As Bruxas da Noite: conheça as aviadoras que aterrorizavam os nazistas

As pilotas soviéticas sobrevoavam como feiticeiras na escuridão para bombardear tropas da Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial

Postado em: 08-08-2023 às 17h58
Por: Cecília Epifânio
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As Bruxas da Noite: conheça as aviadoras que aterrorizavam os nazistas | Foto: Divulgação

Existe um famoso dito popular castelhano que diz: “Eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem”. Sem dúvidas os soldados alemães da Segunda Guerra Mundial tiveram o desprazer em conhecer um grupo de bruxas que tocavam o terror e destruição na linha de frente.

Em junho de 1941, a Alemanha nazista deu início à operação Barbarossa que tinha como objetivo invadir o território soviético, pondo fim ao Pacto Molotov-Ribbentrop – um acorodo de neutralidade firmado entre a URSS e a Alemanha durante a 2ªGM.

Os soviéticos mobilizaram uma gigante força militar para conter as tropas de Hitler e um grupo de mulheres aviadoras tiveram um decisivo papel nesse momento histórico: As Bruxas da Noite.

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Na primeira metade do século 20, a presença de mulheres nas forças armadas de qualquer país era algo incomum, exceto as que atuavam como enfermeiras ou realizavam serviços burocráticos. A União Soviética destoava das demais nações. Como pioneiros, os russos abriram espaço para que as mulheres entrassem na linha de frente do conflito: elas atuavam como mecânicas, atiradoras de elite (função na qual tiveram bastante destaque), instrutoras, médicas, pilotas de tanques e, é claro, integrantes da força aérea do temido Exército Vermelho.

Celebidade soviética no comando

Os esforços para a criação de um regime aéreo vieral da coronel Marina Makhailovna Raskova, que na época era uma celebridade da URSS. Além de quebrar diversos recordes de distância de voo, Raskova era pioneira em diversas áreas. Ela foi a primeira mulher instrutora na Academia Aérea Zhukovskii.

Há um bom tempo Marina Raskova tentava convencer as lideranças soviéticas sobre a importância de criar regimentos femininos na aviação quando, em 1941, Joseph Stalin finalmente concordou com a proposta. Nesse ano nascim os três regimentos femininos da força aérea soviética.

Foram criados os regimes 586º de caças, o 587º de bombardeiros de mergulho bimotor e, o mais famoso deles, o 588º de bombardeiros noturnos. Apesar de serem ocupados apenas por mulheres, no decorrer do conflito, algumas posições femininas acabaram sendo ocupadas por mulheres. Elas não só consertavam e pilotavam as aeronaves, elas também administravam e comandavam tudo por lá.

Diante das pressões impostas pelo avanço da Alemanha, o tempo de treinamento das voluntárias era curto, seis meses apenas (antes, era de quatro anos). Elas eram formadas por Raskova, que, além da experiência como piloto, conseguia preparar as jovens para um ambiente masculino bastante “hostil”, onde seriam subestimadas por seus colegas. Oficialmente, as missões femininas tiveram início em 1942, na Ucrânia, quando Valerya Khomiakova ficou conhecida por ser a primeira pilota soviética a abater uma aeronave inimiga durante a noite – era um JU-99 alemão.

As Bruxas da Noite

O 588º Regime de Bombardeiros Noturnos, conhecido mais tarde como 46º Regimento de Aviação de Bombardeiros Noturnos da Guarda “Taman”. Esse Regimento ficou cohecido graças às aviadoras que foram apelidadas pelo exército alemão de “bruxas da noite”.

Comandadas pela experiente major Yedokia Bershanskaya, o grupo era formado por jovens voluntárias, na grande maioria universitárias e algumas delas ainda eram adolescentes, não passando dos 20 anos.

O Regimento operava sempre à noite, uma maneira de surpreender os alemães. Além das tropas inimigas, elas tinham como alvos estratégicos os veículos de suporte e depositos de combustíveis.

Bom, o exército soviético não recebeu as “bruxas” de braços abertos, muito pelo contrário. Elas eram tratadas com desdém e desrespeito por seus colegas soldados. Tinham que manter os cabelos sempre bem curtos, usavam uniformes descartados pelos homens (muitos em tamanhos maiores que os utilizados pelas moças) e enfrentavam o rigorosos inverno sem nenhuma proteção durante os voos.

Além disso, não tinham equipamentos como radares, armas e rádios. Elas recebiam apenas lápis, lanternas e réguas. As únicas armas que dispunham eram as pistolas TT – apenas em 1944 que ganharam metralhadoras.

O regimento feminino atuou em 24 mil missões e a maioria de suas combatentes participaram de 800 voos. Já no auge do funcionamento, a unidade possuía 40 equipes formadas por duas mulheres cada.

O 588º Regimento utilizava os biplanos Polikarpov Po-2, considerados precários até para a época. Feita de madeira e lona, a aeronave, que tinha lugar para duas pessoas, cumpria originalmente voos agrícolas e de treinamento.

O Polikarpov Po-2

Os Po-2 tinham a capacidade para levar seis bombas ao mesmo tempo, por isso era preciso realizar diversos voos à noite para cumprir a missão. E para complicar ainda mais, a velocidade da aeronave era extremamente baixa se comparada aos modelos alemães.

O material que produzia o Po-2 acabava tornando a aeronava totalmente sucetível a incêndios. Por conta de tudo isso, as missões das “buxas” tinha que ser realizadas à noite. Era mais seguro voar no escuro, já que bastariam alguns tiros do inimigo para destruir o avião por completo.

A cabine de pilotagem era completamente aberta, e isso não protegia as tripulantes dos ventos gelados, muito menos dos disparos das tropas alemãs.

Como lembraria mais tarde uma de suas mais famosas combatentes, a pilota Nadezhda Popova, no inverno, quando era preciso olhar para fora da aeronave para localizar o alvo, era comum o rosto sofrer queimaduras pelo frio e os pés ficarem congelados: “Mas era preciso continuar voando”. 

Como a aeronave não tinha rádio e nem compartimento para as bombas, os explosivos maiores eram colocados na parte inferior da cabine do avião enquanto as menores iam no colo das copilotas, que lançavam manualmente os artefatos.

Barulho apavorante

Com uma sucessão de missões bem-sucedidas, a fama das combatentes do 588º regimento crescia a cada dia. O apelido dado pelos alemães tinha um tom pejorativo. O nome “bruxas da noite” se deu pelo modo como as aviadoras atacavam os soldados nazistas.

Quando se aproximavam dos alvos, elas desligavam os motores dos aviões para não chamar a atenção do inimigo e o som do vento em contato com as asas produzia um barulho apavorante para os soldados no solo, que só percebiam o que estava acontecendo quando já era muito tarde. No fim, o apelido acabou virando um elogio para as aviadoras.

Os bombardeios feitos pelo 588º Regimento configuravam uma tática psicológica que estressava o inimigo e diminuía sua capacidade de lutar. As aviadoras eram, ao mesmo tempo, desprezadas e temidas, e o piloto alemão que conseguisse abatê-las era condecorado com a medalha “Cruz de Ferro”, uma das mais altas honrarias do Exército alemão.

As bruxas utilizavam as aparentes desvantagens do Po-2 a favor delas. Isso valia, por exemplo, para a baixa velocidade e a ótima manobrabilidade do avião, que facilitavam a localização precisa de alvos terrestres com voos em altitude bastante baixa e davam poucas chances aos soldados alemães de se esconder.

O esquecimento após a Guerra

As missões eram consideradas suicidas, já que as aviadoras não levavam paraquedas, pois precisavam do máximo de velocidade e precisavam manter o avião o mais leve possível. Na verdade, elas não levavam qualquer outro tipo de equipamento de segurança (muito provavelmente porque não dispunham de nenhum), apenas bússolas e mapas. As missões eram realizadas com três aviões, dois deles iam na frente chamando a atenção dos alemães e o terceiro vinha atrás lançando as bombas.

Responsável pela criação dos regimentos, Marina Raskova morreu em 1943 com apenas 30 anos de idade, quando tentava fazer um pouso forçado na margem do rio Volga. Ela recebeu o primeiro funeral de estado de guerra. Raskova foi postumamente condecorada com a Ordem da Guerra Patriótica Primeira Classe. O regimento funcionou até o encerramento da Segunda Guerra, em 1945, e 23 de suas representantes foram agraciadas com a Estrela de Ouro de Herói da União Soviética.

Com o fim do conflito, as aviadoras do 588º regimento, as temidas “bruxas da noite”, assim como outras mulheres, acabaram sendo desligadas do exército. Muitos de seus atos de coragem permanecem esquecidos. Após a guerra, a maioria delas tiveram dificuldades profissionais e, na vida pessoal, por conta do machismo enraizado presente na sociedade soviética daquela época, as mesmas mulheres que haviam combatido bravamente por seu país tiveram que esconder seu passado militar das pessoas que mais amavam.

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