Saiba mais sobre as ‘Linhas de Blaschko’ que todos temos na pele

Apesar de serem invisíveis, Alfred Blaschko desconfiou da existência delas após revisar algumas descobertas

Postado em: 11-07-2023 às 17h16
Por: Cecília Epifânio
Imagem Ilustrando a Notícia: Saiba mais sobre as ‘Linhas de Blaschko’ que todos temos na pele
Saiba mais sobre as 'Linhas de Blaschko' que todos temos na pele | Foto: Reprodução

Embora não possamos vê-las, as Linhas de Blaschko estão presentes em nossos corpos desde o nascimento, percorrendo toda extensão, dos pés à cabeça. Elas sobem e descem por membros, formam aspirais em nossa cabeça e fazem longos passeios pela face. Sem falar que descem em formato de ‘v’ estilizado em nossas costas e fazem pequenos rabiscos pelos quadris.

Apesar de serem invisíveis, o dermatologista alemão Alfred Blaschko passou a desconfiar da existência delas quando, no final do século 19, revisou o que havia descoberto sobre erupções cutâneas, marcas de nascença e verrugas na pele de seus pacientes.

Ele notou que muitos seguiam padrões semelhantes, como se houvesse caminhos traçados para seguir.

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Algumas linhas já eram conhecidas, como as de Langer, que são aquelas que os cirurgiões costumam seguir ao realizar incisões, poir elas demarcam os locais com menor tensão na pele e podem ajudar no processo de cicatrização das feridas.

Sabia-se que essa mesmas linhas eram paralelas à orientação natural das fibras de colágeno na derme e, geralmente, perpendiculares às fibras musculares subjacentes.

O mais curioso dessas linhas é que elas não correspondiam com nervos ou vasos sanguíneos, muito menos com o sistema muscular ou linfático. O padrão misterioso só veio à tona sob circunstâncias bem específicas.

Após coletar dados de um grupo de pacientes com determinadas doenças de pele e mapear a distribuição das lesões, em 1901, o Blaschko apresentou suas descobertas em um congresso de dermatologia.

Na publicação Die Nervenverteilung in der Haut in ihre Beziehung zu den Erkrankungen der Haut (“A distribuição dos nevos na pele em relação às doenças de pele”), que inclui sua apresentação no congresso, ele destaca:

“Involuntariamente, esses nevos [lesões cutâneas] e dermatoses em forma de linha se tornaram o principal objeto do meu trabalho: em parte, talvez isso se deva ao fato de que muito material foi coletado especialmente sobre esse transtorno.”

“Gostaria de mostrar a vocês, sobretudo, (…) o diagrama das linhas dos nevos, que, se me permitem, representam a quintessência do meu trabalho”, disse ele, apontando para a seguinte imagem:

Ilustração mostrando linhas que percorrem o corpo
Foto: BBC News Brasil

Ao morrer em 1922, Blaschko já era conhecido por sua luta contra as doenças venéreas através de conceitos de higiene social muito à frente de seu tempo, se trabalho sobre doenças lineares da pele já era reconhecido.

“Para todos os estudos subsequentes neste campo, seu trabalho permanecerá sendo de fundamental importância, e por si só será suficiente para preservar o nome de Blaschko como um importante dermatologista, agora e para sempre”, escreveu seu colega alemão Abraham Buschke, na revista científica Dermatologische Zeitschrift.

As palavras dele acabaram sendo proféticas. Os padrões levam seu nome — linhas de Blaschko. Além disso, suas suspeitas de que tinham origem embrionária, já que muitas doenças de pele que seguiam essas linhas estavam presentes no nascimento, nortearam as pesquisas posteriores.

Redemoinhos

Um século após Blaschko revelar as linhas imperceptíveis, o médico Rudolf Happle, junto a Atessa Assim, da Universidade de Marburg, na Alemanha, acrescentaram detalhes ao mapa de nossos corpos.

A fim de desenvolver um padrão abrangente, eles analisaram 186 casos com lesões na cabeça e pescoço. Eles descobriram que, no rosto, as linhas de Blaschko “apresentam uma configuração em forma de ampulheta que converge na raiz nasal. No entanto, em várias áreas essas linhas se cruzam em um ângulo de quase 90°. No couro cabeludo, elas formam uma configuração em espiral”.

E foi assim que as linhas detectadas foram traçadas, de acordo com pesquisadores:

Foto: BBC News Brasil

Ao longo dos anos, os especialistas chegaram a uma hipótese, graças às pesquisas da citogeneticista britânica Mary Lyon e do alemão Happle, entre outros.

Acredita-se que são relíquias celulares do nosso desenvolvimento. Todos começamos como uma única célula que foi se reproduzindo. À medida em que essas células da pele se dividiam para se multiplicar e conseguir cobrir nosso corpo que não parava de crescer, cada nova linha celular empurrava a outra, e elas iam dando voltas.

Nossas linhas de Blaschko são evidências moleculares do que aconteceu. As rotas dos melanócitos, as células profundas da epiderme responsáveis ​​pelo pigmento, por exemplo, estão marcadas em nosso corpo.

Elas são formadas quando ainda somos um punhado de células que herdaram um cromossomo X de cada progenitor. Como é necessário apenas um, é selecionado qual desativar.

Algumas delas ficam com o cromossomo X do pai, e outras com o da mãe, assim como todas as células que se dividem a partir delas; algumas terãor uma versão do DNA e outras, uma versão diferente.

Podemos herdar duas peles embrionárias geneticamente distintas nos revestindo, que rodopiam mas não se misturam.

Esses resultado são padrões, geralmente não visíveis nos seres humanos, mas que são revelados por várias doenças de pele ou por erupções cutâneas.

Entendê-las ajuda os médicos a diagnosticar problemas de pele, como já foi revelado em diversos estudos.

Quimeras

No entanto, existem dezenas de problemas de pele em humanos que revelam as linhas de Blaschko, pelo menos em algumas partes do corpo, à medida que as lesões se formam onde essas duas linhas celulares diferentes se encontram.

Um dos casos mais raros que podem chegar a mostrá-las é o quimerismo. Isso acontece quando um único organismo é formado por células de dois ou mais “indivíduos”, ou seja, dois conjuntos diferentes de DNA.

Como explicado na revista especializada Scientific American, uma forma de quimerismo que pode ocorrer naturalmente é no caso de gêmeos, se um dos embriões morre no início da gestação — e algumas de suas células são “absorvidas” pelo outro embrião.

Se diferentes células fecundadas se misturam e formam um ser humano entre elas, elas podem enviar diferentes ondas de células epidérmicas, que se alternam entre si.

Com frequência, a cor da pele dos dois tipos é indistinguível ou sutil o suficiente para que só possa ser vista sob luz ultravioleta.

Às vezes os dois conjuntos de diferentes de código genético para tipos de pele são dramaticamente diferentes, revelando os padrões das linhas de Blashko.

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