Além da alta dos alimentos, famílias mais pobres sofrem com corte no auxílio

Alta nos preços dos alimentos consumiu maior parte da renda, reduzindo o que poderia ser destinada a outros tipos de bens e produtos - Foto: Reprodução

Postado em: 22-10-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Alta nos preços dos alimentos consumiu maior parte da renda, reduzindo o que poderia ser destinada a outros tipos de bens e produtos - Foto: Reprodução

Lauro Veiga 

Além
da redução a menos da metade do auxílio emergencial desde setembro, as famílias
mais pobres têm sofrido mais com a alta recente dos preços dos alimentos, que
pesam proporcionalmente mais no orçamento familiar do que no caso dos mais
ricos. Nas primeiras semanas da pandemia, o custo da alimentação chegou a
subir, atingindo variação mensal de 2,46% ao final da primeira quinzena de
abril, mas havia iniciado um movimento de desaceleração desde lá, chegando a
virtual estabilidade em julho (variação de 0,01%). Nos dois meses seguintes,
com aumentos especialmente mais salgados nos preços das carnes, do arroz, óleo
de soja, tomate e leite longa vida, a “inflação dos alimentos” elevou-se para
2,28% em setembro, acumulando salto de 7,30% nos nove meses iniciais deste ano.

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Segundo
o indicador construído pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
para aferir a inflação por faixa de renda, embora todas as faixas pesquisadas
tenham anotado elevação, a taxa de inflação das famílias de renda mais baixa
(abaixo de R$ 1.650,50 por mês) subiu muito mais, o que significa dizer que a
alta dos preços consumiu uma fatia proporcionalmente maior de sua renda,
reduzindo (ou eliminando) a renda que poderia ser destinada a outros tipos de
bens e produtos.

“O
choque de alimentos está gerando agora um aumento muito expressivo dos
alimentos e impacta muito mais os pobres do que a classe média alta. Isso vai
continuar por um tempo, porque a inflação de alimentos continua pressionada”, comenta
Sílvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia
da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). O impacto tem se somado, prossegue a
economista, ao menor valor do auxílio pago pelo governo às famílias mais
vulneráveis, que saiu de uma faixa entre R$ 600 a R$ 1,2 mil (no caso de
famílias lideradas por mulheres) para apenas R$ 300.

Dois
terços perdidos

Em
grandes números, o impacto sobre o poder de consumo das famílias mais pobres
pode ser inferido a partir dos números oficiais apresentados pelo próprio
governo. Em sua primeira fase, que vigorou entre abril e agosto, o governo
destacou R$ 252,24 bilhões para fazer frente ao auxílio emergencial, o que,
hipoteticamente, corresponderia a R$ 50,4 bilhões na média mensal do período.
Entre setembro e dezembro, o “orçamento” para o auxílio está fixado em R$ 67,6
bilhões, em valores aproximados, correspondendo a uma média mensal em torno de
R$ 16,9 bilhões. Ou seja, uma redução de 66,5% em relação à média anterior.
Para reforçar: além das perdas maiores causadas pela inflação dos alimentos, as
famílias de renda mais baixa deixarão de receber pouco mais de dois terços do
auxílio pago até setembro, o que significa perto de R$ 33,5 bilhões a menos por
mês (numa perda de aproximadamente R$ 134,2 bilhões na soma dos quatro meses
finais deste ano).

Balanço

·  
Como
lembra Sílvia Matos, com a redução da renda familiar, trabalhadores que haviam
deixado de buscar emprego desde o começo da pandemia tenderão a retornar ao
mercado em maior número, como já vem ocorrendo, fazendo o desemprego crescer
ainda mais, já que a economia não tem criado empregos em número suficiente.

·  
A
pressão dos preços dos alimentos, como mostra o indicador do Ipea, foi a
principal responsável pela variação de 4,31% acumulada nos últimos 12 meses pela
inflação das famílias de renda mais baixa. Para comparação, a inflação das
famílias com renda mensal acima de R$ 16.509,66 subiu 1,81% (quer dizer, menos
da metade). Esse sempre foi o lado mais perverso de processos inflacionários,
pois a alta dos preços em geral afeta de forma mais dura os mais pobres,
agravando as desigualdades sociais e de renda num país já extremamente
desigual.

·  
Num
parêntese, o caso brasileiro atualmente não configura uma escalada
inflacionária porque os aumentos ocorridos têm se concentrado no setor de alimentação
e não têm sido acompanhados por altas em outras áreas da economia, ou seja, não
houve uma disseminação daqueles aumentos. Isso não significa, no entanto, que as
perdas sofridas pelos mais pobres possam ser negligenciadas.

·  
Ao
longo do ano, a inflação das famílias mais pobres registrou variação de 2,52%,
ou seja, 12 vezes mais do que a taxa de 0,21% acumulada entre janeiro e
setembro para a inflação dos mais ricos.

·  
Na
média geral, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) anotou variação
de 1,34% entre janeiro e setembro deste ano, com alta de 7,30% para o grupo
alimentos e bebidas. O custo da alimentação no domicílio saltou 9,17% no mesmo
período, com altas de 51,3% para o óleo de soja, de 40,69% para o arroz e de
30,38% no caso do leite longa vida. Mas outros produtos tiveram melhor
comportamento: as carnes e os produtos panificados, por exemplo, subiram 2,55%
e 3,10%.

·  
Os
custos da habitação, com aumentos mais suaves para aluguéis (1,82%) e
combustíveis e energia (0,57%), subiram 1,50%. A inflação do vestuário e do
transporte público ficou negativa (-2,85% e -11,98% respectivamente), como
resultado das medidas de distanciamento social. Mas aparelhos de tevê, som e
informática subiram 15,79%.

·  
Essas
diferenças no comportamento dos preços, cita Sílvia Matos, levou o economista
Alberto Cavallo, professor da escola de negócios da Universidade Havard, a
afirmar que a inflação no Brasil (assim como em outros países) estaria
subestimada, porque a cesta de consumo das famílias se alterou com a pandemia.

·  
Mais
claramente, as pessoas reduziram o consumo de serviços e mercadorias que
passaram a indicar queda nos preços e ampliaram as compras de alimentos, por
exemplo, que subiram mais. Esse “efeito substituição” na cesta de consumo,
causado pela Covid-19, deixou a inflação oficial no País em torno de 0,88
pontos de porcentagem mais baixa do que a “inflação real”. Esse efeito, aferido
até julho, pode estar se diluindo agora com maior reabertura dos negócios, numa
tendência ainda a ser conferida. 

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