Novos créditos avançam. Juros recuam lentamente e “margem” de bancos cresce

Em valores dessazonalizados, as concessões para as empresas saltaram 28,2% na passagem de fevereiro para março, com alta de 14,3% frente a março de 2019| Foto: Divulgação

Postado em: 29-04-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Em valores dessazonalizados, as concessões para as empresas saltaram 28,2% na passagem de fevereiro para março, com alta de 14,3% frente a março de 2019| Foto: Divulgação


uma nítida discrepância entre os números aferidos pelo Banco Central (BC) para
o mercado de crédito e as informações coletadas pela Confederação Nacional da
Indústria (CNI) em sua sondagem industrial, ambos referentes a março deste ano.
Em meio à pandemia, enquanto o BC aponta forte elevação dos novos empréstimos
contratados pelas empresas, a CNI registra uma retração igualmente vigorosa nos
indicadores de satisfação da indústria em relação à facilidade (ou não) de
acesso ao crédito. Alguém obviamente está “sobrando” nessa história. Uma
leitura possível a partir desses números parece sugerir que o crédito não tem
chegado, ao menos não na intensidade requerida, para os setores mais afetados
pela crise.

Em
valores dessazonalizados (ou seja, excluídos fatores sazonais, que se repetem
apenas em determinados períodos do ano e que poderiam afetar a comparação com
outros períodos), as concessões (quer dizer, novos empréstimos) para as
empresas saltaram 28,2% na passagem de fevereiro para março, com alta de 14,3%
frente a março de 2019. No mercado de crédito “livre”, as concessões saltaram
33,5% em relação a fevereiro e 13,1% diante de março do ano passado, com queda
nos novos empréstimos concedidos às pessoas físicas.

O
indicador do custo do crédito, igualmente apurado pelo BC, informa leve
retração para as empresas, com a taxa média recuando de 14,5% para 13,5% ao ano
entre março do ano passado e igual mês deste ano. Para uma inflação que já se
aproxima de 2,9% em 12 meses, trata-se, evidentemente, de um absurdo. O custo
do dinheiro para os bancos, também conhecido como taxa de captação, baixou de
7,1% para 6,0% ao ano na mesma comparação. Quer dizer, os bancos passaram a
enfrentar custos mais baixos para levantar recursos no mercado e
redirecioná-los para novos créditos às empresas. Ainda assim, o spread
(diferença entre os juros que os bancos oferecem a investidores para captar
seus recursos e aqueles cobrados das empresas, no caso) avançou ligeiramente de
7,4% para 7,5% ao ano. Isso porque o custo de captação caiu mais rapidamente do
que os juros fixados nos empréstimos contratados.

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Crédito mais
difícil

A
despeito daquelas contradições aparentes, as estatísticas do BC parecem
apresentar alguma melhora no crédito. Mas esta não é exatamente a percepção das
indústrias, especialmente interessadas na obtenção de novos recursos para
sustentar seus negócios num momento de queda vertical de receitas, paralisação
virtual da produção e desaparecimento dos consumidores. Na sondagem da CNI, o
setor aponta uma piora nas condições de acesso ao crédito, em intensidade
recorde para um único trimestre. Na prática, o levantamento mostra que esse
acesso nunca chegou a ser particularmente fácil, mas o agravamento no trimestre
encerrado em março veio não por coincidência quando a indústria mais precisaria
do crédito.

Balanço

·  
No
primeiro trimestre de 2020, já sob os efeitos da crise gerada pela pandemia e
pelas medidas de afastamento social, iniciadas na virada da primeira para a
segunda quinzena de março, o índice de facilidade de acesso ao crédito desabou
para 33,8 pontos, em baixa de 9,4 pontos na comparação com o trimestre final de
2019 (quando o índice havia alcançado 43,2 pontos).

·  
Até
o final de 2019, foram necessários seis trimestres para que o índice
conseguisse realizar uma elevação de 6,3 pontos, saindo de 36,9 pontos em setembro
de 2018. Mais claramente, apenas para os leitores e as leitoras mais
distraídos, em apenas três meses foi possível demolir com sobras o avanço
operado nos 18 meses anteriores.

·  
O
estrago veio ainda nos primeiros momentos da pandemia no Brasil, o que parece
antecipar um período de agravamento dessas condições nas semanas seguintes,
dada a letargia da equipe econômica e a sua dificuldade inerente para reagir em
situações de crise, aprisionada a dogmas fiscais que ainda amarram decisões
nesta área e que retardaram o anúncio de medidas de socorro a empresas e a
famílias.

·  
A
baixa capacidade de coordenação e de organização do governo como um todo
complicam ainda mais o cenário à frente, o que deverá cobrar um custo elevado,
não apenas social e econômico, mas em vidas.

·  
A
sondagem da CNI mostra ainda uma piora rápida na situação financeira das
empresas industriais, afetadas pela “forte queda do faturamento e da produção”.
O índice de satisfação dessas empresas com a situação financeira baixo de 50
para 41,4 pontos entre o trimestre final de 2019 e o primeiro deste ano, num
tombo de 8,6 pontos.

·  
Conforma
a CNI, a queda foi“a maior registrada entre dois trimestres consecutivos e
levou o índice para o menor valor desde o segundo trimestre de 2016, no auge da
crise econômica anterior”.

·  
O
indicador que acompanha a lucratividade operacional das indústrias, por sua
vez, mergulhou de 45,8 para 37,2 pontos, “a maior insatisfação com as margens
de lucro desde o terceiro trimestre de 2016”.

·  
Como
a produção e o consumo encolheram quase simultaneamente, os estoques mantiveram-se,
num paradoxo apenas aparente, em níveis considerados aquedados (dado o tamanho
muito reduzido da demanda).

·  
Os
indicadores também mostram forte retração da produção industrial, com o
indicador nesta área baixando de 50 para 33,3 pontos (no caso, a produção
deixou para trás uma situação de relativo equilíbrio para outra de baixa
vigorosa). O nível de ociosidade nas fábricas chegou a 42% (diante de 32% no
final de 2019), o mais alto da série histórica. Lido de outra forma, o
indicador mostra que as indústrias passaram a utilizar apenas 58% de suas
máquinas (frente a 68% na sondagem anterior).

 

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