Segunda-feira, 22 de julho de 2024

Saiba o que são os ‘círculos de fadas’, formações em zonas áridas que intrigam cientistas

Confira o que se sabe sobre marcas semicirculares no terreno, onde a vegetação só cresceu em volta

Postado em: 06-11-2023 às 15h15
Por: Cecília Epifânio
Imagem Ilustrando a Notícia: Saiba o que são os ‘círculos de fadas’, formações em zonas áridas que intrigam cientistas
Saiba o que são os 'círculos de fadas', formações em zonas áridas que intrigam cientistas|

Há várias gerações, membros da tribo himba, da Namíbia, contam que uma fote respiração de um dragão acabou deixando marcas sobre a superfície da Terra. São marcas circulares, onde a vegetação nunca mais cresceu em seu interior, ficando apenas a terra nua cercada pelas comuns ervas dos terrenos áridos do sudoeste africano.

Na década de 1970, o ecologista sul-africano Ken Tinley percebeu que aqueles pedaços de terra eram bem parecidos com os famosos anéis formados por cogumelos na Europa. Ele então as nomeou de “círculos de fadas”.

Tinley acreditava que os tais círculos eram criados por cupins. Porém, até os dias de hoje, essas formações seguem sendo um mistério. Há muitos anos os cientistas vêm debatendo sobre o assunto, mas ainda não chegaram a um acordo sobre sua verdadeira origem.

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Mas uma nova pesquisa trouxe um novo componente para a discussão. Os círculos de fadas não existem apenas no sudoeste africano e no noroeste da Austrália, como se acreditava.

“Do espaço, com a ajuda de um modelo baseado em inteligência artificial, encontramos nas regiões áridas do mundo centenas de lugares que nunca haviam sido descritos antes, com padrões de vegetação idênticos aos círculos de fadas”, explica cientista Emilio Guirado, da Universidade de Alicante, na Espanha, para a BBC News Mundo (o serviço espanhol da BBC).

Pontos no continente africano onde a pesquisa encontrou novos círculos de fadas | Foto: Pesquisa Emilio Guirano e outros / Google Earth

O estudo também revelou que existem círculos de fadas em pelo menos 15 países de três continentes. A pesquisa não procurou desvendar as origens dessas formações, mas os dados apresentados podem ajudar nas buscas por essa resposta.

Um debate de anos

Apesar do nome, os círculos de fadas costumam ser formações hexagonais no solo. Como foi dito anteriormente, a vegetação não cresce no interior, apenas no seu entorno – pelo menos, é assim em grande parte dos “círculos”.

Após as pesquisas de Ken Tinley nos anos 1970, as discussões científicas sobre as origens dos círculos de fadas avançaram para duas diferentes teorias principais.

A primeira delas foi apresentada em 2013, pelo biólogo alemão Norbert Jürgens. Depois de uma década pesquisando, ele concluiu que os círculos de fadas são formados por cupins subterrâneos.

De acordo com Jürgens, esses pequenos insetos se alimentam das raízes da vegetação que começa a crescer depois da chuva, causando o acúmulo de água no subsolo, permitindo a sobrevivência dos cupins.

“Os cupins são insetos sociais que controlam seu território, onde dispõem de água e comida, e as colônias defendem sua área dos vizinhos, às vezes de forma muito agressiva”, explicou Jürgens à BBC News Mundo em 2016.

Ele também afirmou que os círculos de fadas formam um “sistema de competição entre as colônias”. Ele está “totalmente seguro” sobre sua teoria que, segundo o mesmo, foi confirmada por muitos colegas.

Cientistas estudaram os círculos de fadas em duas regiões do planeta: o sudoeste africano e o noroeste da Austrália | Foto: Pesquisa Emilio Guirano e outros / Google Earth

Quase que em paralelo, o ecologista alemão Stephan Getzin e o físico israelense Ehud Meron se uniram para pesquisar os círculos de fadas na Austrália. A dupla defende que a formação é explicada pela teoria da auto-organização.

Ainda para a BBC News Mundo, Meron explicou que, após a publicação do estudo em 2016, a natureza enfrenta a escassez de água com esse fenômeno. Para o pesquisador, “organizando-se em círculos, a vegetação dos arredores é beneficiada por uma fonte adicional de água, já que a chuva nas clareiras do terreno encontra seu caminho através de diversos mecanismos de transporte de água”.

“Na Austrália, este mecanismo inclui o fluxo de água por via terrestre, enquanto, na Namíbia, está relacionado com a difusão da água armazenada”, afirmou Ehud Meron.

Com isso, a dupla de pesquisadores descartaram a teoria de Norbert Jürgens, pois, segundo eles, não havia cupins nos círculos de fadas estudados por eles no noroeste australiano. Jürgens contestou a conclusão, dizendo que seus colegas não teria escavado o suficiente para encontrar os insentos.

Círculos de fadas que foram observados pela tribo himba, da Namíbia | Foto: Getty Images

Mas o que diz a nova pesquisa?

A pesquisa realizada pela equipe de Emilio Guirado não procurou encontrar as causas da formação dos círculos de fadas. Eles criaram um mapa com os locais em que são possíveis encontrar essas formações.

O cientista explicou que eles utilizaram dois modelos de inteligência artificial e encontraram centenas de lugares com círculos de fadas em diversão regiões áridas do mundo, que correspondem a 41% da superfície da Terra.

Foram analisados diversos fatores, como o clima, solo e fatores ambientais. Eles concluíram que, nos locais onde essas variáveis são estáveis, existem círculos de fadas – principalmente, onde o solo é arenoso.

Uma das maiores concentrações de círculos de fadas foi encontrada na Austrália | Foto: Pesquisa Emilio Guirano e outros / Google Earth

“Analisamos centenas de milhares de imagens e descobrimos centenas de padrões de vegetação idênticos aos círculos de fadas nas zonas áridas do mundo”, explica Guirado. “Este processo levou pouco mais de um mês em um supercomputador com quatro unidades de processamento gráfico [GPUs, na sigla em inglês].”

Com o auxílio de dos modelos de IA, eles pesquisaram 600 mil imagens de satélite dos serviços de mapeamento do planeta, como Google Earth, Bing Mpas e Mapbox, a procura de fotografias dos terrenos com maior resolução.

Com isso, eles conseguiram imagens mais claras dos pontos mais áridos da Terra, onde existem os círculos de fadas. Como resultado, os pesquisadores acabaram encontrando as formações em 263 pontos do planeta, localizados em 15 países da África, Ásia e Oceania. Entre as regiões, estão o Sahel, na África, o Saara Ocidental, o Chifre da África, Madagascar, o sudoeste asiático e a região central da Austrália.

Questionado sobre a possibilidade de suas pesquisas trazerem alguma explicação sobre a origem desses padrões, o cientista espanhol responde que a incógnita permanece. Ele não descarta nem defende as hipóteses que já foram apresentadas.

O certo é que se trata de um fenômeno das terras áridas, já que seria quase impossível observá-las em outras regiões. “Teoricamente, nos locais onde a precipitação é maior, os círculos se fechariam”, explica Guirado.

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