Operação em Sigilo: Itamaraty buscou vacinas da Índia por 10% do valor pago pelo Ministério da Saúde

Ministério soube apenas no momento em que a carga de imunizantes estava prestes a embarcar no aeroporto de Mumbai

Postado em: 26-08-2021 às 16h53
Por: Maria Paula Borges
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Ministério soube apenas no momento em que a carga de imunizantes estava prestes a embarcar no aeroporto de Mumbai | Foto: Ministério da Saúde

Após as tentativas frustradas de buscar doses de vacina na Índia em janeiro e o prejuízo de US$ 500 mil para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Ministério das Relações Exteriores, também conhecido como Itamaraty, negociou secretamente com o governo indiano. Diante das negociações, conseguiu transportas as mesmas doses por U$ 55 mil, cerca de 10% do valor pago pela fundação. O Ministério da Saúde só soube quando a carga de vacinas estava prestes a embarcar no avião da companhia aérea Emirates no aeroporto de Mumbai.

Na época, o Ministério da Saúde estava sob comando de Eduardo Pazuello. O ministério havia determinado que a Fiocruz fretasse um avião para buscar as doses na Índia em janeiro e ao mesmo tempo negociou com a companhia aérea Azul para buscar as mesmas vacinas. O presidente da república, Jair Bolsonaro (sem partido), determinou que os imunizantes deveriam chegar de qualquer jeito ao Brasil antes do dia 20 de janeiro.

No dia 13 de janeiro, o ministério divulgou uma nota afirmando que um avião da Azul sairia do Brasil para buscar os imunizantes. “Um avião da empresa aérea Azul sairá do Brasil na noite desta quinta-feira (14 de janeiro) com destino a Mumbai, na Índia, para buscar 2 milhões de doses da vacina contra a Covid-19 da AstraZeneca/Oxford, adquiridas pelo Ministério da Saúde para garantir o início da imunização dos brasileiros. O Airbus A330neo —maior aeronave da frota da companhia— decolará do Aeroporto de Recife (PE) às 23h. A previsão de retorno é no próximo sábado, dia 16”.

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Conforme consta um telegrama diplomático, no dia 9 de janeiro, foi enviada uma carta de Bolsonaro à Narendra Modi, primeiro-ministro indiano, recordando a importância do prazo. O ministro indiano afirmou que no momento não poderia se comprometer com datas.

A Fiocruz assinou um contrato de fretamento de um avião para Mumbai com a DMS Agenciamento de Cargas e Logística, no dia 13 de janeiro, conforme instruções do Ministério da Saúde para que as doses de imunizantes fossem buscadas no dia 16 do mesmo mês. Entretanto, no momento não havia garantia que o governo indiano fosse liberar cargas dentro do período proposto. Posteriormente, um porta-voz da chancelaria indiana, em briefing semanal à imprensa, afirmou ser ‘cedo demais’ para que naquela semana ocorresse o envio das vacinas.

De acordo com o telegrama do Itamaraty, no dia seguinte Suresh Reddy, embaixador da Índia no Brasil, reiterou o pedido para que o ‘voo especial para transporte das vacinas’ não fosse enviado até que as autorizações formais pelo lado indiano fossem concluídas. Segundo a Folha de S. Paulo, a fundação teve que pagar US$ 500 mil antecipadamente, valor estipulado no contrato com a empresa de logística. Além disso, a fundação afirmou que o contrato não previa reembolso.

“O Ministério da Saúde solicitou à Fiocruz a contratação de voo fretado para a realização da operação. […] Posteriormente a todos os procedimentos para a realização da operação de transporte, o Instituto Serum comunicou em 15/01/2021 à Bio-Manguinhos/Fiocruz que a data de 16/01/2021 programada para o recolhimento e transporte ao Brasil não seria mais factível e a carga não estaria mais disponível, e que a continuidade da operação dependeria de uma nova data a ser anunciada pelo Instituto”, disse a Fiocruz em nota.

No dia 14 de janeiro, a aeronave saiu do aeroporto de Viracopos com destino a Recife, de onde seguiria viagem. Os indianos foram pegos de surpresa e logo depois foi anunciado pelo governo que o transporte das vacinas teria que ser adiado. Após o fracasso, o Ministério da Saúde afirmou que a aeronave seria usada para distribuir cilindros de oxigênio. A assessoria da pasta não especificou quanto foi gasto na operação com o voo da Azul e o motivo para que foram contratados dois fretamentos ao mesmo tempo.

Em uma terceira tentativa de buscar as vacinas, o Itamaraty e o Ministério das Relações Exteriores Indiano resolveram a situação sem envolvimento do Ministério da Saúde. A decisão foi tomada para que não houvesse risco de espalhar a informação ou haver pressão por parte do Palácio do Planalto para divulgação.

No dia 19 de janeiro, Subrahmanyam Jaishankar, ministro das Relações Exteriores da Índia, comunicou que a carga de vacinas seria liberada dia 21 do mesmo mês. Entretanto, foi solicitado que houvesse reserva e discrição e foi acordada a divulgação conjunta da informação no dia 22 de janeiro.

“Tão logo recebida a decisão do governo indiano de autorizar a exportação de 2 milhões de doses da vacina Covishield para o Brasil, o Posto buscou assegurar que seu transporte fosse efetuado o mais rapidamente possível. Nesse contexto, chegou ao entendimento com a empresa Serum (SII) que a forma mais rápida e eficiente seria a opção de transporte por avião comercial de carga, conforme a prática usual do fabricante, que é o maior exportador de vacinas do mundo”, diz um segundo telegrama enviado pela Embaixada do Brasil em Déli, no dia 22 de janeiro. Foi confirmado pelo Itamaraty que os custos da operação foram cobertos pela Fiocruz.

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