Conheça a origem do panetone, a iguaria de Natal mais consumida no Brasil

Segundo uma das lendas mais populares, o inventor do panetone seria um ajudante de cozinheiro trabalhando no século 15

Postado em: 19-12-2023 às 14h35
Por: Cecília Epifânio
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Conheça a origem do panetone, a iguaria de Natal mais consumida no Brasil | Foto: iStock

O panetone é sinônimo de festas de Natal para diversos brasileiros. Com passas ou sem, com frutas cristalizadas ou gotas de chocolate, esse pão doce de forma abobadada é um item essencial nas mesas natalinas europeias e sul-americanas durante as celebrações de Natal e Ano Novo.

Porém, pouco se sabe da origem dessa iguaria, além de que veio da Itália. Segundo lendas mais populares, o inventor do panetone seria um ajudante de cozinheiro chamado Toni, que trabalhava na cozinha do duque de Milão Ludovico Sforza, chamado “Il Moro”, no final do século 15.

Na véspera do Natal de 1495, a corte de Sforza devorava um enorme banquete. Na cozinha, o chefe estava super ocupado com o preparo de diversas iguarias e pediu para que o jovem Toni supervisionasse o forno, que estava assando vários biscoitos – que seriam a “chave de ouro” para o final do banquete.

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No entanto, Toni, exausto de tanto trabalhar, ele adormeceu por alguns minutos e os biscoitos queimara. O aprendiz, com medo da reação do chefe e dos convidados (que estavam ansiosos pela sobremesa), decidiu sacrificar uma massa de fermento que estava guardada para ser utilizada no pão de Natal.

Ele misturou farinha, ovos, açúcar, passas e frutas cristalizadas, até obter uma massa macia e muito fermentada, que assa e serve no banquete. O resultado acaba sendo um sucesso estrondoso e Ludovico Sforza decide batizar o doce de “pão de Toni”, em homenagem ao jovem criador.

Então, ao longo dos anos, o “pão Toni” se tornou popular em toda a Itália com o nome “panetone”. Mas qual é o fundo de verdade dessa lenda?

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“Absolutamente nenhum”, é o que diz o professor de história da Alimentação na Universidade de Bolonha, na Itália, Massimo Montanari. “Esta é uma das muitas notícias falsas que circulam em torno da origem de muitos produtos gastronômicos”.

Origem medieval dos “pães natalinos”

De acordo com Montanari, devemos separar as categorias em duas: os produtos que têm uma data exata de nascimento e inventor claro; e aqueles que não tem. Por exemplo, a primeira categoria está o “pandoro” (que no dialeto veneziano significa “folha de ouro”), cuja receita foi registrada no escritório de patentes em 1894 pelo padeiro de Verona Domenico Melegatti.

Mas o panetone é uma receita de tradição coletiva e, por isso, não pode ter ter um lugar e data de nascimento definida 100%. No entanto, explica Montanari, é possível reconstruir a árvore genealógica do panetone e rastrear seus ancestrais medievais: os “pães doces” ou “pães de festas”, ou seja, pães com adição de açúcar, passas ou especiarias e consumidos em festividades importantes, como o Natal.

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Os primeiros documentos que comprovam a existência desses pães doces é um manuscrito preservado na Biblioteca Ambrosiana de Milão, que remonta à década de 1470.

Seu autor, Giorgio Valagussa, que era o preceptor dos duques Sforza, descreve o que ele chama de “Ritual da Madeira”, realizado naquela corte. De acordo com o texto de Valagussa, na noite de 24 de dezembro, uma grande tora de madeira foi colocada na lareira e grandes pães açucarados foram servidos.

O chefe da família serviu uma parte para todos os convidados, mantendo uma para o ano seguinte como um sinal de continuidade.

“Por um lado, havia um elemento de conexão com o produto básico da comida diária, pão; por outro, ingredientes e especiarias que o tornavam ‘precioso’, de acordo com o gosto dos tempos medievais ou do Renascimento”, acrescenta Monatanari, autor de vários livros sobre a origem de pratos emblemáticos da culinária italiana.

E, embora a relação entre o panetone e a cidade de Milão seja inegável, não se pode dizer que seja exclusiva — pois também existem registros alfandegários semelhantes em outras partes do norte da Itália.

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Mas é no início do século 20 que o consumo de panetone durante as festas natalinas se tornou popular em todo o país europeu, graças às inovações introduzidas por Angelo Motta, o dono de uma padaria em Milão.

Em 1919, Motta decidiu adicionar levedura à receita tradicional, embrulhando a massa em um papel manteiga especial. Com isso, ela ganhou uma forma abobadada, e não mais achatada.

A receita de Motta foi adaptada por volta de 1925 por outro padeiro, Gioacchino Alemagna, que também deu seu nome a uma marca popular até hoje.

A dura competição entre os dois padeiros representou o início da produção industrial do panetone, que ao longo dos anos foi imposta como um dos itens mais presentes nas mesas dos italianos.

A chegada na América do Sul

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Em 2018, quase 42 mil toneladas de panetones foram vendidas na Itália, segundo dados do sindicato Unione Italiana Food. Mas o sucesso dessa sobremesa ultrapassou as fronteiras do país e se transformou em uma tradição natalina em vários países da América do Sul, como Brasil, Argentina, Uruguai e Peru. Isto em boa parte graças aos milhões de emigrantes italianos que entre o final do século 19 e a primeira metade do século 20 atravessaram o Atlântico em busca de oportunidades na América do Sul.

Um deles foi Pietro D’Onofrio, um emigrante do sul da Itália que se estabeleceu no Peru, onde fundou a empresa de sorvetes que ainda leva seu nome. Mas foi seu filho Antonio quem fez, nos anos 50, um acordo com a empresa Alemagna de Milão para a produção e venda do panetone no Peru com a marca D’Onofrio.

“Este ano, os peruanos vão consumir mais de 35 milhões de unidades”, diz Ricardo Bassani, diretor do setor de confeitaria da Nestlé Peru, proprietária desde 1997 da marca D’Onofrio e de três outras empresas de panetone no país.

“Nós, os peruanos, somos os que mais comem esse pão. Nosso consumo anual é de 1,1 kg por pessoa, o que nos coloca como o segundo país de maior consumo, atrás apenas da Itália”, acrescenta o executivo, que calcula em US$ 200 milhões (R$ 820 milhões) o valor de mercado do panetone no Peru.

Depois da Itália e do Peru, o país que consome mais panetone é o Brasil, com cerca de 440 gramas per capita por ano. É também brasileira a empresa que produz mais panetones no mundo: a Bauducco.

Fundada em 1952 em São Paulo por outro emigrante italiano, Carlo Bauducco, a empresa possui mais de 6 mil funcionários no Brasil e nos EUA, capacidade produtiva de mais de 300 mil toneladas por ano e faturamento de mais de US$ 700 milhões (R$ 2,9 bilhões).

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