Vozes Indígenas no cenário intelectual brasileiro

Ativista Edson Kayapó destaca a relevância da produção intelectual indígena e os desafios para seu reconhecimento

Postado em: 02-07-2024 às 05h23
Por: Luana Avelar
Imagem Ilustrando a Notícia: Vozes Indígenas no cenário intelectual brasileiro
Apesar do crescente reconhecimento internacional, Kayapó aponta que ainda há pouca visibilidade e valorização dessa produção intelectual dentro do próprio Brasil | Foto: Ibui Pataxó

Os povos indígenas estão ganhando destaque no cenário intelectual do Brasil, buscando o reconhecimento e a valorização de suas contribuições acadêmicas, artísticas e literárias, enriquecendo assim o debate público.

Em entrevista ao Jornal O Hoje, o escritor, ativista indígena, ambientalista, historiador e doutor em educação, Edson Kayapó, comenta sobre essa representatividade. “Essa produção é muito relevante, pois a sociedade brasileira e a comunidade mundial estão em crise, uma crise de paradigma. Os povos indígenas têm muito a contribuir nesse movimento de crítica ao cartesianismo e ao progresso humano”, afirma Kayapó.

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No entanto, o ativista argumenta os desafios enfrentados dentro do próprio estado brasileiro para o reconhecimento dessa produção. “Nós temos tido muito mais reconhecimento e valorização fora do Brasil, em países europeus e na América Latina, do que propriamente no Brasil. Ainda há pouca visibilidade”.

Por outro lado, ele vê oportunidades neste momento de crise global. “O mundo quer ouvir as nossas ideias, as nossas propostas, as nossas proposições. O mundo está reconhecendo que foi um erro, todo esse projeto de progresso é devastador, e o mundo está reconhecendo que nós, povos indígenas, temos muito a dizer e que eles têm muito a ouvir”.

Kayapó cita nomes como Ailton Krenak, Marcos Terena, Daniel Munduruku, Sônia Guajajara, Célia Xakriabá e Aline Kajapô, entre outros, como exemplos dessa liderança intelectual indígena que atua na luta política. “O movimento indígena, ele todo é um movimento intelectual. A APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) é formada por intelectuais indígenas”.

Governo Bolsonaro 

Sobre o governo de Jair Messias Bolsonaro, Kayapó comenta que foi ‘absolutamente negacionista’ em relação à pandemia da Covid-19, especialmente entre os povos indígenas. “Perdemos grandes lideranças, perdemos grandes intelectuais, artistas, mulheres, perdemos pessoas assim que eram pessoas estratégicas dentro da nossa articulação nacional, então a produção intelectual foi afetada frontalmente com a Covid-19 e particularmente com esse posicionamento negacionista do governo Bolsonaro”, lamenta.

Apesar disso, ele afirma que os povos indígenas não ficaram de ‘braços cruzados’ diante dessa situação. “Houve denúncias, a APIB, através dos seus vários meios de comunicação, mas não só a APIB, outras organizações da sociedade brasileira e do movimento indígena denunciaram para a sociedade brasileira e denunciaram mundialmente toda essa violência sofrida pelo governo Bolsonaro com o Covid-19”.

Com o fim do governo Bolsonaro, o escritor considera que houve avanços importantes, como a criação do Ministério dos Povos Indígenas, a FUNAI sendo agora gerida por indígenas e a eleição da deputada federal Célia Xakriabá. “Eu acredito que isso tudo e tantas outras conquistas que nós temos tido agora nos últimos anos, são resultados dos nossos posicionamentos de denúncia e de resistência contra toda a violência historicamente sofrida, mas particularmente contra a violência desfechada contra os nossos povos durante o governo Bolsonaro”, destaca.

Fortalecimento e valorização 

Vislumbrando um futuro tranquilo para a sociedade brasileira e a comunidade mundial, Kayapó afirma: “Essa tranquilidade, ela se dará a partir do momento em que a sociedade e o povo brasileiro de fato decidir dar visibilidade às nossas vozes, a partir do momento em que a sociedade e o Estado brasileiro fomentarem políticas de recursos financeiros mesmo voltados para essas produções, produções de livros didáticos, de livros paradidáticos, de material didático-pedagógico diferenciado para as escolas não-indígenas, mas também material específico para as escolas indígenas, e material audiovisual”.

O ativista ressalta que esse movimento de fortalecimento e valorização mundial dos saberes indígenas é ‘irreversível’. “Caberá então ao Estado brasileiro realizar as políticas de fortalecimento e valorização das nossas tradições. Caso contrário, o Brasil vai cair no descrédito e denúncias internacionais e de retaliações políticas e comerciais, porque a comunidade mundial está pressionando e vai pressionar cada vez mais o Estado brasileiro pela proteção dos seus povos indígenas. A produção intelectual indígena vai se fortalecer nos próximos anos sequentes e o povo brasileiro, a sociedade brasileira e a comunidade mundial vai conhecer cada vez mais quem somos, aonde estamos, o que fazemos, quantas línguas falamos, e vai reconhecer a contribuição que nós temos a dar para a criação de um projeto sustentável, de um projeto humanizado, de um projeto de respeito a todas as formas de vida no planeta”.

Segundo Kayapó, os principais temas e perspectivas que caracterizam o movimento indígena atualmente são a necessidade de convivência com a pluralidade e a diversidade sociolinguística e cosmológica no Brasil. “Nós partimos do princípio do respeito aos nossos direitos, nós somos seres humanos e, portanto, temos direitos humanos. A sociedade brasileira e o Estado precisam reconhecer isso, mas nós precisamos ser respeitados e protegidos porque os nossos povos estão fazendo um papel de guardião dos biomas no Brasil e, particularmente, da Amazônia”, conclui.

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