Como os estabelecimentos literários ainda resistem na crise econômica?

Com o avanço tecnológico na área da literatura, estabelecimentos enfrentam crise econômica e não veem outra saída a não ser fechar as portas

Postado em: 18-08-2022 às 08h59
Por: Victória Vieira
Imagem Ilustrando a Notícia: Como os estabelecimentos literários ainda resistem na crise econômica?
“Quando veio março e eu vi que teria que fechar as portas, pensei: e agora?” | Foto: Reprodução

Em 2018 a livraria Saraiva foi exposta publicamente após estar com dificuldades financeiras. O estabelecimento estava beirando aos R$ 675 milhões de dívidas a serem quitadas. Não muito distante, a Livraria Cultura também adquiriu despesas no valor de R$ 285 milhões. Ambas entraram com uma ação de recuperação judicial e estão em luta até hoje. Apesar das circunstâncias, é possível ver os vestígios das livrarias em alguns shoppings, mas com vários obstáculos para manter sua essência. Diante desse fator, qual o principal motivo para esses estabelecimentos estarem desaparecendo gradualmente?

Quarentena

Na década de 1990, a Saraiva foi uma das primeiras lojas com livros, revistas, música e ainda chegava a oferecer espaços para cafés e leitura. Ao fazer uma retrospectiva, a situação afundou de maneira inimaginável. Não só para a Saraiva, mas para todos os estabelecimentos que dependem do lucro destes recursos. Com a pandemia, várias livrarias faliram e fecharam suas portas por tempo indeterminado e isso abriu o caminho para as pessoas aderirem ao e-commerce, ou seja, comprar pela internet.

“Quando veio março e eu vi que teria que fechar as portas, pensei: e agora? ”, comenta uma vendedora. No ano retrasado, as vendas caíram para um quinto do total, na virada de março para abril, obtendo um resultado menor do que 4% no ano de 2019. Dados mostram que nesse tempo, as mídias sociais tomaram conta da adaptação a quarentena, juntamente com o serviço de entregas. Os mais beneficiados foram aqueles que arranjaram um jeito de vender seus produtos de forma online. Segundo especialistas, apesar dos números de vendas terem caído, a produção não para.

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Esse é o caso das sócias Daniela Amendola e Roberta Paixão, que administram uma livraria em São Paulo, chamada Mandarina, em Pinheiros, localizada em São Paulo. As mulheres inauguraram o estabelecimento um pouco antes da pandemia iniciar, com as novas circunstâncias amedrontando, elas passaram a fazer entregas com carros, reinventando seu negócio.  

“Quando você tem uma estrutura muito grande, a flexibilidade é mais lenta”, enfatiza Paixão. “É mais difícil uma empresa com 200 lojas conseguir fazer essa virada rápida, como nós fizemos. A gente é um veleiro, eles são um transatlântico ”, acrescentou sua sócia.

Plataformas Onlines

O lançamento das plataformas de e-commerce é o principal motivo para as livrarias estarem em declínio. Os preços vendidos são melhores do que os selecionados na loja. Acaba que para o consumidor fica mais barato comprar pela internet, mesmo com os preços de fretes, do que em uma loja física. A competição é entre o avanço tecnológico e a resistência para a sobrevivência. As táticas usadas em empresas como a Amazon são mais eficientes e sábias. O monopólio de varejista adquire todos os dados dos clientes para saber o que mais eles procuram, do que gostam, onde moram, enfim, eles aprendem o jeito do cliente para ganhar maiores vendas, comercializando até o famoso “Kindle”, eletrônico bastante utilizado e comprado entre os leitores.

“Uma maneira de fazer isso é empurrando livros populares, negligenciando outros. E infelizmente as pessoas vão aceitar. A curadoria de títulos está na mão dos varejistas”, relata o executivo Jason Merkoski. “As lojas de livros não conseguirão sobreviver e vão desaparecer. Sobraram apenas algumas, especializadas em livros impressos, como as que vendem discos de vinil. Vão permanecer no mercado Google e Amazon, infelizmente”, disse.

Em entrevista ao veículo de comunicação O Globo, Oren Teicher, presidente da American Booksellers Association revelou que é contra a Amazon, pois essa situação cria uma competição entre os produtos estrangeiros e brasileiros. “Na teoria eles chamam a atenção de leitores e os converte em outro tipo de consumidor. Por isso eles dão descontos agressivos”, destacou.

Acessibilidade

É inevitável não comentar sobre os preços estipulados pelos estabelecimentos, isso agrega os leitores a procurarem outros meios de adquirir as obras, até mesmo, os caracterizados como ilegal, isto é, a pirataria. A acessibilidade disponível por meio dos downloads em sites que disponibilizam as obras para os leitores, é maior do que deslocar e gastar em algo que pode estar nas mãos de forma gratuita.

“A pirataria existe e é crime! É um roubo como qualquer outro. Quando se faz o download de um livro em um site irregular, a pessoa está roubando um conteúdo, desvalorizando e desrespeitando o trabalho do autor, além de prejudicar toda uma cadeia de profissionais que trabalham nas livrarias, editoras e gráficas. Outro problema sério da pirataria é que ela acaba reduzindo o número de novos livros lançados: se os milhares e milhares de downloads ilegais não ocorressem, as vendas de livros seriam maiores e as editoras teriam condições de ampliar a oferta de novos títulos no mercado. Todo mundo perde e isso é lamentável, pois são muitos leitores que deixam de ter acesso a novos conteúdos, empregos são perdidos e colocados em risco. ”, exclamou o book advisor Eduardo Villela.

O que os leitores pensam  

De certa forma, a acessibilidade da internet fez com que as pessoas perdessem a experiência sensorial. As pessoas deixaram de ter os momentos em que podiam sentir as páginas dos livros, o cheiro, a capa, a sensação entrar e encarar a diversidade de livros. Essas ações foram substituídas pelo comodismo e economia.

Apesar das livrarias estarem entrando em crise, há pessoas que ainda curtem passear por esses estabelecimentos e nessa situação, os “bookstans”, famoso termo utilizado nas redes sociais para fãs que acompanham determinada saga ou autor de livros, não deixam de consumir.

Glória Mel, de 19 anos, é uma jovem que mantém o hábito de ir às livrarias uma vez por semana. Ela conta que além de ser uma ótima maneira de lazer, é um jeito de descobrir quais livros a atraem mais. Entretanto, quando é relacionado a compra, a estudante avisa que utiliza somente o meio online, justamente por causa dos preços. “Muita das vezes não compensa. Um livro que custa 50 reais em uma livraria, pode estar 30 reais na Amazon, por exemplo. Não sei como as livrarias ainda estão de pé, porque algumas estipulam um preço que não é favorável. ”, pronunciou.

O e-commerce também tem otimizado o tempo dos consumidores, uma das razões pela qual são tão utilizados. Glória comenta que a compra nas livrarias ocorre dependendo do nível de ansiedade para esperar o produto chegar. “Uma das vantagens em loja física é poder retirar na hora, porém, o tempo estipulado no online é de um ou dois dias. Para mim, é muito mais acessível”, pontuou.

Quanto a diferença entre obter livros físicos e digitais, a leitora diz que é bem notória. “Acho que nada supera ter os livros em mãos, a sensação é diferente. Eu gosto bastante, principalmente por causa da minha coleção e estoque. Só que eu utilizo mais o kindle pela praticidade ”, confessou.

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