Projeto de fotografia beneficia crianças de comunidades marginalizadas

Trabalhos fotográficos poderão ser vistos em exposição na Capital e na Embaixada do Brasil em Londres

Postado em: 07-02-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Trabalhos fotográficos poderão ser vistos em exposição na Capital e na Embaixada do Brasil em Londres

NAIARA GONÇALVES

especial para o hoje

Dar voz a crianças e adolescentes que vivem em comunidades marginalizadas através da fotografia é o objetivo do projeto Eyes of the Street (“Olhares da Rua”), que nasceu em Londres, fundado por uma goiana, a antropóloga e empreendedora social, Giselle Barboza, e o jornalista e professor de fotografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Daniel Meirinho.

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O projeto teve início no Brasil, em 2015, e já passou por Pernambuco, Rio de Janeiro, Guiné-Bissau (oeste da África) e Portugal. No dia 18 de fevereiro, o projeto Olhares da Rua chegará à Região Metropolitana de Goiânia, na comunidade Terra do Sol, que fica localizado entre o aterro sanitário da cidade de Aparecida de Goiânia e o Complexo Prisional do Estado.  Dez crianças moradoras da comunidade Terra do Sol foram selecionadas pela organização comunitária, um dos critérios do projeto, de maneira que as atividades oferecidas pelo projeto não interfira nas agendas escolares das mesmas, e é totalmente gratuito. 

O projeto, que usa a fotografia como ferramenta de transformação social, oferece a oportunidade para os participantes refletirem sobre suas problemáticas e oportunidades – além de apresentar suas realidades a partir de uma percepção própria, longe de olhares estereotipados. Dentro da programação de atividades do projeto, estão cinco dias de oficinas de fotografia, programadas para ocorrerem entre os dias 18 e 22 de fevereiro, das 14h às 17h, na própria comunidade.

Dinâmica do projeto

As crianças participam de uma imersão criativa, recebem câmeras para fotografar o seu contexto, de acordo com o tema mais latente, que será definido por eles mesmos logo no primeiro dia. Um dos temas que Giselle sempre traz para dentro das oficinas é o uso da fotografia de forma ética. “Apresentamos uma metodologia pedagógica para ajudar os participantes a entender que a fotografia é uma relação de troca de afetos; expomos algumas regras de como fazer a fotografia, uma delas é pedir permissão para as pessoas, externando a experiência da doação da fotografia. Ou seja, não é o fotógrafo que tira a foto e sim o fotografado que doa sua imagem”, esclarece a empreendedora social.

Além das rodas de conversa sobre fotografia, haverá palestras sobre sustentabilidade e comunicação interpessoal, temas que serão abordados respectivamente por Camila Storti e Alline Jajah, representantes de empresas parceiras do projeto. 

Resultado

O público poderá conferir a produção das crianças em uma exposição das fotografias, agendada para o próximo dia 23 de fevereiro, no Shopping Bougainville. E, por fim, haverá outra exposição das imagens, na Embaixada do Brasil, em Londres, com data a ser definida. 

Essa é a sexta edição do projeto, que já beneficiou 103 pessoas, treinou sete líderes comunitários para continuar o projeto, doou 29 câmeras fotográficas e gerou 28 exposições no Brasil, em Portugal, na Guiné-Bissau e em Londres. O projeto também foi tema do Festival Internacional de Fotografia em Parati, no Rio de Janeiro, em 2016 e 2018, e no Festival Todos em Lisboa. Foi apresentado no Latin American Sociological Association (Alas); no Congresso no Uruguai, em 2016; e teve uma publicação pela revista acadêmica brasileira de estudos de mídia Fronteiras, intitulado Fotografia Participativa e Relações de Gênero: uma Experiência Visual com Mulheres Guineenses.

Por que a fotografia?

Segundo Giselle, a fotografia oferece aos participantes uma oportunidade íntima de reflexão sobre a realidade onde vivem, resultando em fotografias cheias de afeto, que identificam as problemáticas e os pontos positivos da comunidade. Enquanto retratam sua realidade, os participantes são estimulados a acreditar nos próprios sonhos. “Sonhos que, mesmo em meio a dura realidade que enfrentam, são encorajados através de afeições, personagens e repertórios pessoais dessas crianças, que fazem do local onde vivem um espaço de sobrevivência e esperança”, descreve.

A ideia do projeto Olhares da Rua surgiu, em 2014, quando Giselle, que é goiana radicada Londres há mais de 14 anos – graduada em Antropologia e Mídia pela Universidade de Londres e diretora criativa de sua própria agência na capital inglesa –, realizou um documentário para uma TV britânica sobre a exploração sexual infantil no Nordeste do Brasil. Ao assistir às imagens trazidas do Brasil, o olhar perdido de um garoto de 8 anos que cheirava cola nas ruas do Recife chamou a atenção de Giselle.

“Era um olhar profundo de tristeza, que me impactou muito e me conectou com algo que já a havia inquietado no passado”, diz ela, que, diariamente, observava, durante sua adolescência, os menores de rua no trajeto diário que fazia para a escola de ônibus em Goiânia. “Eu via crianças nas ruas, cheirando cola, e me sentia incomodada; eu me perguntava por que essas crianças estavam passando por essa situação, e não encontrava resposta”.

Ela começou a imaginar, mesmo de longe, o que poderia fazer para ajudar meninos como aquele a sonhar com uma vida diferente. Assim, surgiu o projeto social que unia criatividade, fotografia e oportunidade. “A premissa foi desenvolver algo a partir da minha expertise para ajudar”, conta. O nome do projeto foi criado em homenagem ao olhar do menino desconhecido, que, sem saber, empoderou Giselle a iniciar o projeto. 

Continuidade 

O projeto é sustentável, e cinco câmeras serão doadas à comunidade. Um líder comunitário será treinado para dar continuidade ao projeto, no local,  e, assim, alcançar mais crianças e jovens da comunidade que não poderão se juntar a esse primeiro grupo. “Além disso, nossa proposta é que Eyes of the Street seja também um chamado a todos aqueles que tenham algum conhecimento que possam doar à comunidade”, convida Giselle.

Olhares da Rua conta com parceiros da iniciativa privada; um deles é uma empresa de engenharia goiana que, além do apoio financeiro, pretende ajudar a comunidade a criar uma estrutura que possa abrigar novos projetos vocacionais na comunidade. “A empresa defende a responsabilidade social como elemento fundamental para o desenvolvimento da sociedade, com o compromisso baseado na ética, no desenvolvimento sustentável e no bem-estar da comunidade, resultando em crescimento econômico saudável para todos”, assegura o executivo Paulo Silas Ferreira. 

Receptividade

A comunidade recebeu o projeto de braços abertos. “Tudo que vem pra nossa comunidade em prol das nossas crianças é ótimo. Espero que até saiam alguns fotógrafos para nossa comunidade. Eu espero também que abram os olhos humanos, não só do rosto, mas do coração, para que as pessoas que vejam essas imagens, e o desempenho das crianças, entendam a situação delas, e, juntos, possamos ter uma visão de melhorar”, diz Francisca da Silva, líder comunitária e moradora da comunidade. 

Os participantes estão em contagem regressiva para a viver a experiência. “Espero aprender uma coisa boa, tirar fotografias das pessoas e das paisagens”, diz Ana Carolina de 14 anos, uma das dez inscritas. “Venho acompanhando essa comunidade, há dez anos, com um projeto de alfabetização solidária. É um prazer ajudar a implementar essa iniciativa aqui”, declarou o professor Kemes Ferreira, um dos interlocutores do Olhares da Rua com os moradores do Terra do Sol.

 

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