Demanda chinesa por carnes tende a perder fôlego nos próximos anos

O fato é que a doença obrigou os chineses a importarem volumes crescentes de carne, pressionando a oferta em todo o globo e abrindo espaço para preços recordes da arroba do boi gordo - Foto: Divulgação

Postado em: 13-11-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: Demanda chinesa por carnes tende a perder fôlego nos próximos anos
O fato é que a doença obrigou os chineses a importarem volumes crescentes de carne, pressionando a oferta em todo o globo e abrindo espaço para preços recordes da arroba do boi gordo - Foto: Divulgação

Lauro Veiga 

Sem
a participação crescente na China, que teve sua capacidade de produção de carne
suína seriamente afetada nos últimos dois anos pela peste suína africana, as
exportações brasileiras de carnes teriam experimentado retração, numa tendência
que se torna ainda mais evidente ao longo deste ano. O fato é que a doença
obrigou os chineses a importarem volumes crescentes de proteína animal,
pressionando a oferta em todo o globo e abrindo espaço, por exemplo, para
preços recordes da arroba do boi gordo aqui dentro, com reflexos igualmente
sobre os valores recebidos por granjeiros e produtores de aves e suínos.

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Esse
cenário, de qualquer forma, tende a não se repetir nos próximos anos, conforme
analisam os economistas Cesar de Castro Alves, Fernando Alves Gomes e Guilherme
Bellotti de Melo, da equipe de Consultoria Agro do Itaú BBA. O alerta vale
especialmente para a cadeia de produção de suínos. Conforme os economistas, “é
imperativo que os players da cadeia suinícola sejam parcimoniosos nas decisões
de investimento e expansão ao longo dos próximos anos”. Pois o “crescimento
observado para as exportações no passado recente, alavancado pelo espaço aberto
no mercado chinês, tende a não se repetir diante dos possíveis cenários de
recuperação da produção naquele país”. Além disso, no mercado doméstico,
alertam ainda, “o aumento esperado para o consumo (…) não deve ser tão
relevante”.

A
peste levou a uma redução expressiva nos abates de suínos, que desabaram 34,4%
entre 2018 e 2020, correspondendo a uma redução de 238,8 milhões de cabeças,
simplesmente mais do que cinco vezes maior que todo o abate realizado em um ano
no Brasil, observam Alves, Gomes e Bellotti. A produção chinesa de carne suína,
da mesma forma, foi reduzida em 30%, saindo de 54,0 milhões para 38,0 milhões
de toneladas (16,0 milhões a menos, em grandes números). Há grandes dúvidas em
relação à velocidade de recuperação do plantel e ainda sobre os números reais
nesta área. Mas os indicadores disponíveis sugerem que essa recomposição pode
estar ocorrendo de forma “muito mais rápida que o esperado há um ano”, aponta
relatório divulgado pelo banco no início da semana – o que justificaria os
sinais de alerta sinalizados pelo time de agronegócio da instituição.

Mais
tecnologia

Com
a inversão na tendência de queda do rebanho de matrizes suínas, observada a
partir de outubro do ano passado, quando o plantel teria alcançado 19,0 milhões
de cabeças, num número estimado, um exercício realizado pelos economistas
projeta um total de 35,0 milhões de matrizes por volta de meados do próximo
ano, quando o rebanho suíno deverá retomar níveis semelhantes àqueles
registrados antes da peste africana, em torno de 350,0 milhões de cabeças. Essa
produção tende a ganhar níveis de tecnificação crescentes, com incorporação de
requisitos de biossegurança mais severos de forma a evitar novos surtos, supõe
o relatório, com a produção concentrando-se entre granjas de maior escala. No
cenário base trabalhado pela equipe do Itaú BBA, granjas com planteis
superiores a 10,0 mil animais responderão por pelo menos metade dos abates em
2025, o que se compara com uma participação de 15,0% em 2017.

Balanço

·  
Num
cenário mais acelerado de modernização do setor, aquela participação poderia
alcançar 60,0% em cinco anos, reduzindo ainda mais o espaço para pequenos
granjeiros, com alimentam seus rebanhos com restos de cozinha e ração.

·  
A
queda na oferta de carne suína no mercado chinês foi tão severa que obrigou o
país a aumentar fortemente as importações de outros carnes para atender à
demanda. Esse movimento favoreceu largamente o setor de proteína animal no
Brasil. As exportações brasileiras de carnes em geral cresceram 5,0% entre 2017
e 2019, saindo de 6,716 milhões para 7,048 milhões de toneladas (332,48 mil
toneladas a mais).

·  
Os
embarques de carnes suína e bovina tiveram maior destaque, com altas de 26,2% e
de 9,0% naquele mesmo período, respectivamente, enquanto as vendas de frango
recuaram 1,3%.

·  
No
mesmo intervalo, as exportações de carnes para a China dobraram, saindo de
651,89 mil para 1,340 milhão de toneladas (ou seja 105,6% a mais), o que elevou
sua participação nas vendas externas do setor de 9,71% para 19,02%. Sem o
mercado chinês, as exportações brasileiras no setor teriam sofrido baixa de
5,9%.

·  
As
exportações de frango, carne suína e bovina para a China saltaram, pela ordem,
51,0%, 414,6% e 135,5%. O mercado chinês passou a responder por 33,8% de toda a
venda externa de carne suína realizada pelo Brasil em 2019. Entre janeiro e
outubro deste ano, diante de novo salto de 119,2%, os chineses passaram a
responder por 50,3% dos embarques totais de carne suína. A fatia chinesa nas
exportações brasileiras de carne bovina elevou-se de 14,3% em 2017 para 26,7%
em 2019, atingindo 41,6% nos 10 primeiros meses deste ano.

·  
Os
reflexos da recomposição da oferta interna de carne suína, portanto, advertem
ainda os economistas do Itaú BBA, “poderão ser sentidos nas vendas internacionais
de carne bovina”, pois uma parte do “salto recente das exportações brasileiras
para tal destino, que tem puxado o aumento do volume exportado no Brasil, se
deve à redução da disponibilidade de proteína animal produzida localmente”.

·  
De
qualquer forma, embora os desafios sejam da mesma forma importantes, a mudança
no padrão interno de produção de carne suína deverá abrir espaço para compras
crescentes de grãos pela China, destacadamente soja e milho. As tendências
nesta área, que serão detalhadas numa próxima coluna, sugerem que os preços
daquelas commodities deverão continuar valorizados ao saber do apetite chinês.

 

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