Deterioração sanitária e econômica complica chances de vencer a crise

Confira a coluna Econômica, por Lauro Veiga, deste fim de semana (10 e 11/4)

Postado em: 09-04-2021 às 23h59
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: Deterioração sanitária e econômica complica chances de vencer a crise
Confira a coluna Econômica, por Lauro Veiga, deste fim de semana (10 e 11/4)

Os
cenários projetados para o curto prazo na economia continuam se deteriorando em
velocidade inversamente proporcional à lentidão da campanha de imunização
contra o Sars-CoV-2 e proporcionalmente ao agravamento da pandemia, que não
parece dar trégua diante da timidez das medidas de contenção e distanciamento
adotadas de forma atabalhoada e sem uma coordenação central por Estados e
prefeituras. “Chegamos ao ponto em que a piora da situação sanitária, com
distanciamento social questionado e precária vacinação, a piora da atividade
econômica, fruto da condição sanitária e do corte do auxílio emergencial e do
desemprego, e a crescente incerteza a respeito de não existir um orçamento a
essa altura do ano, compõem um quadro de difícil desfecho”, observa o economista
chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.

Para
complicar um quadro doméstico já difícil, há uma nítida disputa, nos Estados
Unidos, entre os mercados e o Federal Reserve (Fed, banco central
norte-americano) em relação ao que ocorrerá com a inflação nos próximos meses.
Na versão dos mercados, os pacotes trilionários recentemente anunciados pelo
presidente Joe Biden, envolvendo a distribuição de auxílio emergencial às
famílias e às empresas e investimentos em infraestrutura e pesquisa, além de
recursos para uma reconversão da economia a padrões ambientais menos
desequilibrados, tenderão a fazer renascer a alta de preços. “A hipótese, um
tanto heroica, é que o fim da pandemia não só está dado, como ensejará pressão
inflacionária reforçada pela expansão fiscal”, aponta o economista – um
“dilema” que, por aqui, levou a uma primeira “vitória” dos mercados, que
arrancaram do Banco Central (BC) a elevação dos juros básicos em 0,75 pontos em
março e a promessa de alta equivalente em maio.

O
Comitê de Política Monetária do Fed (Fomc, na sigla em inglês), anota ainda Gonçalves,
resiste àquele tipo de argumentação e“espera que a inflação verificada fique
acima de 2,0% por algum tempo, não que a inflação esperada fique acima dos 2,0%”.
A fricção entre as duas forças “não autoriza cenário em que o dólar fique fraco
e os juros longos (quer dizer, os juros que remuneram títulos de longo prazo do
governo, a vencer em cinco, 10 ou mais anos), baixos. Mas ensina que o Fed não
vai elevar os juros básicos tão cedo”, acrescenta ainda.

Continua após a publicidade

Irrealismo

O
avanço do dólar e dos juros no mundo tem sido “potencializado” aqui dentro por
níveis igualmente elevados de incerteza, o que se “manifesta na alta dos juros
de mercado e na cotação do dólar”. Na avaliação de Gonçalves, o ciclo de
aumento dos juros básicos pelo BC brasileiro deverá se alongar até que a taxa
real (descontada a inflação) eleve-se acima de zero e “retorne aos 1,2%
pré-pandemia”, atingindo algo em torno de 5,0% em termos nominais. As
expectativas para o curto prazo, alimentadas tanto pelo Comitê de Política
Monetária (Copom) do BC quando pelos “participantes do mercado”, guardam um
nível bastante elevado de irrealismo a se considerar a situação atual da
economia real.

Balanço

·  
A versão do Copom, já conhecida, tenta vender ao
País um cenário de recuperação consistente da economia,
“o que, junto ao
risco fiscal, recomendaria alta dos juros básicos”. O comitê argumenta,
conforme Gonçalves, que a recuperação da economia tem sido desigual entre os
diversos setores, o que explicaria a diferença no ritmo de elevação dos preços,
com inflação mais elevada “no mercado de bens” e altas mais moderadas no setor
de serviços, numa “situação que seria alterada com a ‘volta ao normal’” (quer
dizer, com o fim da pandemia e a normalização das relações econômicas).

·  
Como
consequência, “o corte dramático do auxílio emergencial” não é percebido tanto
pelo Copom quanto pelos “participantes do mercado” como um “entrave” real à
recuperação da demanda, além de antever um “cenário benigno para a evolução da
pandemia”. Mesmo diante dos desastres econômicos gerados pelo arrocho nos
gastos em países determinados (Grécia, no exemplo mais claro) em meio à crise
financeira de 2008/2009, a equipe econômica, representantes do mercado financeiro
e, num equívoco histórico, lideranças empresariais mantêm a retórica em defesa
do ajuste fiscal num momento de retração do consumo.

·  
“A
adoção de política fiscal contracionista em ambiente recessivo se baseia na
hipótese, heroica, de que o setor privado vai ocupar o espaço deixado pelo
setor público, consumir e investir. Nossa inflação tem sido de alimentos e
petróleo, ambos reforçados pelo câmbio. Nada que dependa da demanda”, contrapõe
Gonçalves.

·  
O
alvo principal do BC, ao elevar os juros, é atrair dólares para segurar o
câmbio, “pois a inflação sobe mesmo sem demanda”. A situação hoje, no entanto,“é
bem distinta da vivida nos anos 1980 e 1990. Hoje, o país é credor em moeda
mundial e tem a conta corrente zerada. E o câmbio é flutuante. O fantasma de
uma crise cambial é um fantasma. Assusta, tão mais quanto se prometa o paraíso”,
ironiza Gonçalves.

·  
O
Fator projeta, para este ano, uma inflação de 4,4%, com base noÍndice Nacional
de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), com dólar a R$ 5,80, juros básicos a 5,50% e variação do
Produto Interno Bruto (PIB) próxima a 2,2% – o que significaria um retrocesso,
considerando a “herança” estatística deixada pelo PIB do ano passado, estimada
em 3,6% (o que significa que a economia cresceria nesta mesma proporção mesmo
que o PIB se mantivesse estagnado, com zero de crescimento ao longo do ano).
Nesta hipótese, desconsiderando o impacto apenas estatístico da “herança” de
2020, o PIB teria encolhido em torno de 1,35% em 2021.

·  
As
economistas Julia Passabom e Luciana Rabelo, do Itaú BBA, projetam, de forma
preliminar, variação de 0,50% para o IPCA em abril (depois de variação de 0,93%
em março), com elevações de 0,28% em maior e 0,32% em junho.“Há algum grau de
incerteza sobre a inflação de abril a respeito dos reajustes de medicamentos,
com a alta próxima de 8% no mês podendo ser suspensa”, ponderam. Passabom e
Rabelo esperam que o IPCA feche o ano em 4,7%.

 

Veja Também