Dívida das famílias cresceu quase 6,0%, mas renda encolheu 7,9%

Confira a coluna Econômica, por Lauro Veiga, desta Quarta-feira (31/3) | Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Postado em: 31-03-2021 às 07h45
Por: Sheyla Sousa
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Confira a coluna Econômica, por Lauro Veiga, desta Quarta-feira (31/3) | Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Lauro Veiga

O
saldo do crédito ampliado contratado pelas famílias, na estimativa do Banco
Central (BC), experimentou crescimento real de 5,43% entre fevereiro do ano
passado e igual mês deste ano, em valores corrigidos com base no Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que acumulou variação de 5,20%
naquele mesmo período. Em dados nominais, quer dizer, sem atualização com base
na inflação, o crédito para as famílias avançou de praticamente R$ 2,240
trilhões, em números aproximados, para R$ 2,484 trilhões, com alta de 10,91%.
Como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), a dívida saiu de quase 30,0%
para 33,1%.

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Para
avaliar como esse maior endividamento tem afetado o orçamento das famílias, no
entanto, será preciso considerar as estimativas mais recentes divulgadas pelo
BC para a chamada massa salarial ampliada disponível, que dizem respeito ainda
a dezembro de 2020. Assim, entre dezembro de 2019 e o último mês do ano
passado, o crédito ampliado apresentou variação nominal de 10,8%, saltando de R$
2,213 trilhões (29,9% do PIB) para R$ 2,452 trilhões (32,9%). O aumento na
relação entre crédito e PIB foi impulsionado ainda pela retração experimentada
pela economia, o que torna a relação um pouco mais complicada, sugerindo
problemas mais adiante se a capacidade de pagamento não for retomada. Em termos
reais, aquela dívida chegou a crescer em torno de 6,0% (já que o IPCA atingiu
4,52% no acumulado ao longo os 12 meses de 2020).

A
massa salarial ampliada disponível, como se sabe, considera os rendimentos do
trabalho (salários, férias, 13º e outros proventos), pensões e aposentadorias,
os pagamentos dos programas Bolsa Família e benefícios de prestação continuada
(recebidos por idosos carentes e pessoas com deficiência), mas desconta o
Imposto de Renda recolhido na fonte e as contribuições à Previdência Social. Nos
12 meses encerrados em dezembro do ano passado, comparado ao período de 12
meses imediatamente anterior, a massa salarial encolheu 3,73% em termos
nominais, baixando de R$ 3,419 trilhões para R$ 3,291 trilhões. Descontada a
inflação, a renda encolheu 7,90%. A dívida ampliada passou a representar 74,5%
da massa salarial, diante de 64,74% quando considerado os 12 meses finalizados
em dezembro do ano retrasado.

Enxugamento

Considerando
apenas a dívida relacionada a empréstimos e financiamentos concedidos pelo
sistema financeiro às famílias, que representam 91,5% do crédito ampliado,
segundo o BC, o pagamento de juros e amortizações havia consumido perto de
31,1% da renda ampliada em dezembro passado, percentual que se compara a 28,9%
em dezembro de 2019. Na primeira onda da pandemia, com a queda dos juros, a
parcela da renda das famílias comprometida com juros e as prestações da dívida
havia recuado de 30,5% em abril para 28,7% em julho, antes de retomar seu
crescimento, o que coincidiu com o enxugamento da renda disponível. Os
indicadores de inadimplência ainda não mostram toda a piora na relação entre
dívida e renda, pois diversos setores, incluindo bancos e órgãos públicos,
virtualmente congelaram a cobrança de dívidas ou abrindo negociações para
alongar os prazos para liquidação de pendências em atraso.

Balanço

Se
a massa salarial deixou de acompanhar a evolução da dívida das famílias, entre
os muito ricos, o dinheiro continua a sobrar. Considerando os principais ativos
financeiros no mercado, desde a poupança até títulos federais e privados,
incluindo cotas de fundos de investimento, o saldo acumulado até fevereiro
deste ano somava R$ 7,838 trilhões, superando o PIB (que havia alcançado R$
7,448 trilhões em 2020).

O
saldo ficou virtualmente estável na comparação com dezembro (R$ 7,806
trilhões), mas aumentou 15,2% frente a fevereiro de 2020 (R$ 6,806 trilhões,
correspondentes a 91,88% do PIB). Em 12 meses, portanto, os muito ricos
engordaram suas aplicações em R$ 1,033 trilhão, algo como 13,9% do PIB. Para comparação, o fluxo de novas aplicações no cassino dos
juros correspondeu a praticamente 84,4% de todo o dinheiro investido pelas
empresas e pelo governo no lado real da economia (R$ 1,224 trilhão).

A
pandemia alarga as discrepâncias e injustiças no País, marcando novo recorde de
mortes ontem, mas os mercados reagem em festa, ainda que o ambiente político em
Brasília demonstre clara deterioração. Os mercados há muito já se divorciaram
do país real e pouco refletem além de sua própria ganância e fome por lucros.

Ontem,
a Bolsa subiu 1,24% e o dólar recuou ligeiramente, mas ainda mantendo-se ao
redor de R$ 5,76. Num momento de turbulências como há décadas não se via, com
afastamento em conjunto dos três comandantes das forças armadas, não deixa de
causar estranhamento esse comportamento do mercado, mas esse é um dado, no
momento, irrelevante.

Os
custos para a indústria continuaram a subir fortemente em fevereiro, como
mostra o Índice de Preços do Produtor (IPP) do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Depois de subir 3,55% em janeiro, o indicador
apontou variação de 5,22% no mês seguinte, acumulando alta de 28,58% em 12
meses.

Nos
dois primeiros meses deste ano, com alta acumulada de 8,95%, os aumentos foram
puxados pelo setor de extração mineral (destacadamente, petróleo em bruto e
minérios de ferro e cobre), derivados de petróleo, outros produtos químicos
(adubos, propileno e polipropileno) e metalurgia (aço em suas diversas formas).
Quase 68,0% da alta do IPP foi causada por aumentos de custos naqueles setores.

Na
indústria extrativa, a alta acumulada no ano atingiu 43,30%, seguido pelo
avanço de 18,04% na área de derivados de petróleo, de 15,03% para “outros
químicos” e quase 15,0% na metalurgia. O fato de a inflação ao consumidor ter
subido bem menos sugere dificuldades das indústrias para repassar as altas de
custos aos preços finais, o que poderá significar dificuldades na geração de
caixa e reflexos sobre os resultados do setor, com consequente redução na sua
capacidade de investimento, levando a economia a consolidar um cenário de
retração ou de baixo crescimento adiante.

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