O falso otimismo do ministro para comemorar o recorde que não houve

Confira a coluna Econômica, por Lauro Veiga, desta Quarta-feira (24/3) | Foto: Reprodução

Postado em: 24-03-2021 às 07h55
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: O falso otimismo do ministro para comemorar o recorde que não houve
Confira a coluna Econômica, por Lauro Veiga, desta Quarta-feira (24/3) | Foto: Reprodução

Lauro Veiga 

O
ministro dos mercados e da Economia, Paulo Guedes, resolveu fazer uma surpresa
aos jornalistas que cobriam a divulgação das estatísticas de janeiro do
Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), na semana passada, e
apareceu sem anúncio prévio na coletiva armada por seu ministério naquela
terça-feira, 16. Informado com antecedência, evidentemente, o senhor ministro desembarcou
na sala de imprensa disposto a soltar rojões para comemorar a “histórica”
demonstração de vigor da economia ao alcançar, em janeiro deste ano, a marca de
260,35 mil empregos formais abertos no mês.

Continua após a publicidade

Afinal,
tratava-se, como deixava bem nítida a apresentação feita pelo Ministério da
Economia naquele dia, do melhor resultado colhido pelo emprego formal para o
mês em três décadas, ou seja, desde 1992. Para comparação, o saldo entre
contratados e demitidos em janeiro do ano passado havia se limitado a 117,79
mil vagas, com 1,508 milhões de admissões e 1,390 milhão de demissões. A
divulgação e seu formato causaram estranheza entre aqueles que acompanham a
economia mais de perto, especialmente numa fase em que os casos de contágio e
de mortes causadas pelo Sars-CoV-2 começavam nova escalada, as famílias
vulneráveis haviam perdido o auxílio emergencial, que deixou de ser pago em
dezembro, com queda nas vendas do varejo e taxas de desemprego muito acima da
média histórica.

Mas
foi suficiente para o ministro exercitar sua capacidade histriônica de
distorcer a realidade. Para Guedes, o dado reafirma de forma inequívoca a forte
recuperação em curso na economia e mostra, ainda, que o Brasil sai de uma
recessão pela primeira vez com avanço do emprego formal. O recorde no saldo
entre contratações e demissões, no entanto, mostrou-se uma farsa, articulada
para enganar o público em geral e tentar esconder a catástrofe humanitária que
este desgoverno vem impondo ao País.

Manipulação

Na
prática, os números do mercado formal de trabalho têm sido inflados pela
inclusãode empregados temporários, antes opcional e agora obrigatória no
chamado “NovoCaged”, em vigor desde janeiro do ano passado. O antigo Caged foi
substituído pelo Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais,
Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial), com informações mais amplas sobre o
mercado de trabalho. As duas séries de dados, como adverte o economista Bruno
Ottoni, pesquisador do IDados e do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação
Getúlio Vargas (Ibre/FGV), em texto publicado ontem no Blog do Ibre, não são
comparáveis e podem levar, portanto, a conclusões equivocadas sobre o cenário
atual naquela área.

Balanço

Ottoni
considera“errada”a prática “que vem sendo adotada pelo Ministério da Economia”ao
divulgar os dados mensais do Caged. “A prática consiste em comparar os dados da
nova série do Caged, iniciada em janeiro de 2020, com os números da série
antiga, que se encerrou em dezembro de 2019”, reforça ele. Esse tipo de
comparação, sem qualquer ajuste estatístico, prossegue o economista, não só não
é recomendável como “pode conduzir a erros graves”. 

O
ministro e sua equipe não sabiam disso? Basta ler a nota técnica divulgada em
27 de maio de 2020 pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho,
comandada pelo senhor Guedes:“Quanto à cobertura, é importante destacar que a
declaração dos vínculos temporários no Caged é opcional, enquanto no eSocial é
obrigatória. Assim, o volume de movimentações no eSocial, na média, tende a ser
superior àquelas verificadas historicamente no Caged, uma vez que neste
sistema, além dos vínculos temporários serem subdeclarados, não é possível
discernir esse vínculo dos demais”.

Parece
claro, não? Mas a nota faz questão de acrescentar, em um rodapé, a informação que
se segue: “Uma análise a partir dos dados da RAIS 2017 e 2018 (quer dizer, da
Relação Anual de Informações Sociais) mostrou que apenas 17% dos vínculos
temporários foram informados no Cagednesses mesmos anos”. Quer dizer, a “margem
de erro” entre a antiga e a nova série estatística pode superar os 80%.

O
pesquisador do Ibre, no entanto, recorre a dados do próprio Ministério da
Economia, referentes ao período entre abril e dezembro de 2019, que permitem comparar
as estatísticas apuradas em cada uma das duas séries, representadas pelo
“velho” e pelo “novo” Caged. Ottoni compara o saldo de empregos formais (a diferença
entre contrações e demissões).

Em
abril de 2019, aponta ele, o Caged “antigo” indica a criação de 125,25 mil
empregos formais, diante de 192,03 mil registrados pela série mais recente,
baseada nas informações do eSocial. O mercado criou, na verdade, 66,786 mil
empregos a mais do que o anotado com base na metodologia antiga.“Em termos
percentuais isso significa um saldo 53,3% maior na série nova comparativamente
a antiga”, acrescenta ele.

Poderia
ser uma ocorrência isolada? Ottoni mostra que não. Em sua investigação, ele
conclui que as diferenças não foram exceção, mas a norma. Em maio do mesmo ano,
“a série nova apresenta uma geração de postos formais de trabalho que chega a
ser 361,0% maior do que aquela encontrada no mesmo mês para a série antiga”. No
acumulado entre abril e dezembro ainda de 2019, a série antiga registra 410,84
mil contratações novas, já descontados os desligamentos. Mas, na séria nova, o
saldo chega a 715,17 mil aproximadamente, numa diferença de 74,1% (ou seja,
304,33 mil vagas a mais).

Veja Também