Segunda-feira, 22 de julho de 2024

O ministro dos mercados e os mitos que ele alimenta para fazer negócios

O objetivo de Paulo Guedes é desmontar setor público e liquidar estatais para abrir espaços para empresas privadas - Foto: Reprodução

Postado em: 19-11-2020 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: O ministro dos mercados e os mitos que ele alimenta para fazer negócios
O objetivo de Paulo Guedes é desmontar setor público e liquidar estatais para abrir espaços para empresas privadas - Foto: Reprodução

Lauro
Veiga Filho

O
ministro dos mercados, senhor Paulo Guedes, continua a exercitar sua capacidade
de mentir e manipular dados e números sem que isso lhe cause o menor rubor nas
faces, como diriam nossas avós. A esta altura, com o País perigosamente às
portas de uma “segunda onda” da pandemia, suas aleivosias e de seus assessores
descambam para o catastrofismo escancarado, ao ressuscitar o fantasma da
hiperinflação para forçar a aprovação de reformas com o objetivo, desde sempre,
de aprofundar o desmonte do setor público e a liquidação de suas estatais
exclusivamente para abrir espaço para negociatas privadas.

A
aceleração dos preços nos últimos dois meses, muito concentrada nos alimentos,
reflete em parte a perda de valor do real frente ao dólar e outras moedas, mas
também a inoperância do Ministério da Economia diante do avanço descontrolado
das exportações de grãos. O crescimento das vendas externas nos casos da soja e
das carnes, num exemplo, foi impulsionado pela demanda chinesa, levando a
pressões sobre os preços cobrados do consumidor no Brasil. A escalada das
exportações de arroz, que enxugou a oferta doméstica e ajudou a disparar altas
sequenciais de preços, esteve sempre relacionada às restrições impostas às
exportações pelos principais países produtores, que trataram de adotar
políticas para assegurar o abastecimento interno e segurar os preços num
momento de crise sanitária.

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O
Brasil e seu “desgoverno” fizeram o contrário. As medidas adotadas pelos
grandes produtores globais abriram espaço lá fora para os embarques do arroz
produzido aqui dentro.As exportações brasileiras de arroz dispararam, saltando
de 790,2 mil toneladas nos primeiros 10 meses de 2019 para 1,319 milhão de
toneladas no mesmo período deste ano, num salto de 66,9%. Os estoques
reguladores, em outubro deste ano, estavam limitados a apenas 21,6 mil
toneladas, o que se compara com 5,1 milhões de toneladas em outubro de 1988. O
volume atual corresponde a 0,2% do consumo estimado para todo o País, na faixa
de 10,8 milhões de toneladas, de acordo com dados da Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab).Da mesma forma, as exportações de carne suína aumentaram
39,0% nos 10 primeiros meses deste ano, saindo de 605,52 mil toneladas em 2019
para 841,82 mil toneladas.

O
dólar e os preços

As
pressões de alta sobre o dólar no mercado brasileiro haviam sido mais intensas
entre fevereiro e maio, quando as medidas de afastamento social e os casos de
infecção e de mortes pela Covid-19 chegaram a um primeiro pico. No período,
considerando a taxa média de câmbio, a cotação do dólar em reais chegou a subir
30,0%. Com a economia duramente atingida pela crise sanitária, a inflação do
período manteve-se muito baixa ou negativa, variando de 0,07% em março a -0,38%
em maio. Entre maio e os primeiros 18 dias de novembro, as cotações médias
registradas pelo Banco Central (BC) apontam recuo de 3,2%. A perspectiva mais
concreta da chegada, não de uma, mas de pelo menos três vacinas nos próximos
meses tem tranquilizado os mercados, embora o mundo tenha entrado no que parece
ser uma segunda onda da pandemia nas últimas semanas.

Balanço

  • Essa “calmaria” aparente no mercado do dólar
    esconde momentos de pressão renovada sobre a cotação da moeda, que chegou
    a subir 3,43% em agosto e 4,19% em outubro, depois de ter recuado 1,13% no
    mês imediatamente anterior. Na média dos 18 dias iniciais de novembro, o
    dólar baixou 2,93% em relação ao mês anterior, saindo de R$ 5,63 para R$
    5,46. Na ponta, ou seja, no dia a dia, esses valores já rondavam a faixa
    de R$ 5,34 a menos de R$ 5,30 ao final daquele período.
  • Contrariando a retórica catastrofista do
    ministro, o mercado do dólar parece se acalmar no mesmo momento em que o
    terrorismo fiscal ganha terreno entre porta-vozes do setor financeiro,
    analistas, consultores e uma espécie de comentarista econômico que parece
    vicejar à larga na imprensa dita especializada.
  • O avanço recente da inflação, no entanto, não
    configura uma escalada do tipo observado nos anos 1980 e 1990, não tem
    qualquer relação com supostas “pressões de demanda” e deve ser revertida
    nas próximas semanas. Ainda que a taxa inflacionária deste ano tenda a
    superar as projeções iniciais, a inflação continuará abaixo do centro da
    meta (4,0%).As apostas do mercado têm convergido para uma taxa em torno de
    3,25% neste ano e de 3,22% em 2021, sem sustos, portanto.
  • As perspectivas naquela área estão amarradas
    às condições ainda muito delicadas enfrentadas pela atividade econômica.
    Ao contrário das leviandades disparadas pelo ministro e por seus
    assessores, que insistem na tal recuperação em “V”, consultorias em geral
    acreditam que o Produto Interno Bruto (PIB) só deverá retomar os níveis de
    2019 em algum momento de 2022.
  • Em sua avaliação mais recente, o Instituto
    Fiscal Independente (IFI), órgão de assessoramento do Congresso em
    questões fiscais e orçamentárias, sugere a mesma trajetória, com retração
    de 5,0% neste ano, seguida de um avanço de 2,8% em 2021 e a retomada dos
    níveis médios de 2019 no ano seguinte.
  • Os fatores por trás dessas projeções são os
    mesmos que desautorizam o catastrofismo ministerial em relação à inflação.
    Com toda a “retomada” observada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
    Estatística (IBGE) para a produção industrial entre maio e setembro, o
    nível da atividade nesta área continuava cerca de 16,0% abaixo do pico,
    registrado em maio de 2011 (quer dizer, há quase uma década). A diferença
    era praticamente a mesma observada em fevereiro, antes da pandemia.
  • A ociosidade estimada para o setor como um
    todo pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mantinha-se
    ligeiramente acima dos 20,0% em setembro (precisamente 20,6%, já que a
    indústria havia conseguido ocupar 79,4% de suas máquinas). Em abril de
    2015, o nível de utilização da capacidade instalada estava em 80,5% (quer
    dizer, em torno de 19,5% das máquinas instaladas estavam paradas).
  • Outros indicadores mostram que sobra muita
    capacidade não utilizada na economia e uma das situações mais dramáticas
    está no mercado de trabalho. Somados os números de pessoas desempregadas e
    aquelas desalentadas (que desistiram de procurar emprego por falta de
    opções), a taxa de desocupação estaria mais próxima de 19,4% do que dos
    14,4% registrados no trimestre entre junho e agosto deste ano pelo IBGE.

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