Entenda o motivo do veto do STF para uso de remédios para emagrecer

Após lei sancionada em 2017 que liberava uso de três medicamentos para tratar obesidade, tribunal deixou a decisão a cargo da Anvisa

Postado em: 15-10-2021 às 16h13
Por: Maria Paula Borges
Imagem Ilustrando a Notícia: Entenda o motivo do veto do STF para uso de remédios para emagrecer
Após lei sancionada em 2017 que liberava uso de três medicamentos para tratar obesidade, tribunal deixou a decisão a cargo da Anvisa | Foto: Reprodução

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a lei que permitia a produção, comercialização e consumo de três medicamentos para tratar obesidade, na última quinta-feira (14/10). Os medicamentos vetados foram a anfepramona, femproporex e mazindol.  A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já havia retirado os medicamentos do mercado em 2011, mas voltaram a ser liberados por meio do projeto de lei pelo Congresso em 2017.

A anfepramona, o femproporex e o mazindol são drogas anfetamínicas considerados anorexígenos, que consiste em medicamentos usados para diminuir o apetite. Segundo o médico endocrinologista Cesar Boguszewski, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), os remédios são usados desde a década de 50 e ainda são prescritas nos Estados Unidos.

De acordo com Boguszewski, eles agem aumentando o nível de adrenalina no cérebro e diminuindo o apetite. “Eram medicações que deviam ser controladas, supervisionadas, mas eram medicações baratas – que um grupo de pacientes respondiam muito bem. Do ponto de vista médico, seria ótimo se a gente tivesse”, afirma.

Continua após a publicidade

Além disso, o endocrinologista ressalta que o problema principal é que existia uma prescrição indiscriminada das medicações por profissionais que não eram da área, o que provoca efeitos colaterais sérios. A Anvisa afirmou que a motivação da retirada dos medicamentos do mercado foi a falta de estudos que comprovassem o benefício para a obesidade.

Boguszewski explica que os estudos feitos anteriormente, na década de 50, eram diferentes dos feitos hoje, uma vez que, na época, os ensaios randomizados, controlados e duplos-cegos, são considerados atualmente como o “padrão ouro” de testes clínicos.

Em nota divulgada pela Anvisa após a decisão do STF reforça que, desde a proibição, nenhum laboratório apresentou estudos clínicos que indicassem alguma relação favorável no uso dos remédios para a obesidade. Entretanto, a Anvisa permite o uso de três medicamentos para tratar a obesidade no Brasil, sendo eles a sibutramina, liraglutida e a orlistat.

A sibutramina é o medicamento emagrecedor com registro válido mais antigo no Brasil, sendo desde 1998 e é o único medicamento disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) para tratar a obesidade. Esta foi criada inicialmente como antidepressivo e age no sistema nervoso central, especialmente nos neurotransmissores da serotonina e da noradrenalina, provocando a sensação de saciedade.

Apesar de também ser anorexígeno, segundo Boguszewski, a sibutramina é um sacietógeno. “Ela também influencia a saciedade, então a pessoa come e se sacia com mais rapidez. Aí ela come menos e emagrece”, explica.

Segundo Cintia Cercato, endocrinologista e presidente da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), a droga é segura e eficaz, mas é necessário que o paciente assine um termo de responsabilidade. “Ela age por noradrenalina e serotonina e pode aumentar um pouco a frequência cardíaca e a pressão. É contraindicada para quem tem doença cardiovascular e quem faz tratamento psiquiátrico”.

Já a liraglutida, segundo Cesar, é uma medicação de ação periférica que promove esvaziamento gástrico no estômago e aumenta a saciedade. “A liraglutida é uma medicação de ação periférica: vai liberar uma substância no intestino, que promove uma alteração do esvaziamento gástrico no estômago, e, no cérebro, aumenta a saciedade. Então a pessoa come menos tanto por ação central quanto porque o estômago fica ‘menor’: ele dilata menos durante a refeição e já promove saciedade mais precoce”, explica.

Entretanto, o médico afirma que o maior problema é que este medicamento é extremamente caro. “É um excelente remédio, mas é feito para uma parcela muito limitada da população. E existe uma ideia muito errada que o problema do Brasil não é a obesidade, é a fome. Isso é um conceito muito incorreto. Nós temos os dois problemas. A obesidade é, sim, um problema, e não é privilégio de classes abastadas: é uma doença que afeta as classes menos favorecidas. E a gente não consegue dar a liraglutida nos nossos ambulatórios [do SUS]. O custo é inviável”.

O orlistat também é um medicamento de ação periférica, mas diferente da liraglutida, ela não age no cérebro, apenas no intestino. Ela inibe uma enzima produzida no pâncreas, a lipase, responsável pela ingestão de gorduras, fazendo com que cerca de 30% da gordura ingerida na alimentação seja eliminada nas fezes.

“Como a gordura tem bastante caloria, você está eliminando, teoricamente, calorias pelas fezes, e com isso vai promover perda de peso. Não tem nenhuma ação central [no sistema nervoso], só que, por conta desse mecanismo de ação, a eficácia dela é muito mais baixa comparada com as outras medicações. E também não é barata – tem custo intermediário entre a liraglutida e os outros medicamentos”, diz Boguszewski.

Segundo Cintia Cercato, quem deve tomar remédios para emagrecer são pessoas que tenham o Índice de Massa Corpórea (IMC) acima de 30. Com IMC nesse nível, a pessoa já é classificada com obesidade grau 1, e ainda assim o uso deve ser feito por prescrição médica.

“Nas diretrizes brasileiras de obesidade, a indicação [de medicação] é baseada no IMC e na presença de doenças associadas à obesidade. Se o paciente tem IMC de sobrepeso (25 a 30), usamos a mudança de estilo de vida. Se ele tem complicações, como triglicérides aumentado, gordura no fígado, apneia do sono, aí entramos também com o tratamento farmacológico”, explica Cercato.

Veja Também