Artista plástico goiano expõe obras que se integram a paisagens ecológicas

Exposição é de curadoria de Marco Antônio Vieira, reúne criações que descortinam um desencantamento de mundo

Postado em: 09-10-2021 às 10h56
Por: Redação
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Exposição é de curadoria de Marco Antônio Vieira, reúne criações que descortinam um desencantamento de mundo | Foto: Reprodução

Por Elysia Cardoso

O artista plástico Gabriel Caetano abre exposição inédita apresentando 21 obras em Art Doll, que expressam bio-personagens de aparente estranheza, de corpos transmorfos, que reclamam por vidas e existências ceifadas, na trajetória humana da modernidade. ‘Bosque de Shambala’ é um projeto de visitação virtual, que estará disponível no site (www.gabrielcaetano.art.br), criado para esta apreciação e reflexão. 

O site vai reunir uma vídeo-exposição, dirigida por Simone Caetano, as fotos dos bonecos, feitas pela fotógrafa Jamilla Maria, e um vídeo sobre o processo criativo do artista criador. O projeto conta com apoio do Fundo de Arte e Cultura do Estado de Goiás.

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Sobre a exposição

A montagem da exposição foi realizada em ambiente natural de Cerrado, às margens do Ribeirão Tapiocanga, em Pirenópolis, e registrada pela fotógrafa Jamilla Maria. A área escolhida para a composição é um ambiente degradado por atividades ligadas à agropecuária, que foi revertida em área de preservação ambiental. O trabalho de criação do artista emergiu neste espaço de recuperação, culminando na criação das peças em Art Doll, que são elaboradas a partir de seleção de elementos naturais orgânicos.

Acompanhar o crescimento vegetal e o reaparecimento de pássaros e animais silvestres na reserva ambiental às margens do Tapiocanga, batizada Terra Dhara, serviu como fonte de motivação e inspiração para o desenvolvimento de arquétipos. Assim, o público poderá conhecer os objetos de arte criados por Gabriel, que ressignificam seres e natureza, remontando ideações de diferentes tempos, espaços e culturas, ao longo da história da humanidade, mas sobretudo, o que ebule na raiz destas figuras, em sua genealogia humana, existencial. A tecelã, a benzedeira, o ovo Filosofal, a fada Leda, a senhora do Pântano, a raizeira, a costureira e a árvore do ouro são algumas das personagens que integram a exposição.

Em sua leitura sobre as obras criadas por Gabriel, o curador Marco Antônio Vieira diz: “O Bosque de Shambhala ergue-se como uma nova utopia que acaba por apontar para o assassinato de vidas, culturas e saberes, o que se entende por epistemicídio – a morte programada do conhecimento contra hegemônico”. 

O curador ainda reforça: “Esta mostra não se poderia conceber apartada da paisagem teórica que ora se desenha, em que o Bosque de Shambhala transcende as fronteiras do misticismo de uma ‘nova era’ e decididamente denuncia e descortina, por meio da eleição de sua temática e de seus processos, o que o desencantamento do mundo em verdade oculta, a saber, uma história de violências simbólicas que compreendem desde a caça às bruxas na fronteira que marca a passagem do Medievo para a Renascença, o extermínio indígena, a escravidão de populações racializadas, a destruição e esgotamento dos recursos naturais, a perseguição das dissidências sexuais e das desobediências de gênero em nome do triunfo da hegemonia patriarcal que sobrevive agonizante e vampiresca na cultura neoliberal, cuja existência só se sustenta uma vez que tudo o que a ela se opuser for violentamente apagado, silenciado, soterrado, enterrado”.

Shambala, palavra que em sânscrito significa: “lugar de paz, felicidade, tranquilidade”. Lugar vedado pela empresa da dominação patriarcal.

O método ou técnica

Art doll é a técnica mista para se produzir um boneco utilizando materiais diversos. É uma palavra que não ganhou tradução em nossa língua, forasteira ainda, embora os primeiros bonecos da história sejam provenientes das Américas. “Tento criar mundos possíveis habitados por seres fabulosos. Sou guiado por imersões na natureza e meu trabalho surge, na maioria das vezes, a partir de um elemento orgânico já sem vida. É tanto um pedido de restituição como uma mistificação dos elementos naturais”, explica o artista.

As peças são elaboradas de modo manual, com aparências multirraciais e zoomorfas. Gabriel se utilizou de diferentes procedimentos na composição têxtil, como descoloração, tingimento com pigmentos naturais e outros tratamentos, que provocaram efeitos variáveis e naturais aos bonecos. Além da introdução de material orgânico proveniente do Cerrado, a modelagem das feições e do corpo é feita a partir de suportes diversificados, podendo variar de cera de abelha, polímero, massa de biscuit, durepox, papier-mâché e outros, a depender do efeito desejado. Em sua maioria, as estruturas internas são feitas com fios de arame de diversas espessuras e depois recobertas. Pelo lento tempo de secagem de alguns materiais, intermitentes etapas vão desvelando os rostos somente após meses ou até anos em desenvolvimento.
Gabriel compartilha como é seu processo de criação: “meu trabalho de pesquisa consiste em conectar achados: materiais, memórias e paisagens sociais de uma dimensão mítica ou de outras épocas. Depois disso, passo a codificá-los em um patchwork de símbolos e a transferi-los para as dimensões lúdicas da art doll. Nesse processo intervêm as técnicas que dão forma à obra, que passam basicamente pela modelagem do corpo e pelo desenvolvimento de figurinos, adereços e, por vezes, de cenários inteiros”, finaliza o artista. (Especial para O Hoje)

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