A nova chantagem do ministro para levar adiante o desmonte do Estado

Confira a coluna de economia deste final de semana, por Lauro Veiga

Postado em: 12-02-2021 às 23h59
Por: Sheyla Sousa
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Confira a coluna de economia deste final de semana, por Lauro Veiga

A
capacidade de antevisão do governo e de sua equipe econômica parece louvável,
assim como sua expertise logística, acrescente-se. Ainda assim, não tiveram
competência para prever que o vírus não estava de malas prontas para deixar o
País ainda aos primeiros fogos do ano novo. Deve-se considerar, poderiam
contrapor aqueles mais crédulos (para ser generosamente condescendente), que o
projeto da lei orçamentária para 2021 foi concluído por volta de agosto.
Ironias à parte, já àquela altura, no entanto, era muito evidente que os
diversos imunizantes em desenvolvimento no mundo, num esforço científico jamais
observado na história, não estariam prontos a tempo de alimentar campanhas
massivas de vacinação ainda em 2020, a ponto de evitar uma segunda onda de contágios
e de mortes em praticamente todos os países.

O
ministro dos mercados e sua equipe, sempre dedicadíssimos a montar negócios
muito especiais em favor de grupos privados, não demonstraram a mesma dedicação
ao montar a proposta de orçamento para este ano, deixando de incluir a previsão
de mais um ciclo de gastos emergenciais para atender ao enfrentamento da
pandemia causada pelo coronavírus, agravada pelo surgimento de variantes mais
contagiosas, e prevenir seus impactos sobre a economia. Houve tempo suficiente
para isso, a se considerar que o projeto da nova lei orçamentária sequer foi
ainda votado no Congresso.

Em
meio a todo esse cenário dramático, com uma crise humanitária encomendada pela
imprevidência de um governante inapetente, para ser mais uma vez condescendente,
o senhor Paulo Guedes aproveitou a volta das pressões do Congresso para o
relançamento de alguma forma de auxílio emergencial para colocar sobre a mesa
sua mais recente chantagem. Sem que as suas faces demonstrassem o menor rubor,
propôs que o Congresso lhe entregue um “orçamento de guerra” em troca da
aprovação do auxílio, a ser incluído na tal “PEC do pacto federativo”, a ser
votada, segundo ele, “em 10 ou 15 dias”. O auxílio seria a “azeitona na empada”
a ser incluída naquela proposta de emenda constitucional (daí a sigla PEC,
desavisada leitora e desavisado leitor).

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Alice e o
espelho

Mas
o que pretende o ministro dos mercados com sua chantagem explícita (e
apresentada, numa atitude mais do que recorrente, fora do Congresso, num
encontro com porta-vozes do setor ruralista)? Desindexar todos os gastos,
desvincular todas as despesas, liberar integralmente o orçamento à sanha dos
que mais podem na disputa pelos recursos federais, levando adiante o projeto de
desmonte do Estado. Seus argumentos são pífios e mentirosos. Diz o ministro
que, sem a indexação (quer dizer, sem a obrigatoriedade de correção com base na
inflação de algumas classes de despesas, para a saúde e educação), o Congresso
poderia conceder aumentos maiores para gastos com saúde ou para a educação, por
exemplo, acima mesmo da inflação. Seria uma piada de extremo mau gosto, senão
inteiramente hipócrita. O ministro que tem segurado as despesas para compra de
vacinas e deixou de gastar pouco mais de R$ 80,0 bilhões dos créditos extraordinários
abertos no ano passado para enfrentar a pandemia iria de fato elevar o
orçamento da saúde, da educação, da pesquisa científica e tecnológica? Se você
consegue acreditar nisso, você parece estar como Alice diante do espelho.

Balanço

·  
A
desvinculação extinguiria o piso de gastos fixado pela Constituição para
favorecer a saúde e a educação, além da pesquisa científica e tecnológica. Sem
a necessidade de cumprir esses limites, como parece óbvio, o ministro poderá
cortar ou desviar esses recursos para outras áreas, atendendo a demandas outras
de parlamentares e grupos de pressão.

·  
Na
semana que passou, a Câmara tratou de entregar ao ministro dos mercados e a seu
fiel escudeiro no Banco Central (BC) duas medidas supostamente liberalizantes,
das quais a mais grave para ser aquela que amplia a liberalização no mercado do
dólar, abrindo de vez a conta de capitais do País (num processo iniciado lá
atrás, ainda nos anos 1990 durante do governo Collor). Detalhe: a medida foi
aprovada na calada da noite, sem alarde.

·  
O
projeto que define uma nova lei para o câmbio, que segue agora para o Senado,
não só autoriza empresas e pessoas físicas a abrirem contas em dólar aqui
dentro, mas traz uma série de medidas que tornam mais frágeis os controles
sobre transações envolvendo moedas estrangeiras, a pretexto de facilitar a vida
de importadores e exportadores, e também sobre a entrada de investidores
estrangeiros no Brasil, aparentemente, dispensando o registro desse tipo de
capital no próprio BC.

·  
Até
aqui, os bancos brasileiros ou que atuam aqui dentro estão autorizados a
financiar importações desde que se comprove a entrada da mercadoria ou a
prestação do serviço no País. Essa exigência será removida com a aprovação do
projeto. Assim como cairá a proibição de que bancos estrangeiros com contas em
reais no País façam pagamentos no exterior. A liberalização do câmbio, ao
contrário dos argumentos oficiais, tende a elevar o risco de turbulências,
facilitar a fuga de moeda estrangeira em momentos de incertezas no mercado doméstico
(algo extremamente raro, no caso brasileiro, como sabem todos) e pressões
consequentes sobre o preço do dólar.

·  
A
Câmara igualmente aprovou o projeto que assegura autonomia legal ao BC (pois o
banco já atua de forma autônoma, na prática), criando mandatos fixos para seus
diretores e não coincidentes com o mandato presidencial – o que poderá ser
fonte de conflitos mais à frente, caso o presidente seguinte adote orientação
econômica diversa.

·  
“Imagina-se
que, com mandatos não coincidentes com os da Presidência da República, os
membros da diretoria da autoridade monetária não sofrerão pressões políticas e
poderão decidir a melhor maneira de atingir seus objetivos”, raciocina o
economista José Francisco de Lima Gonçalves. Mas, pondera na sequência, os objetivos
do BC já estão fixados em lei e as metas (basicamente juros e inflação) são
definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), formado pelos ministros da
Economia e Planejamento e pelo presidente do próprio BC.

·  
Contra
a argumentação oficial, Lima Gonçalves sugere que seria preciso igualmente
“descasar mandatos privados”, criando normas mais rígidas de quarentena para
evitar a livre circulação de executivos do BC para o mercado financeiro e
bancário e vice-versa. Além disso, o projeto confere prioridade à estabilidade
da moeda frente ao emprego e à atividade econômica, “um erro que poucos países
cometem”.

 

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