Quinta-feira, 28 de março de 2024

Refugiados no Brasil vêem futuro através de educação, saúde e esporte

20 de junho marca Dia Mundial do Refugiado.

Postado em: 20-06-2021 às 13h40
Por: Agência Brasil
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20 de junho marca Dia Mundial do Refugiado. | Foto: Reprodução/EBC

Juntos, nós curamos, aprendemos e brilhamos. O lema desta edição do Dia Mundial do Refugiado, celebrado hoje (20), realça a educação, a saúde e o lazer como importantes instrumentos de integração. Neste ano, a data busca chamar atenção para uma série de problemas enfrentados por aquelas pessoas que, por algum motivo, foram forçadas a mudar de país: dificuldades para encontrar um médico, para colocar seus filhos na escola, para desfrutarem momentos de distração.

O Dia Mundial do Refugiado foi designado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para homenagear os refugiados em todo o mundo e estimular a mobilização social e política para a garantia de seus direitos. É também uma ocasião para promover a empatia e a compreensão com essa população. No Brasil, foi organizada uma programação que inclui oficinas, exposições, saraus, seminários, entre outros. São atividades virtuais e presenciais que irão dar visibilidade para diversas histórias como as de Fiorella Ramos, Marifer Vargas e Lexandra Arrieta, venezuelanas de diferentes faixas etárias. A reposta humanitária brasileira à população de refugiados é umareferência internacional positiva para o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), agência vinculada à ONU.

Nascida no município de Antonio Díaz, no norte da Venezuela, a indígena warao Fiorella Ramos fez da promoção à saúde seu projeto de vida. Ela obteve apoio para se formar médica na Universidade de Havana, em Cuba, e mais tarde, após voltar ao seu país, ampliou sua formação em um internato no Hospital Universitário Ruiz y Páez, na cidade de Bolívar.

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Fiorella Ramos
Fiorella Ramos fez da promoção à saúde seu projeto de vida – Fiorella Ramos / Acervo Pessoal

Sua vida começou a mudar tempos após ela ter assumido um cargo de diretora em um hospital público na cidade de Guasipati, a cerca de 450 quilômetros da fronteira entre Venezuela e Brasil. Ali, teve desavenças com autoridades governamentais envolvendo políticas públicas para acesso a medicamentos. Retirada da função, chegou a trabalhar na iniciativa privada, mas a deteriorização das condições econômicas a fez decidir deixar seu país em 2019: atravessou a fronteira e chegou a Pacaraima (RR), indo em seguida para Boa Vista.

Foram 17 dias dormindo na rua e se alimentando graças à ajuda de um irmão que também abandonou a Venezuela e já se encontrava em um abrigo na capital de Roraima. Fiorella foi uma das principais lideranças da ocupação Ka’Ubanoko, ajudando na conquista de vários benefícios para migrantes em situação de rua. O movimento se iniciou com cerca de 150 venezuelanos, indígenas em maioria. Com o apoio de organizações católicas e humanitárias, o grupo obteve acesso a alimentação e a serviços básicos. No ano passado, Fiorella se mudou para um abrigo em Boa Vista e foi contratada como monitora de saúde.

“Atuo no auxílio à parte primária do atendimento. Sou médica, mas ainda não posso exercer no Brasil porque preciso primeiro revalidar meu diploma”, explica. Para Fiorella, a saúde é fundamental no acolhimento aos refugiados indígenas e fator de integração, porém exige que os profissionais atuem respeitando diferenças culturais.

“Há muitas doenças que se podem erradicar, que se podem controlar. Mas muitos indígenas não entendem porque precisam ir a um hospital. E daí a importância da atenção primária, que se baseia na prevenção e na promoção de saúde. É importante esse trabalho nas comunidades. E na atenção secundária, é importante o intercâmbio cultural para que médicos formados e aquelas pessoas com conhecimento em medicina tradicional possam interagir diretamente com o paciente nos centros de saúde”, avalia.

Se o acolhimento de refugiados indígenas nos serviços de saúde demanda cuidados específicos, ao mesmo tempo envolve todos os desafios decorrentes do contexto mundial. A pandemia de covid-19 trouxe novas preocupações para o Acnur. A primeira delas é óbvia: guerras e perseguições não deixam de ocorrer porque há uma crise sanitária global e, com o fechamento de muitas fronteiras, sair do país deixou de ser uma solução possível para muitas pessoas. Mas além disso, havia o receio com aqueles que já se encontravam em outras nações.

“Felizmente, temos observado mais avanços que retrocessos no Brasil. Mesmo no contexto da pandemia, o país manteve o funcionamento do seu sistema de reconhecimento de refugiados. E efetivamente reconheceu um grande número de pedidos principalmente da Venezuela. Também manteve o funcionamento da Operação Acolhida”, diz Luiz Fernando Godinho, oficial de informação pública do Acnur.

Fiorella Ramos
Fiorella Ramos é médica na Venezuela, mas no Brasil não tem autorização para atuar na profissão – Fiorella Ramos / Acervo Pessoal

O tratamento que o Brasil dá aos migrantes é considerado pelo Acnur como um exemplo positivo. Diferente de outros países, que organizam campos de refugiados, aqui há um esforço para integrá-los na sociedade. E a legislação contribui com essa opção, uma vez que garante a eles acesso a serviços considerados universais, como saúde, educação e mesmo programas sociais.

Em sintonia com essa tradição, a Operação Acolhida é uma iniciativa liderada pelo Ministério da Cidadania que envolve também uma rede de organizações mobilizada pelo Acnur. Através dela, mais de 50 mil venezuelanos que chegaram em Roraima já conseguiram se instalar em diferentes cidades do país. A iniciativa foi criada em 2018 em resposta ao fluxo migratório que teve início no ano anterior decorrente da crise econômica e política que se instaurou no país vizinho. No auge desse movimento, cerca de 500 pessoas ingressavam diariamente no Brasil.

Desde 2017, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão colegiado vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, já concedeu refúgio a 46 mil venezuelanos. O último balanço oficial mostrou que 65% das 82.552 pessoas que solicitaram refúgio ao Brasil no ano de 2019 vieram da Venezuelana. O fluxo reduziu com a pandemia, uma vez que o Brasil fechou a fronteira em Pacaraima. Aqueles que aqui já estavam são considerados nas respostas sanitárias à crise sanitária, inclusive para acesso a vacinas. Diversas organizações e entidades articuladas na rede mobilizada pelo Acnur atuam em conjunto para assegurar esses direitos.

A agência da ONU, que é financiada por meio de doações, também desenvolve ações diretas. “O Acnur vem atuando provendo informações seguras, uma vez que essas pessoas estão em um país estrangeiro, muitas vezes não conhecem o idioma e precisam receber uma informação mais customizada”, acrescenta Godinho. Outros esforços da agência incluem a distribuição de kits de higiene, a concessão de apoio financeiro emergencial para grupos específicos de refugiados que tiveram renda comprometida na crise sanitária. O pós-pandemia já está sendo pensado. O Acnur planeja fomentar mecanismos de geração de emprego e renda para essa população.

Fiorella celebra o rendimento fixo mensal e assegura que entre os refugiados indígenas, há muitas pessoas capacitadas em busca de uma oportunidade como ela: engenheiros, professores, informáticos. “Mesmo aqueles que não tem uma formação formal, possuem experiência em alguma área, como artesanato e agricultura. O Brasil nos dá muita esperança positiva. Podemos pensar em um futuro. Podemos estar tranquilos, ter uma família, ter um lugar para viver. Um lugar onde se pode trabalhar com a comunidade”, acrescenta. Ela pretende revalidar seu diploma e atuar como médica em Roraima ou mesmo em outro estado do Brasil. “Se não for possível, se não me estabilizar aqui em alguns anos, posso voltar ao meu país se as coisas estiverem diferentes por lá”.

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