Rombo na conta externa do País salta 747% nos últimos 10 anos

Essa conta consolida todas as “receitas” e “despesas” contratadas em moeda estrangeira pelo País, incluindo exportações e importações de bens| Foto: Divulgação

Postado em: 21-04-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: Rombo na conta externa do País salta 747% nos últimos 10 anos
Essa conta consolida todas as “receitas” e “despesas” contratadas em moeda estrangeira pelo País, incluindo exportações e importações de bens| Foto: Divulgação

As
perspectivas sombrias para o comércio internacional de bens neste ano, as
turbulências no mercado do dólar devem tornar mais delicada a gestão das contas
externas brasileiras, exigindo cuidados especiais em relação ao risco de fuga
de dólar e se à gestão das reservas internacionais do País. Nas últimas semanas,
o Banco Central (BC) tem utilizado parcela dessas reservas para tentar segurar
as cotações da moeda norte-americana, que passou a girar ao redor de R$ 5,30
mais recentemente. Entre o dia 9 de março e quinta-feira passada, o estoque de
dólares mantido pelo País em suas reservas havia apresentado recuo de 7,3%,
baixando de US$ 367,658 bilhões para US$ 340,860 bilhões (US$ 26,798 bilhões a
menos).

O
volume ainda é representativo e continua sendo relevante para ajudar a economia
brasileira a atravessar esse momento de crise. O BC, no entanto, não deve ser
autorizado a usar as reservas para financiar despesas correntes sob pena de
deixar o Brasil vulnerável a corridas externas e às oscilações recorrentes no
mercado internacional, acirradas pelas incertezas relacionadas à coronavírus.
As estatísticas na área externa reforçam a necessidade imperiosa de cautela ao
tratar da gestão das contas externas e especialmente das reservas
internacionais diante do histórico de déficits na conta de transações
correntes.

Essa
conta consolida todas as “receitas” e “despesas” contratadas em moeda
estrangeira pelo País, incluindo exportações e importações de bens, pagamento
de fretes, aluguel de equipamentos importados, viagens internacionais, gastos
com a importação de tecnologia e remessas de juros, lucros e dividendos, entre outras.
Nos últimos 10 anos, entre 2010 e 2019, o saldo desta conta ficou negativo em
US$ 605,034 bilhões (com um rombo médio de US$ 60,5 bilhões por ano). Comparado
aos 10 anos anteriores, entre 2000 e 2009, nas séries de dados do BC, o rombo
apresentou um salto de 747,1%, saindo de US$ 71,421 bilhões (média anual de US$
7,1 bilhões).

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Reservas em
dólar

Nos
últimos três anos, com a retração no saldo da balança comercial (exportações
menos importações), o déficit na conta de transações correntes experimento um
salto de 229,4%, escalando de US$ 15,015 bilhões para US$ 49,452 bilhões. Mesmo
assim, o Brasil conseguiu evitar crises geradas pela falta de dólares, que
foram recorrentes nos anos 1980 e 1990. As reservas estavam estacionadas em US$
33,011 bilhões no final de 2000, subiram ligeiramente para US$ 37,823 bilhões
em dezembro de 2003 e passaram a experimentar uma escalada nos anos seguintes,
atingindo um pico de US$ 379,015 bilhões no dia 6 de dezembro de 2012 (ou seja,
praticamente 11,5 vezes o estoque registrado em 2000). Em dezembro de 2019, o
País ainda detinha US$ 356,884 bilhões, o que correspondia a um crescimento
acumulado de 981,1% em duas décadas. O estoque registrado em 16 de abril ainda
era mais de 10 vezes superior ao valor registrado há pouco mais de duas
décadas, assegurando uma folga não desprezível num momento de incertezas
gigantescas em relação ao futuro imediato.

Balanço

·  
Além
da conta de transações correntes, o balanço de pagamentos (que soma todos os
compromissos e desembolsos do País no mercado internacional) inclui ainda uma
conta de financeira (que abriga investimentos recebidos pelo Brasil e aqueles
feitos lá fora por empresas instaladas aqui dentro).

·  
O
investimento direto no País triplicou naqueles dois períodos, saindo de US$
262,746 bilhões no acumulado entre 2000 e 2009 para US$ 804,950 bilhões de 2010
a 2019, em alta de 206,4%. Parte desse crescimento, no entanto, deveu-se ao
salto de 243,2% nos investimentos entre companhias de um mesmo grupo, que
passaram de US$ 62,494 bilhões para 214,464 bilhões. A participação desse tipo
de “investimento” no total avançou de 23,78% para 26,64%.

·  
A
despeito de divergências conceituais entre os economistas na classificação do
que é de fato investimento externo, essa rubrica tem compensado com folga
relativa o déficit em transações correntes. Abrindo parênteses, para alguns
economistas, apenas como exemplo, não deveriam ser incluídos nessa conta os
lucros que as multinacionais retiveram no Brasil e que supostamente teriam sido
reinvestidos no próprio negócio.

·  
Mesmo
essa contribuição, de qualquer forma, tem murchado ao longo dos períodos
analisados. Na década passada, o investimento direto havia sido quase 3,7 vezes
o tamanho do rombo na conta de transações correntes. Nos 10 anos seguintes, até
o ano passado, o investimento superou o déficit em 33,0%.

·  
O
superávit entre exportações e importações registrou variação de apenas 13,7%
entre os dois períodos analisados, com a soma entre 2000 e 2009 alcançando US$
244,035 bilhões e subindo para US$ 277,373 bilhões na soma entre 2010 e 2019.
Mas o déficit na conta de serviços (fretes, viagens, juros, aluguel de
equipamentos etc) aumentou 196% e o rombo entre rendas recebidas e remetidas
para fora (lucros e dividendos basicamente) cresceu 110,4%.

·  
Na
conta de serviços, pesou o aumento de 405,6% nas remessas de juros entre
companhias de um mesmo grupo, de US$ 11,779 bilhões para quase US$ 59,550
bilhões, em valores aproximados. Como esse tipo de remessa decorre de operações
realizadas entre multinacionais e suas filiais brasileiras, há pouca
transparência em relação às condições em que essas transações ocorrem, o que
abre espaço para manobras de remessas disfarçadas de lucro. Explica-se: as
remessas de juros não geram imposto a pagar, ao contrário do que ocorre nas
remessas de lucros.

·  
No
caso das rendas, o peso maior veio da alta de 361,7% nas remessas de lucros e
dividendos (incluindo ganhos no mercado de ações e títulos), que saltaram de
US$ 46,999 bilhões para US$ 263,978 bilhões.

 

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