Dados da Abimaq desmontam tese de recuperação da indústria de máquinas

O ponto a observar, neste caso, é que os indicadores da Abimaq não refletem diretamente os volumes produzidos e vendidos mensalmente pela indústria do setor - Foto: Divulgação

Postado em: 22-09-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: Dados da Abimaq desmontam tese de recuperação da indústria de máquinas
O ponto a observar, neste caso, é que os indicadores da Abimaq não refletem diretamente os volumes produzidos e vendidos mensalmente pela indústria do setor - Foto: Divulgação

Na
versão do Ministério da Economia, a indústria de máquinas e equipamentos teria
já se recomposto e retomado níveis anteriores à pandemia, numa evidente
retomada em “V” – letrinha que se tornou uma espécie de fetiche dos economistas
que “descomandam” a política econômica, sob o “descomando” do ex-super, mas
ainda ministro Paulo Guedes, o favorito de 10 entre 10 economistas pró-mercado.
O ministério toma emprestado dados da Associação Brasileira da Indústria de
Máquinas e Equipamentos (Abimaq) para dar suporte a suas conclusões. A leitura
dessas estatísticas pelo ministro e por sua turma, no entanto, quase nunca é
uma aproximação muito confiável do mundo real.

A
quase centenária associação que representa a indústria de máquinas e
equipamentos divulga regulamente os principais números do setor, mas esse
acompanhamento considera a evolução das receitas das empresas do segmento, a
valores constantes, quer dizer, atualizados com base na variação do Índice de
Preços no Atacado (IPA), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), específico para o
segmento de máquinas e equipamentos. O ponto a observar, neste caso, é que os
indicadores da Abimaq não refletem diretamente os volumes produzidos e vendidos
mensalmente pela indústria do setor. Além do mais, as receitas líquidas da
indústria local mostram ainda uma redução de 4,6% em termos reais na comparação
entre os sete meses iniciais de 2020, quando atingiu R$ 69,2 bilhões, e o mesmo
período do ano passado.

O
consumo aparente de máquinas e equipamentos, na soma das vendas domésticas e
das importações, excluídas as receitas geradas nas exportações, de fato, em
reais, voltou a níveis até superiores aos observados em fevereiro deste ano,
depois de crescer 28,8% frente a junho. Com esse resultado, passou a acumular
uma elevação de 9,8% na comparação entre os primeiros sete meses de 2020 e
igual intervalo de 2019, saindo de R$ 91,6 bilhões para R$ 100,57 bilhões.

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O efeito dólar

Neste
caso, o câmbio parecer ser uma explicação muito mais plausível do que outros
fatores mais relacionados à demanda efetiva, ao inflar o valor das importações
quando convertidas de dólar para reais. As receitas líquidas da indústria no
mercado interno sofreram redução de 1,9% na mesma comparação, recuando de R$
49,3 bilhões para menos de R$ 48,4 bilhões, sugerindo um consumo doméstico
ainda enfraquecido. Para comparação, nos mesmos sete meses, o mercado interno
havia gerado para o setor uma receita de R$ 112,9 bilhões em 2012, a valores de
julho deste ano. A comparação entre 2020 e 2012 aponta um tombo de 57,2%. O
faturamento acumulado nos sete meses iniciais deste ano correspondeu a um terço
das receitas médias verificadas entre 2012 e 2019 naquele mesmo período (algo
em torno de R$ 72,6 bilhões).

Balanço

·  
Diante
do conjunto de impactos negativos sobre as cadeias globais de suprimento e
sobre a indústria mundial e ainda com a forte desvalorização do real frente ao
dólar neste ano, seria muito mais provável estar diante de uma retração das
compras de bens importados, sejam esses bens veículos e televisores, sejam
máquinas e equipamentos.

·  
As
importações de máquinas e equipamentos vinham crescendo nos primeiros meses
deste ano, chegando a acumular, em fevereiro, uma alta de 21,3% no acumulado em
12 meses até ali, com avanço de 13,5% na comparação com fevereiro do ano
passado. Em julho, as compras externas do setor caíram 18,3% em relação ao
mesmo mês do ano passado, passando a acumular uma variação de apenas 2,4%
diante dos sete meses iniciais de 2019.

·  
Segundo
dados brutos do Banco Central (BC), trabalhados pela coluna, o dólar médio
entre janeiro e julho saltou de R$ 3,81 para R$ 5,10 entre o ano passado e este
ano, numa variação de 33,8%. A desvalorização contribuiu para que o valor das
importações de máquinas e equipamentos passasse a observar um incremento de
praticamente 37,0% entre um período e outro, o que explica todo o aumento
observado pelo consumo aparente de máquinas e equipamentos.

·  
A
desvalorização do real, no caso, gerou um crescimento ilusório, pois máquinas e
equipamentos importados apenas ficaram mais caros depois que tiveram seus
preços convertidos de dólar para a moeda brasileira. Além disso, o aumento das
importações, especialmente num momento de demanda retraída, corresponde a perda
proporcional de mercado para a indústria brasileira, com consequente diminuição
da produção local. Adicionalmente, o crescimento ficou concentrado nos meses
anteriores.

·  
No
terceiro trimestre, as compras externas, medidas em dólares, chegaram a saltar
73,3% em relação a idêntico período de 2019. O ritmo do avanço reduziu-se para
14,6% no acumulado entre janeiro e maio deste ano e fechou o primeiro semestre
com variação de 6,2% em relação aos primeiros seis meses de 2019. Como se
percebe, sempre em dólares, houve forte desaceleração das importações desde
março.

·  
Os
indicadores da Abimaq para o tamanho da carteira de pedidos do setor e o nível
de ocupação da capacidade instalada no País parecem mais relevantes, neste
caso. Em julho, a indústria do setor, em eu conjunto, dispunha em carteira de
pedidos suficiente para nove semanas de produção, saindo de 9,4 semanas em
junho. Em 2010, na média, os pedidos correspondiam a cinco meses (20 semanas),
quer dizer, mais de duas vezes o tamanho atual. Em torno de 26,0% do maquinário
do setor não estavam sendo utilizados em julho passado, praticamente o mesmo
nível da ociosidade registrado em fevereiro. Essa ociosidade havia girado ao
redor de 20% entre 2010 e 2011.

 

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