“Riqueza financeira” já é maior do que tudo o que o lado real da economia produz

Lauro Veiga

Postado em: 04-07-2019 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Lauro Veiga

As celebrações pelo quarto de século do Plano Real deixaram de lado, convenientemente, as distorções legadas pelo programa, que, se foi muito bem-sucedido ao domar a inflação após décadas de descalabro nesta área, o fez às custas da destruição de setores inteiros da indústria e de uma concentração ainda maior das riquezas. Distorções produzidas por anos a fio de dólar valorizado (o que levou o País à bancarrota em 1997 e 1999) e juros nas alturas, uma combinação que se mostrou letal para áreas industriais de alta e média alta tecnologia.

Para além do desmonte industrial, que será mais propriamente avaliado em outra coluna, a política econômica francamente favorável a algumas centenas de milhares de muito ricos continua produzindo estragos, já que a queda dos juros básicos não parece ter arrefecido as apostas no cassino financeiro em que o País foi transformado ao longo das últimas décadas – e esta, que se diga aqui, tem sido uma obra em permanente construção no curso de todos os governos, incluindo o atual.

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As séries de dados do Banco Central (BC), incluindo fases mais recentes na história econômica brasileira, não deixam muito espaço para comemorações. A “riqueza financeira”, incluindo aplicações em poupança, títulos privados emitidos pelos bancos, títulos federais e quotas em fundos de investimento em mãos de brasileiros e estrangeiros, avançou mais 7,42% entre maio do ano passado e igual mês deste ano, com seu estoque (saldo) saindo de R$ 6,509 trilhões para R$ 6,992 trilhões. O “cassino” passou a superar o total de riquezas produzidas pelo lado real da economia. Em relação ao PIB, a participação desses ativos financeirossubiu de 97,88% para 100,38%.Em outras palavras, a riqueza dos rentistas (que dizer, daqueles que vivem de ganhar juros e outras formas de rendimentos financeiros) já é maior do que tudo o que empresas, trabalhadores e suas famílias produzem. E aquela avança num ritmo muito mais acelerado do que a massa de salários e benefícios sociais e previdenciários recebidos pelas famílias, que vem crescendo a um ritmo anual em torno de 4,5% em 2019.

Fundos de investimento

Praticamente 68% do crescimento observado ao longo do período veio do aumento do saldo aplicado pelos muito ricos em quotas de fundos de investimento, que saiu de R$ 3,15 trilhões em maio do ano passado, ou 45,34% do PIB estimado pelo Banco Central (BC), que também consolida as estatísticas das aplicações financeiras no mercado brasileiro, para R$ 3,342 trilhões em maio deste ano (47,98% do PIB). Entraram nos fundos mais R$ 327,062 bilhões, diante de um acréscimo de R$ 482,805 bilhões registrado pelo estoque total da “riqueza financeira”. Adicionalmente, o dinheiro que circula pelo cassino dos juros no País supera largamente o saldo das operações de crédito contratadas por empresas e famílias em bancos e outras instituições do sistema financeiro.

Balanço

-Pode-se supor, a título de mero exercício teórico, que uma queda maior das taxas de juros poderia estimular a migração de uma parte daqueles trilhões de reais para o lado real da economia, o que ajudaria a financiar a expansão dos negócios em geral, o avanço da produção e do emprego, gerando mais renda para os trabalhadores e maior consumo, destravando uma das barreiras que impede a retomada do crescimento.

-Para comparar, os R$ 6,992 trilhões estacionados em aplicações financeiras diversas são quase cinco vezes maiores do que o estoque de todo o crédito no sistema financeiro nacional, que havia alcançado quase R$ 1,425 trilhão em maio deste ano. O valor era ainda 29% mais elevado do que o saldo total do crédito ampliado (que inclui outras formas de captação de recursos por empresas e famílias e somava, em maio, R$ 5,422 trilhões).

-Antes da “grande crise”, o saldo da “riqueza financeira” chegava a pouco menos de R$ 3,930 trilhões, representando 86,1% do PIB em maio de 2013. Desde lá, esse estoque de recursos aumentou 77,9% em termos nominais, diante de uma variação de 52,6% para o PIB a valores correntes e de praticamente 62% para a massa salarial ampliada disponível (que inclui rendimentos do trabalho, benefícios previdenciários e assistenciais, descontados o Imposto de Renda na Fonte e a contribuição para a Previdência).

-Em pouco menos de duas décadas, a “riqueza financeira” foi multiplicada em quase dez vezes (897%), saindo de R$ 701,039 bilhões em 2002, quando representava 47,09% do PIB. Em termos reais, descontada a variação do IGP-M, o salto foi de 255,4%. Entre dezembro de 2002 e maio deste ano, o PIB aumentou 368%.

 

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