Em Paraty, a festa é delas

Flip chega à sua 14ª edição com uma constatação: as mulheres estão cada vez mais conquistando seu espaço

Postado em: 29-06-2016 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Flip chega à sua 14ª edição com uma constatação: as mulheres estão cada vez mais conquistando seu espaço

Amanda Damasceno/ Especial para O Hoje*

Um dos maiores eventos de literatura do País chega, neste ano, à sua 14ª edição com uma novidade: a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) nunca teve a participação de tantas mulheres. Na edição de 2016, que começa hoje (29) e vai até domingo (3 de julho) 44% dos participantes da Tenda dos Autores, o palco principal do evento, são mulheres.

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A honra de ser homenageado pela festa é também uma grande conquista feminina neste ano. A homenagem da Flip 2016 vai para a poeta Ana Cristina César. Onze anos depois da última (e única) homenagem a uma mulher – na edição de 2005, a homenageada foi Clarice Lispector – o evento volta a colocar uma mulher em destaque. 

De acordo com o curador da Flip deste ano, Paulo Werneck, a obra de Ana C. (forma com que a escritora é conhecida por leitores e amigos) é “densa, pulsante e conquista leitores em todo o mundo”. Sobre a escolha da autora como nome de destaque na festa, Werneck afirma que “a homenagem vai poder iluminar áreas menos conhecidas de sua obra e desfazer alguns lugares-comuns a respeito da sua vida”. 

Em um momento em que mulheres reinvidicam mais participação e visibilidade em todas as áreas: ciências, quadrinhos, audiovisual, mesas de debate e política, por exemplo, é de grande importância que essa representatividade apareça. Ter mulheres, além de fazendo, discutindo literatura é muito importante e começa a responder a questionamentos como os do “#kdmulheres?”, um projeto que busca empoderar e dar visibilidade a mulheres nos campos da escrita e da literatura.

Poeta marginal

Nascida em 1953, Ana Cristina César ganhou destaque no cenário literário nacional, em 1976, quando sua ex-professora Heloísa Buarque de Holanda organizou a antologia 26 Poetas Hoje. Lá, Ana C. apareceu ao lado de grandes nomes da Poesia Marginal como Chacal, Cacaso, Francisco Alvim e Charles Peixoto. Foi então que ela própria se tornou um expoente do gênero.

Foi só em 1982, entretanto, que ela acabou sendo projetada para o público brasileiro. A publicação de A Teus Pés garantiu-lhe um lugar cativo até mesmo junto àqueles leitores fora do mundo da poesia. Publicado pela editora Brasiliense – a mesma responsável por revelar autores como Marcelo Rubens Paiva e Caio Fernando Abreu –, o livro trouxe uma poeta segura e que acabou por fundar uma vertente marcante na poesia contemporânea brasileira.

Um tema muito relevante na história da autora é o das mulheres na literatura. Além de poeta, Ana C. também era tradutora e se dedicou a textos de Emily Dickinson, Silvia Plath e Katherine Mansfield. Sua própria obra foi entrecortada por outras mulheres, a exemplo de Clarice Lispector. A escritora chegou a ministrar, em 1983, uma conferência para alunos do curso Literatura de Mulheres no Brasil da Faculdade da Cidade, no Rio de Janeiro.

Ana Cristina César faleceu no mesmo ano de 1983, porém alcançou com suas obras póstumas, organizadas pelo curador Armando Freitas Filho, muita notoriedade, e universidades no Brasil e no exterior foram se interessando cada vez mais pela sua obra. Além disso, é clara a influência da autora em novos nomes da poesia.

Nova geração 

Em uma de suas mesas, a Flip traz três herdeiras diretas de Ana Cristina César: Annita Costa Malufe, Marília Garcia e Laura Liuzzi. Além delas, a festa conta com a presença de outros poetas, como Leonardo Froés, Kate Tempest, Ramon Nunes Mello e Abud Said, reforçando sua ligação com esse gênero e apresentando um de seus eixos temáticos. 

Ainda são temas da Flip 2016: a força do jornalismo contemporâneo, discussão feita por jornalistas como Caco Barcellos, Misha Glenny e Patrícia Campos Mello; humor, com Ricardo Araújo Pereira e Tati Bernardi; sexo, na mesa de literatura erótica com as escritoras Juliana Frank e Gabriela Wiener; e ciência, com o médico Henry Marsh e a neurocientista Suzana Herculano-Houzel. 

A literatura brasileira também é destaque nessa edição do evento. Os novos nomes nacionais são 12 dos 39 convidados. Além dos já citados, participam da Flip autores como Marcílio França Castro e J. P. Cuenca. Temos também aqueles autores que trouxeram o Brasil como centro de suas preocupações intelectuais como o britânico Kenneth Maxwell e o estadunidense Benjamin Moser.

Além Brasil

Mais que só expoentes brasileiros ou que discutem o Brasil, a Flip – internacional, como reforça o próprio nome – traz também autores de diferentes países e que têm suas próprias inquietações. A Tenda dos Autores recebe Karl Ove Knausgård, Irvine Welsh, Helen Macdonald, Bill Clegg, Valeria Luiselli, Álvaro Enrigue e Arthur Japin, além da mais recente ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura, Svetlana Aleksiévitch.

Svletlana é um marco na história da Flip: essa é a primeira vez que a festa consegue trazer um autor recém-premiado com o prêmio mais importante da literatura mundial. Paulo Werneck ressalta que trazer a escritora “é uma enorme honra” para o evento. A jornalista bielorrussa também divide águas no próprio Nobel, já que foi a primeira pessoa a conquistá-lo com uma obra jornalística.

Seu método literário ideal é aquele que a “aproxima da vida real”, garante. “A realidade sempre me atraiu como um ímã, me torturava e hipnotizava, e eu queria botar isso no papel”, relatou em entrevista. Esse método é buscado em todos seus livros, inclusive no que será lançado durante a Flip. A Guerra Não Tem Rosto De Mulher é sua mais nova publicação e conta a história de mais de 500 mil soviéticas que participaram da Segunda Guerra Mundial. 

*A repórter viajou a Paraty a convite do Itaú Cultural

 

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