Segunda-feira, 22 de julho de 2024

‘Infiltrado na Klan’ marca retorno furioso e necessário de Spike Lee

Filme é inspirado na vida de Ron Stallworth, um dos primeiros policiais negros na corporação norte-americana

Postado em: 23-02-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Filme é inspirado na vida de Ron Stallworth, um dos primeiros policiais negros na corporação norte-americana

GUILHERME MELO *

Os sons da sala de cinema oscilavam entre risadas e um silêncio ensurdecedor do público que, no fim do filme, mal respirava. Num equilíbrio perfeito entre a diversão carregada pelo entretenimento do audiovisual e o poder e dever do cinema em trazer discussões sobre temas importantes e às vezes nada agradáveis, Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman, 2018) consegue mexer com o público.

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Spike Lee, diretor de Malcolm X (1992) e é conhecido por abordar o racismo em suas produções, nos conta uma história já muito conhecida: a ideologia da supremacia branca nos estados unidos. A temática é abordada a partir da história real de Ron Stallworth (John David Washington), um dos pouquíssimos policiais negros na corporação norte-americana em meados dos anos 1970, que consegue se infiltrar na KuKluxKlan através de telefonemas.

Com muita coragem, Ron consegue manter contato até com David Duke, líder da KKK, interpretado no filme por Topher Grace que está muito bem no papel. Com a ajuda de seu parceiro Flip Zimmerman (Adam Driver), um policial branco judeu que comparece às reuniões presenciais da organização, a dupla conseguiu evitar diversos crimes de ódio e expor supremacistasbrancos nas forças armadas.

A trilha sonora, recheada de R&B dos anos 1970, que toca o coração do espectador com suas melodias, e a direção de arte caprichada contribuem para o sucesso técnico do longa, que não se sustenta apenas na interessante trama, mas também no roteiro, na fotografia e no elenco de peso. 

Em um ponto deixa a desejar: apesar de sentirmos simpatia pelos personagens, falta um desenvolvimento mais profundo da personalidade dos que vemos na tela e não conseguimos estabelecer uma forte conexão emocional com eles. Um exemplo disso é a personagem Patrice Dumas (Laura Harrier), líder do centro acadêmico negro da faculdade, e que com certeza poderia ter mais desenvolvimento na trama.

Classificado como drama, policial e comédia, o filme se segura muito bem no gênero. O personagem principal sabe rir de si mesmo e os secundários – com destaque para um dos integrantes da KKK – arrancam risos ao longo do enredo, nem que sejam de nervoso. A descrença de um dos oficiais de polícia com a força do discurso preconceituoso e sem fundamentos de David Duke é um bom exemplo.

Uma pitada de romance também é bem encaixada no roteiro, costurando o desfecho momentaneamente positivo, que logo vira um soco no estômago. Apesar dos vários recados muito claros dados em diferentes formas, até mesmo com metalinguagem e referências diretas, há um último suspiro na reta final do filme na democrática tentativa de garantir que todos entendam a mensagem.

Spike Lee acha pouca realidade durante o longa e corta para 2017. Mais didático, impossível. O diretor se apoia em cenas reais dos protestos em defesa da supremacia branca em Charlottesville e também de atos em defesa dos negros nos Estados Unidos, no movimento batizado de ‘Black LivesMatter’ (“vidas negras importam”).

O que se vê é o embate entre grupos e uma onda de violência generalizada nas ruas. Gente trocando golpes com bandeiras, pessoas sendo atropeladas e mortas, o ódio em seu estado mais bruto.

Outro aspecto que pode incomodar no longa é a forma extremamente descontraída que aborda a temática tão pesada e importante. Por um lado, essa narrativa aproxima uma parcela maior de pessoas, democratiza e populariza a discussão, tornando-a mais acessível. Mas analisando por outra perspectiva, o excesso de comicidade pode cansar o público, além de afastar o significado memorável que o filme poderia ter dado à relevância da trama.

O grande trunfo do filme é a conexão que faz com a ascensão atual das mesmas ideias absurdas. Essa relação com os tempos atuais traz reflexões sobre a história que estamos vivendo hoje, regida pela pós-verdade, em que os fatos importam menos que as crenças pessoais. Em síntese, o filme nos escancara uma triste realidade: o quão pouco progredimos mesmo depois de décadas de luta.

*Integrante do programa de estágio 

do jornal O HOJE. 

 

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