Indígena quer criar farmácia viva para preservar os conhecimentos ancestrais de cura em aldeia no Acre

Formada em enfermagem, Andressa Runi Shanenawa quer criar um espaço para preservar os conhecimentos ancestrais de sua aldeia

Postado em: 16-10-2023 às 18h34
Por: Cecília Epifânio
Imagem Ilustrando a Notícia: Indígena quer criar farmácia viva para preservar os conhecimentos ancestrais de cura em aldeia no Acre
Indígena quer criar farmácia viva para preservar os conhecimentos ancestrais de cura em aldeia no Acre | Foto: Arquivo pessoal

Com o objetivo de preservar os conhecimentos ancestrais de sua avó Runi, uma pajé de 85 anos, a indígena Andressa Runi Shanenawa criou um projeto para arrecadar recursos para a criação de uma farmácia viva com viveiros de plantas medicinais na aldeia Mora Nova, às margens do Rio Envira, em Feijó, no interior do Acre.

Andressa nasceu e foi criada na aldeia, e só saiu quando passou no vestibular de enfermagem, curso esse em que já é formada. A aldeia fica a seis horas da capital acreana, Rio Branco. Ao conhecer a medicina dos não indígenas, Andressa passou a avaliar que seus ancestrais poderiam contribuir muito no processo de cura, como já fazem em rituais dentro da aldeia.

Andressa é formada em enfermagem e quer unir conhecimentos em centro na aldeia — Foto: Arquivo pessoal
Formada em enfermagem, Andressa quer unir todos os conhecimentos da medicinal ancestral indígena | Foto: Arquivo pessoal

Ela pensa em criar uma casa de saúde na floresta para oferecer atendimento e medicamentos feitos a partir de plantas medicinais, o local se chamaria Centro de Medicina Indígena Shanenawa Runi. Com isso, os 700 moradores das 12 aldeias, que têm dificuldade de acesso a atendimento médico, seriam beneficiados.

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“Tenho há muito tempo esse sonho de poder ter uma farmácia dentro da comunidade, mas não uma farmácia só com medicamentos não indígenas, mas também com a medicina da floresta, que também cura”, relembra Andressa.

Neta de uma pajé medicinal, a jovem foi alertada pela avó sobre os vários riscos de o conhecimento ancestral se perder com o passar dos anos, caso não existisse uma perpetuação.

“Minha vó sempre dizia: ‘Andressa, me pesquisa porque quando eu morrer ninguém vai saber os conhecimentos’. E isso ficou sempre dentro de mim. Como sou formada em enfermagem, pensei que essas duas medicinas podem trabalhar juntas. Se for caso de ser curado com medicina da floresta, a gente vai curar. Se não for, a gente vai encaminhar para o médico. Então, seria um hospital dentro da aldeia em que a gente vai estar trabalhando o fortalecimento de medicinas naturais”, explica.

Por exemplo, alguns desses tradicionais medicamentos são as garrafadas e defumação. “Minha avó tem 85 anos e ela trabalha com a medicina indígena curando enfermos com a medicina da floresta dentro da aldeia e também de pessoas não indígenas”, conta

Na aldeia existem três pajés que trabalham com cura, pois há sempre o pajé espiritual. “Precisamos repassar a medicina espiritual, então vai ser um local também para a formação dos jovens que querem aprender a medicina sagrada do nosso povo Shanenawa.”

Andressa ainda conta que esse sempre foi um sonho dela, mas que não há recursos para tal estrutura e por isso encabeçou o projeto para tentar conseguir levantar fundos para a construção.

“A gente precisa de algumas coisas pra gente poder erguer essa farmácia viva na comunidade. Precisamos dos não indígenas, a gente sempre precisa um do outro, e iniciamos essa campanha para montarmos esse centro de medicina e quem sabe ampliar isso para outras comunidades e povos indígenas”, finaliza.

Andressa Runi Shanenawa é filha do cacique Carlos Brandão e Flaviana Mela, e explica que essa etnia foi escravizada no atual local da aldeia, trabalhando em um seringal e tendo que abrir mão de seus conhecimentos e costumes para poder permanecer no local.

Com o passar do anos, eles adquiriram direitos sobre a terra, mas parte da cultura não foi passada para as novas gerações. O conhecimento ficou com os pajés, atualmente liderados por mulheres, que têm pouco tempo para passar todo esse conhecimento pela frente, devido a idade avançada. Essa campanha também funciona como uma tentativa de resgatar e preservar a cultura ancestral Shanenawa.

Depois de montar o centro, um trabalho de identificação será realizado, classificando e fazendo a descrição de todas as espécies que estarão no viveiro e na farmácia, assim como na elaboração de uma apostila para o uso dos moradores de todas as 12 aldeias, de cientistas – biólogos, botânicos e taxônomos – contratados da Universidade Federal do Acre (Ufac).

Uma página para financiamento coletivo foi criada para tentar arrecadar R$ 95 mil.

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