Crise argentina deixa Brasil sob alerta, diz dirigente da ABDI

Dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), de janeiro a agosto, os argentinos consumiram 7,28% das exportações brasileiras, uma alta de 1,11%

Postado em: 08-09-2018 às 14h10
Por: Katrine Fernandes
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Dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), de janeiro a agosto, os argentinos consumiram 7,28% das exportações brasileiras, uma alta de 1,11%

À espera de uma antecipação de parte do empréstimo no valor de US$ 50 bilhões do Fundo Monetário Internacional (FMI), a Argentina vive o pior momento da gestão do presidente Maurício Macri, deixando aceso o sinal de alerta no Brasil, já que o país vizinho é o terceiro maior parceiro comercial atrás apenas da China e dos Estados Unidos.

Dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), de janeiro a agosto, os argentinos consumiram 7,28% das exportações brasileiras, uma alta de 1,11%, comum saldo favorável ao Brasil de US$ 4,28 bilhões. A avaliação é do economista Jackson De Toni, gerente de Planejamento e Inteligência da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI)

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Apesar de toda essa situação, “não há motivo para pânico”, diz ainda De Toni, Ele observou que, mesmo diante de um cenário de austeridade que, certamente, levará a uma queda do consumo interno, o país vizinho tende a fechar 2018 com crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) entre 1% e 2%. E se o aporte de recursos do FMI for concretizado como o esperado, De Toni acredita que isso dará maior credibilidade sobre a capacidade de pagamentos por parte da Argentina ainda que isso custe caro à população e ainda careça de estratégias para retomar o crescimento.

O economista pontuou que embora tenha “tomado medidas para recuperar investimentos, conter o deficit público e retomar, em certo sentido, o desenvolvimento da economia argentina,” Macri não foi bem sucedido e foi forçado a adotar o atual plano de contenção para sanear as finanças em decorrência tanto de questões internas quanto da política monetária dos Estados Unidos. Com juros mais atrativos, fica latente a migração dos investidores para aquele mercado.

Quanto ao impacto sobre o Brasil que exporta para a Argentina, principalmente, automóveis, – o correspondente à quase metade da pauta de exportações e com uma participação de 75% sobre as vendas das montadoras para todo mundo-, De Toni prevê que ele será mais concentrado neste segmento, embora reconheça a importância dessas trocas comerciais que incluem ainda as importações na área agrícola

Para o economista, o Brasil tem fatores de proteção como, por exemplo, reservas cambiais de quase US$ 400 bilhões. A Argentina tem US$ 50 bilhões. Citou ainda a forte desvalorização do peso argentino em meio a um ataque especulativo resultando em uma inflação de 40% ao ano ante uma variação entre 4 a 5%, no Brasil, e a consequente elevação dos juros de 45% para 60% ao ano, muito acima da taxa brasileira oscilando em torno de 6,5%.

Outra diferença entre as duas economias, apontadas por De Toni, é que a Argentina depende De recursos do FMI, enquanto o Brasil tem uma previsão de investimentos diretos este ano de U$ 65 bilhões, um volume imenso para países latino-americanos.

Indústria automobilística

O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) Antonio Megale, manifestou “preocupação”, com o quadro da Argentina, mas, mesmo assim, tem expectativas de uma saída positiva para o país vizinho. “Se o governo argentino for bem-sucedido nessas negociações com o FMI, vai conseguir conter essa maior volatilidade. A gente imagina que o mercado argentino possa se estabilizar nos próximos meses. O país precisa de lastro para conter os ataques especulativos do câmbio”, avaliou.

Por enquanto, conforme informou, a desaceleração desse mercado, para onde seguem 75% das exportações do setor, seguido do México (7%), está sendo compensada pelo bom desempenho do consumo doméstico e também pela exploração de novos nichos entre os quais estão os negócios com os russos. Porem, o grande desafio do setor para diversificar a sua clientela, são os investimentos tecnológicos em pesquisa e desenvolvimento.

No começo deste ano, segundo ele, havia uma previsão de enviar para o país vizinho entre 900 a um milhão de veículos, mas este número deve cair para algo entre 700 mil e 800 mil. Pelo acordo comercial em vigor até 2020, nessa parceria, a troca de mercadorias é livre de impostos. A cada 1 US$ exportado, é possível importar o mesmo valor sem impostos.

O presidente da Câmara de Comércio Brasil- Argentina, Federico Antonio Servideo, informou que desde abril, quando começou a ficar mais forte a crise cambial, vem ocorrendo uma desaceleração da atividade econômica, que levou a um recuo das encomendas do Brasil. Na previsão dele, deve ocorrer uma queda média em torno de 20% nas encomendas argentinas nesses últimos quatro meses de 2018.

De acordo como executivo, o ambiente é bem diferente do registrado no começo do ano. Só no setor da indústria automobilística, os argentinos tinham comprado 36% mais no primeiro trimestre comparado a igual período do ano anterior. Agora, no entanto, “a capacidade de consumo das famílias argentinas vai ser, significativamente, afetada pela crise cambial e pelas medidas de contenção de despesas e da taxação sobre as exportações”.

Em defesa de Macri, ele destaca que além da herança de problemas macroeconômicos do governo anterior, o atual presidente enfrentou quebra de safras e só não pode adotar as atuais medidas antes para evitar um sofrimento maior à população. “Quando ele assumiu, havia 30% da população vivendo abaixo da linha de pobreza”.

Os respingos dessa desaceleração econômica já podem ser notados quando se compara o desempenho das exportações brasileiras para a Argentina no acumulado de janeiro a agosto, aponta o economista Clemens Nunes, professor de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo. Nesse período, segundo ele, houve queda de 1,11%, enquanto durante todo o ano de 2017, houve um crescimento de 30% sobre 2016. “ A Argentina é um grande destino da produção da nossa indústria e um dos impactos importantes vai ser, principalmente, o setor industrial exportador”, disse.

Ele alerta também sobre a possibilidade de um contágio aos países emergentes porque essa crise pode provocar uma elevação do prêmio de risco aos investidores e, no caso do Brasil, poderia levar a uma maior desvalorização da moeda frente ao dólar. Quanto ao dinheiro obtido com o FMI, o economista considera esse aporte de recursos “dá condições para que o governo ganhe algum tempo e implemente um programa econômico capaz de debelar essa crise”. Porém ele vê risco de, no futuro, o país vir a ter uma situação pior tendo de, mais uma vez, sentar à mesa de negociações para novo empréstimo.

André Alírio, economista e operador de Renda Fixa da Nova Futura Investimentos, avalia também que o país não está imune à crise Argentina, mas, igualmente, lembra que a fragilidade em relação ao parceiro comercial é bem menor pelas vantagens macroeconômicas como, por exemplo, no fato de ter folga nas reservas cambiais ao redor U$S 380 bilhões. “Isso diminui o contágio que poderia advir da pressão existente sobre os países emergentes”, afirmou.

O economista Antonio Correa de Lacerda, entende que as medidas do governo argentino “vão implicar em uma recessão se traduzindo em vários problemas com queda de arrecadação, aumento do desemprego e tudo isso terá um impacto direto no Brasil que tem a Argentina como um dos principais parceiros comerciais”.

Segundo ele, de uma forma indireta, há um risco do efeito comparação por parte dos investidores que poderão associar a proximidade entre as duas nações. “O fato de estarmos na mesma região, isso pode levar os próprios mercados a especularem quanto a problemas existentes entre a Argentina e o Brasil”. Contudo, ele reconhece que as vantagens financeiras do Brasil podem amenizar esse risco de contágio.

 Fonte: Agência Brasil

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