Segunda-feira, 29 de julho de 2024

Governo despreza R$ 80,7 bilhões e corta orçamento da saúde em quase 70%

Confira a coluna Econômica, por Lauro Veiga, desta Terça-feira (23/3) | Foto: Reprodução

Postado em: 23-03-2021 às 08h15
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: Governo despreza R$ 80,7 bilhões e corta orçamento da saúde em quase 70%
Confira a coluna Econômica, por Lauro Veiga, desta Terça-feira (23/3) | Foto: Reprodução

Lauro Veiga 

Concretamente,
o chamado “orçamento de guerra” reservou, por meio de créditos extraordinários
aprovados pelo Congresso, pouco mais de R$ 604,745 bilhões para enfrentar a
pandemia e suas consequências para milhões de famílias e empresas. Mas gastou
R$ 524,018 bilhões ao longo do ano passado, deixando uma sobra de praticamente
R$ 80,727 bilhões e que poderiam ter sido destinados, em 2021, ao combate à
crise humanitária instalada no País há mais de ano. Mas pornegacionismo,
incapacidade de planejar e executar políticas, com a pregação absurda fazendo
distinção indevida e ilógica entre saúde e economia, ou por mero desprezo pelo
povo, a equipe econômica simplesmente decidiu que aqueles recursos seriam
dispensáveis, em meio a mais grave crise humanitária jamais enfrentada.

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Por
que? Porque, nas mentes daqueles que decidem o futuro do País, o seu futuro, a
pandemia estaria encerrada em dezembro, pois a economia já teria engatilhado
uma formidável recuperação e o Brasil caminhava para atingir a tal imunidade coletiva.
Duas fantasias tóxicas, que ajudaram a produzir o desastre humanitário e
sanitário enfrentado agora. O ministro do ajuste fiscal, o porta-voz dos
mercados que ocupa a cadeira de ministros da Economia, que já foi tido e havido
como o “posto Ipiranga” desse desgoverno, não se limitou a desprezar recursos
que representam quase 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB).

A
dotação incluída no orçamento para ações de enfrentamento da emergência de
saúde pública (terminologia adotada oficialmente para definir os recursos
destinados ao setor de saúde contra a pandemia) sofreu corte entre 64,0% e
quase 70,0%, a depender da métrica escolhida. Na contabilidade da Secretaria do
Tesouro Nacional (STN), as ações de saúde contra o coronavírus receberão, neste
ano, apenas R$ 24,911 bilhões, o que se compara com R$ 69,137 bilhões definidos
pelo “orçamento de guerra” em 2020. Um corte, portanto, de R$ 44,226 bilhões
(64,0% a menos). Os números do Senado diferem ligeiramente, mas apontam
igualmente uma redução severa nos recursos, quando o caos já se instala no
sistema de saúde em quase todos os Estados.

Enxugamento
criminoso

Os
valores planejados para aquelas ações em 2020, conforme a estimativa da casa,
aproximavam-se de R$ 72,830 bilhões e desabaram para R$ 22,06 bilhões na
previsão orçamentária fixada para este ano, numa redução ainda mais severa de
R$ 50,770 bilhões (quer dizer, quase 70,0% a menos). Para agravar, a velocidade
de liberação desses recursos, já bastante reduzidos, tem sido desanimadora. Com
um quarto do ano praticamente concluído, apenas 13,2% daquele dinheiro já
haviam sido gastos até ontem, efetivamente. Considerando os dados da STN, a
execução orçamentária no setor estaria ainda mais lenta, alcançando 11,6% do
total programado, somando R$ 2,893 bilhões gastos em igual período.

Balanço

Os
entraves para dar destinação adequada àqueles R$ 80,727 bilhões que não foram
gastos do “orçamento de guerra” aprovado em 2020, na prática, foram criados
pela própria equipe econômica e por sua obsessão com o tal ajuste fiscal e a
fixação em torno do teto de gastos (que já se mostrou inadequado, para dizer o
mínimo). Por conta dessa política, por duas décadas, as despesas federais
somente poderão crescer na mesma proporção da inflação. Mesmo que as receitas
cresçam mais, as sobras eventuais de arrecadação não poderão ser destinadas a
gastos correntes e deverão ser usadas para abater a dívida federal.

A
despeito do rigor das normas que regulam a contabilidade
pública, havia sim alternativas, como mostra em artigo recente Bráulio Borges, economista-sênior
da área de Macroeconomia da LCA e pesquisador-associado do Instituto Brasileiro
de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

Borges
faz referência, nesse trabalho, especificamente aos quase R$ 29,0 bilhões que
deixaram de ser gastos com o auxílio emergencial no ano passado, perto de 9,0%
dos recursos previstos. Somadas as despesas com o auxílio emergencial entre
abril e dezembro, já incluído o chamado “auxílio residual”, o governo teve à
sua disposição algo como R$ 321,841 bilhões, mas gastos de fato R$ 292,945
bilhões com o auxílio destinado a famílias vulneráveis.

A
diferença soma R$ 28,895 bilhões em recursos não desembolsados, ainda que, como
todos sabem (menos Paulo Guedes e seu “time” de economistas), a pandemia não
tenha sido debelada na virada do ano. Na verdade, a continuidade da crise
humanitária em 2021 já era previsível ainda quando o Ministério da Economia
preparava o orçamento para este ano, por volta do final do primeiro semestre do
ano passado e começo do semestre seguinte.

Borges
lembra que o uso dessa “sobra” poderia ter viabilizado o pagamento de
praticamente três parcelas de R$ 250 para o mesmo público da nova rodada
recém-aprovada para esse auxílio” (em torno de 38,6 milhões de pessoas). Para
isto, “o Executivo deveria ter buscado o Tribunal de Contas da União (TCU)
ainda no final de 2019, de modo a ter um aval formal para a utilização desses
recursos neste ano sem que eles afetassem a despesas sujeitas ao teto de gastos
federal”.

O
aval do TCU certamente teria facilitado a aprovação de um prolongamento do
orçamento de guerra para 2021. Embora o economista não faça referência aos
demais R$ 51,831 bilhões que também estavam aprovados para o ano passado e não
foram gastos, o mesmo caminho poderia ter sido trilhado para aprovar o
aproveitamento desses recursos de forma extraordinária em 2021.

Somado
aos recursos agora aprovados para o auxílio emergencial de R$ 250, o governo
teria à disposição em torno de R$ 125,6 bilhões, o que teria assegurado o
pagamento de um auxílio médio de R$ 600 aos mesmos 38,6 milhões de pessoas por
pouco mais de cinco meses.

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