Apesar da queda, juros contribuíram com 89% no aumento da dívida interna

Tesouro emitiu perto de R$ 738,092 bilhões ao longo do ano passado e comprou R$ 698,807 bilhões em papéis que estavam em poder do mercado| Foto: Divulgação

Postado em: 30-01-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Tesouro emitiu perto de R$ 738,092 bilhões ao longo do ano passado e comprou R$ 698,807 bilhões em papéis que estavam em poder do mercado| Foto: Divulgação

O aumento de 9,5% registrado em 2019 pela dívida pública mobiliária interna, que inclui os títulos emitidos pelo Tesouro em circulação no mercado doméstico, ganhou manchetes nos últimos dias, sempre em tom catastrofista, muito evidentemente. Em valores nominais, quer dizer, sem descontar a inflação acumulada no período, a dívida interna avançou de R$ 3,729 trilhões em 2018 para R$ 4,083 trilhões no ano passado, passando a representar em torno de 56,3% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para 2019 pelo Banco Central (BC), diante de 54,1% no ano anterior.

No período, o saldo da dívida registrou variação de R$ 354,372 bilhões, muito embora o saldo entre emissões (venda) e resgates (compra) de títulos tenha sido suficiente para explicar apenas 11,09% daquela variação. O Tesouro emitiu, em oferta pública, perto de R$ 738,092 bilhões ao longo do ano passado e comprou R$ 698,807 bilhões em papéis que estavam em poder do mercado (instituições financeiras, empresas e investidores pessoas físicas). A diferença entre os dois valores – na faixa de R$ 39,285 bilhões – passou a fazer parte do “estoque” (saldo) da dívida. Mas esse saldo havia sofrido acréscimo correspondente àqueles R$ 354,4 bilhões, em números arredondados, como já visto. Então outros fatores tiveram maior influência e poderiam explicar porque o endividamento do Tesouro continuou subindo.

Os juros continuaram sendo os grandes responsáveis pelo crescimento da dívida. A conta funciona, resumidamente, da seguinte forma: quando o resultado primário do Tesouro (quer dizer, a diferença entre receitas e despesas, excluídos os gastos com os juros) não é suficiente para pagar os juros devidos ao mercado ou quando esse resultado é negativo (o que tem ocorrido desde 2014), o próprio Tesouro é obrigado a vender mais títulos no mercado para levantar o dinheiro necessário para acertar a conta dos juros com aqueles investidores que compraram títulos públicos. Isso termina fazendo a dívida crescer e desviando recursos que poderiam ajudar a financiar despesas mais urgentes e essenciais para a sociedade.

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A conta dos juros

Em 2018 e 2019, o valor dos juros acrescidos ao chamado “estoque” da dívida atingiu, pela ordem, R$ 315,477 bilhões e R$ 316,155 bilhões, em virtual estabilidade, portanto. Mas em 2018 o Tesouro havia resgatado (recomprado) mais títulos do que o valor dos novos papéis colocados (vendidos) no mercado (foram emitidos R$ 659,929 bilhões em novos títulos e recomprados R$ 677,302 bilhões, o que significa dizer que, olhando apenas esses dois números, a dívida deveria ter encolhido em R$ 17,373 bilhões). Como não foi o que aconteceu, todo o crescimento de 8,54% acumulado pela dívida mobiliária deveu-se àquela conta dos juros. No ano passado, essa conta respondeu por 89,2% do aumento registrado pela dívida. Sim, uma parte da conta dos juros, algo perto de 30,0%,teve como causa o déficit primário de R$ 95,065 bilhões registrado no período. O déficit primário realizado em 2019, de qualquer forma, foi cerca de 31,6% mais baixo do que o rombo previsto pelo governo, na faixa de R$ 139,0 bilhões (uma diferençazinha nada desprezível de quase R$ 44,0 bilhões). E caiu 23,7% (em valores reais, agora) na comparação com 2018.  

Balanço

– Ainda para comparar, em 2018, o déficit de R$ 120,221 bilhões representou perto de 38% da conta dos juros.

– Pode-se argumentar que a influência dos juros sobre o aumento da dívida do Tesouro não seria tão elevada como sugerem os valores dos juros “apropriados” (acrescidos) ao saldo devedor, conforme divulgado pela própria Secretaria do Tesouro Nacional (STN).

– Mesmo se descontados da conta dos juros o valor dos déficits primários registrados nos dois últimos anos, essa influência continuaria relevante. Em 2018, descontado o rombo de R$ 120,221 bilhões, restaria uma conta de R$ 195,256 bilhões de juros devidos aos mercados pelo Tesouro, o que corresponderia então a dois terços (66,56%) do aumento da dívida (R$ 293,372 bilhões a mais, já que o saldo devedor havia crescido de R$ 3,435 trilhões em 2017 para R$ 3,729 bilhões no ano seguinte).

– No ano passado, com a dívida atingindo R$ 4,083 trilhões como visto, a variação nominal havia sido de R$ 354,372 bilhões para uma despesa de R$ 316,155 bilhões com os juros.  Retirando desse montante o déficit de R$ 95,065 bilhões, restaria uma diferença a ser paga pelo Tesouro de R$ 221,090 bilhões, equivalentes a 62,39% do aumento registrado pela dívida.

– O custo médio da dívida do Tesouro no mercado interno tem recuado, mas não na velocidade que se poderia esperar dada a forte retração na taxa básica de juros. Isso porque o saldo devedor ainda inclui títulos vendidos ao mercado num momento em que os juros eram muito mais elevados. Na média, aquele custo baixou de 9,37% em 2018 para 8,66% em 2019.

– Essa taxa tende a baixar mais daqui em diante (principalmente se o BC não decidir voltar a subir os juros básicos). Nas novas emissões de títulos vendidos pelo Tesouro em oferta pública ao mercado, os juros médios acumulados em 12 meses foram reduzidos de 7,64% em dezembro de 2018 para 6,94% em dezembro de 2019 – uma taxa ainda salgada, mas 1,72 pontos de porcentagem abaixo do custo médio de todo o saldo da dívida.

– A gestão da dívida, no entanto, ainda terá que ser aprimorada para se adequar ao novo ciclo de juros mais baixos. No cronograma desenhado pela STN, nada menos do 67% de toda a dívida terão vencimento entre 2020 e 2023, somando compromissos de R$ 2,745 trilhões (37,8% do PIB esperado para 2019).

 

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