Estudo mostra que é possível redistribuir renda e crescer

Confira a coluna de economia desta terça-feira (16/02), por Lauro Veiga

Postado em: 15-02-2021 às 23h59
Por: Sheyla Sousa
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Confira a coluna de economia desta terça-feira (16/02), por Lauro Veiga

A
alta concentração da renda no Brasil, além de perpetuar a exclusão de milhões
de famílias e contribuir para níveis de miséria e pobreza imorais,
literalmente, entre outros efeitos perversos, tem sido um obstáculo real ao
crescimento mais acelerado. E, a esta altura, em meio à pandemia e a seus
impactos sociais e humanitários dramáticos, torna-se uma barreira para a
retomada da atividade econômica, já que os muitíssimos ricos têm uma propensão
maior para poupar sua renda e, portanto, reservam parcelas proporcionalmente
menores de seus ganhos para o consumo.

Portanto,
um dos caminhos para promover a retomada da economia e ao mesmo tempo reduzir
minimamente as desigualdades no segundo país mais desigual em todo o mundo estaria
em políticas de transferência de renda para os muito pobres. Uma estratégia
naquela direção começou a ser esboçada pelos economistas Rodrigo Toneto, Theo
Ribas e Laura Carvalho, do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das
Desigualdades (Made) da Faculdade de Economia e Administração da Universidade
de São Paulo (FEA/USP). O trio publicou ontem a Nota Econômica nº 008, sob o
título “Como a redistribuição de renda pode ajudar na recuperação da economia?
Os efeitos multiplicadores da tributação dos mais ricos para transferência aos
mais pobres”.

Trata-se,
destacam Toneto, Ribas e Carvalho, de um modelo ainda preliminar, baseado nos
dados completos da edição mais recente da Pesquisa de Orçamentos Familiares
(2017-2018), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas que
demonstra as possibilidades concretas de “conciliar redução da desigualdade com
crescimento econômico no Brasil”. Os números da POF mostram que os mais pobres
tendem a destinar parcelas muito maiores de sua renda para consumo, ao
contrário do que ocorre entre os muito ricos, que poupam muito mais do que
gastam.

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“De
acordo com as propensões estimadas, uma tributação de R$ 1,00 a mais do 1% mais
rico para transferência desse mesmo montante para os 10% mais pobres é capaz de
elevar o consumo agregado em R$ 0,63. Afinal, enquanto taxar os mais ricos leva
a uma queda de R$ 0,24 no consumo, o ganho nessa mesma variável ao distribuir o
montante total aos mais pobres é de R$ 0,87”, apontam ainda.

Alavanca para
crescer

Conforme
aqueles dados, os 10% mais pobres, que respondem apenas por 0,79% da renda
disponível (aqui considerados os rendimentos do trabalho e transferências de
renda do governo e descontados impostos e contribuições), tem a propensão de
destinar praticamente 87% de eventuais ganhos de renda para o consumo,
reservando apenas 13% para a poupança. No topo da pirâmide da renda, o 1% mais
rico costuma poupar em torno de 76% de seus rendimentos adicionais, desviando
para o consumo apenas 24% daqueles ganhos extras. Num resumo muito resumido, o
modelo proposto pelo trio de economistas sugere ampliar a cobrança de impostos
sobre aquele 1% mais rico de tal forma que permita financiar a transferência de
R$ 125 por mês aos 30% mais pobres. Se adotada, a medida causaria um impacto
positivo de 2,4% sobre o Produto Interno Bruto (PIB), com a vantagem adicional
de não criar novos rombos para o setor público e nem causar novas altas para a
dívida federal, num cenário de endividamento mais elevado do governo.

Balanço

·  
Tão
importante quanto os efeitos fiscais neutros (já que a transferência proposta
seria financiada pela arrecadação extra prevista com o aumento de impostos
entre o 1% mais rico da população), essa política faria ampliar o tal “fator
multiplicador”, assim como a base sobre o qual esse multiplicador incide.

·  
Vamos
por partes. O efeito multiplicador ocorre quando há, por exemplo, um aumento do
investimento ou da renda da população, ou mesmo quando há um crescimento das
exportações. Nestes casos, os ganhos trarão aumento proporcional da demanda
total, o que permitirá que as empresas produzam mais, contratem mais
trabalhadores, que vão receber salários, que serão, por
sua vez, destinados parte para o consumo e parte para a poupança.

·  
Ao
ampliar a renda dos mais pobres, não apenas haverá mais pessoas ganhando mais
(a ampliação da base mencionada acima), como os efeitos em cadeia sobre toda a
economia serão maiores, pois aquela faixa da população, como visto, tem uma
propensão maior para consumir alimentos, roupas, calçados e outros bens, diante
de níveis de carência extremos. Com a grande vantagem, já relacionada acima, de
reduzir a distância entre os muito pobres e os muito ricos.

·  
A
mudança na estrutura de distribuição da renda (com maior participação relativa
dos mais pobres) ajudaria a amplificar os efeitos de quaisquer políticas de
estímulo à economia que venham a ser adotadas no futuro, permitindo taxas mais
promissoras de crescimento à custa de esforços fiscais relativamente menos
intensos.

·  
Da
mesma forma, qualquer crescimento observado em outras áreas, como um avanço das
exportações ou do investimento público, produziriam igualmente impactos
proporcionalmente mais elevados do que hoje.

·  
No
modelo proposto por Toneto, Ribas e Carvalho, a fatia na renda disponível
detida pelos 30% mais pobres passaria de 5,69% para 7,66% (alta de quase dois
pontos de porcentagem), enquanto o 1% mais rico passaria a concentrar 11,47% do
total (diante de 13,44% atualmente).

·  
“Esquemas
neutros do ponto de vista fiscal, que não elevam o endividamento do governo,
ainda assim podem ser importantes mecanismos de recuperação econômica em um
contexto de alta capacidade ociosa, além de garantir uma distribuição de renda
mais justa e melhores condições de vida para a base da pirâmide”, constatam os
economistas.

·  
No
cenário atual, a política de teto de gastos constitui um obstáculo definitivo a
políticas daquele tipo, ao impor um limite burro para o crescimento das
despesas, mesmo que sejam encontradas formas de aumentar a arrecadação. Toneto,
Ribas e Carvalho prometem apresentar, nas próximas notas econômicas do Made,
“novos desenhos para o teto que gastos”, que tornem possível a adoção de “propostas
fiscalmente sustentáveis que combinem um alto potencial de reduzir
desigualdades e de estimular a economia”.

 

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