e a tainha. A programação conta com almoços e jantares totalmente fora do comum, realizados nos diferentes espaços da fazenda e com demonstrações de técnicas e ingredientes muito especiais, além de bate-papos com especialistas de renome. A partir da discussão de tópicos como alimentação, arquitetura, agricultura, sustentabilidade e desenvolvimento regional, poderá se conhecer e interpretar a relação entre as regiões.

A fazenda Santa Vitória é uma antiga propriedade fundada durante o Ciclo do Café, ainda no século 19 e que hoje oferece hospedagem de alto padrão. Entre São Paulo e Rio de Janeiro, aos pés da Serra da Mantiqueira, é o refúgio perfeito aos que buscam sossego, contato com a natureza e boa gastronomia. Em parceria com o Estúdio Arado, uma antiga casa na propriedade abriga acervo de objetos que representam a cultura caipira e dão materialidade ao imaginário rural brasileiro. Reservas no link da bio da @fazendasantavitoria para garantir presença nesse que é um dos mais ousados eventos da gastronomia brasileira.

Gastronomia caipira e caiçara, como elas se unem?

O evento mantém sua perspectiva direcionada à sua origem. Busca uma nova relação com os ingredientes e se esforça para resgatar essas identidades esquecidas. O ‘Porco & Tainha’ tem como ponto de partida a figura do porco, elemento fundamental nas comunidades caipiras, e a tainha, peixe crucial para as comunidades litorâneas. Gastronomias que, indiscutivelmente, dão água na boca e têm muita história para contar. As duas provém de realidades subsistentes, que precisavam se reinventar com o que há disponível. Culinárias que originam-se da humildade e simplicidade que reflete a essência dos brasileiros.

Mas você já parou para refletir qual é a origem da culinária caipira? Será mesmo que é uma prática alimentar pertencente apenas ao estado de Minas Gerais ou do interior de São Paulo, ou de Goiás? Essa história começa na época da colonização no Brasil, na região denominada pelos portugueses como Paulistânia, um território original dos indígenas Guaranis. A área correspondia do leste de Minas Gerais até o Mato Grosso, do Jalapão e Goiás até Santa Catarina e parte do Rio Grande do Sul, passando, obviamente, pelo que hoje é o estado de São Paulo. E para que saibam, o ‘ser caipira’ não é um adjetivo pejorativo.

Segundo o sociólogo Antônio Cândido: “o caipira é o resultado do ajustamento do colonizador ao novo mundo, tanto pela manutenção dos traços de origem, quanto pela transformação no contato com os indígenas. O caipira é, portanto, o homem tradicional do campo”. A base da alimentação do caipira era a combinação de feijão, arroz e farinha de milho. Outra característica importante dessa gastronomia é o hábito de misturar arroz a alguma carne de produção local. Assim, arroz de suã, o arroz de frango com quiabo, o arroz com linguiça, o arroz de pequi são pratos que fazem parte do dia a dia dessa cultura.

Na mesma medida que a comida caipira traz sabores marcantes e bem temperados, a gastronomia caiçara preza pelo sabor mais natural. É preciso compreender que essa culinária é bastante simples, praticamente sem gordura e só leva temperos naturais. Os preparos culinários caiçaras respeitam a sazonalidade dos alimentos, os peixes da época, e as espécies de árvores características da região. Os pratos levam mandioca, milho, batata doce, abóbora, e entre as frutas, a banana tem forte presença por conta da quantidade de bananal presente principalmente no litoral paulista.

Entre a cultura caiçara ainda existe uma infinidade de particularidades em cada região. A peixada à moda de Paraty, no Rio de Janeiro, tem ingredientes parecidos com outras receitas mas o modo de fazer é bem particular aos caiçaras do lugar. No litoral paulista, o peixe azul marinho é muito famoso e desperta a atenção das pessoas, pois de fato a comida é azul. A receita leva tomate, pimentão, alho, cebola, peixe e banana verde. Tradicionalmente a comida é preparada na panela de ferro e assim descobriram que ocorria uma reação química entre os taninos liberados pela banana com a panela de ferro que conferem ao prato um tom azul.

As duas comunidades possuíam um senso de ajuda muito forte. As pessoas se juntavam para realizar as tarefas que dependiam de muitos braços e é nessa que esses dois mundos convergem. Em sua essência, os dois povos carregam cultura ricas consigo. Seja a comida caipira ou a caiçara, elas têm história de família, tradição, e ainda são as opções mais saudáveis. Conforme recomenda o Guia Alimentar para a população brasileira, preparos culinários que levam alimentos in natura: frutas, legumes e verduras, devem ser priorizados na rotina. Saúde e muito sabor envolvidos.

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