Tolerância humana a ondas de calor pode estar chegando ao limite

Com um aumento superior a 2 ºC na média global, mais de 25% das estações meteorológicas da Europa vão registrar temperaturas letais para seres humanos nos próximos 100 anos

Postado em: 15-09-2023 às 15h46
Por: Cecília Epifânio
Imagem Ilustrando a Notícia: Tolerância humana a ondas de calor pode estar chegando ao limite
Tolerância humana a ondas de calor pode estar chegando ao limite | Foto: iStock

Um recente estudo publicado no periódico Science Advances revelou que, caso a temperatura média da Terra aumente mais 1,5ºC em relação ao patamar atual, as ondas de calor poderão ficar mais intensas podendo matar pessoas jovens e saudáveis em algumas partes do planeta.

Infelizmente mortes por calor não são nenhuma novidade. A única diferença é que, atualmente, idosos e pessoas com comorbidade são as vítimas mais comuns. O verão europeu de 2022 mostrou que não estava para brincadeira. Uma estimativa publicada na Nature fala em 60 mil mortes por calor no continente entre maio e setembro. 

Segundo o pesquisador da Universidade de Oxford e líder do estudo, Carter Powis, essa situação pode variar de acordo com o local. Em regiões onde as construções e pessoas não estão adaptadas ao calor, esses efeitos podem ser mais expressivos.

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“Poderíamos ter uma onda de calor muito extrema que se afasta substancialmente das normas históricas, ultrapassa esse limite e causa muito mais mortalidade do que se esperaria”, disse ele à New Scientist. “O que veremos, especialmente na Europa e na América do Norte, é um aumento enorme na incidência dessas ondas de calor à medida que o mundo se aquece entre 1,5 e 2 ºC”.

O estudo acabou abrindo espaço para uma questão ainda mais importante. Se as ondas de calor extremas podem afetar cada dia mais a vida de pessoas que moram na Europa, que tem médias de temperatura consideravelmente mais baixas que as brasileiras. Por isso, é de se imaginar o impacto para nós e outros habitantes de regiões mais quentes.

Nos últimos anos os pesquisadores vêm tentando descobrir qual o limite de calor o corpo humano consegue aguentar sem a necessidade de nenhum resfriamento. Não é nada relacionado a situações extremas, como alguém perdido no deserto do Saara ou algo parecido. A ideia dos pesquisadores é saber até que ponto uma pessoa comum, em uma cidade comum, é capaz de sobreviver ao aquecimento progressivo dos verões nas próximas décadas.

Em 2010, pesquisadores da Universidade de Purdue, Indiana, chegaram a uma possível resposta. Para isso, foi utilizado uma técnica chamada de bulbo úmido. Ela consiste em colocar um pano molhado em torno do bulbo de um termômetro analógico, e ver, conforme a água vai evaporando, o quando o termômetro esfria.

Isso acontece porque a evaporação consome calor. As moléculas de água no pano escapam do estado líquido para o estado gasoso (em que ficam mais agitadas e dispersas) porque pegam um pouquinho de energia térmica. E conforme a energia térmica vai escapando de carona no vapor, o termômetro esfria. Esse processo é conhecido como resfriamento evaporativo, e funciona de maneira semelhante ao nosso suor.

E é justamente por funcionar como a transpiração humana que esse experimento é importante para determinar nossa resistência ao calor. Caso o termômetro passe de uma certa temperatura crítica mesmo com o bulbu envolvido no pano úmido, isso significa que uma pessoa ainda suada, também passaria. E como o suor é a última barreira do organismo contra o calor, o próximo passo é passar mal.

Os pesquisadores descobriram que o limite de temperatura ambiente para que o corpo humano consiga se resfriar é 35ºC quando medida em um termômetro de bulbo úmido. Depois disso, somente com algum auxílio externo – como um ar condicionado, por exemplo. Uma exposição prolongada (de mais de seis horas) à temperatura ambiente nesse patamar pode ser fatal. 

Vale reforçar: 35 ºC não é a temperatura ambiente que você vê na previsão do tempo, porque essa é medida com o bulbo seco. Pode acontecer de estar 40 ºC ou 45 ºC e bulbo úmido ainda exibir 35 ºC. Tudo depende das condições de umidade e outras variáveis.

Atualmente, é muito difícil que a temperatura de bulbo úmido ultrapasse os 31ºC em qualquer lugar do mundo. Na pesquisa de 2010, os pesquisadores concluíram que para que essa medição chegasse aos 35ºC, a Terra precisaria esquentar 7 ºC na medida do bulbo seco, o que é bastante improvável. 

Com um aumento de 1 ºC na temperatura terrestre, apenas 3% das estações de medição da Europa vão apresentar temperaturas de bulbo úmido superiores a 35 ºC mais do que uma vez a cada cem anos. Com um aumento de 2ºC, esse dado já sobe para 25%

De acordo com o relatório da ONU, a previsão é de que até 2100, o planeta aumente de temperatura em 2,6ºC. Ou seja: não se engane com a cifra aparentemente baixa. Esse aumento é o suficiente para estragos bastante consideráveis no mundo

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