As mulheres que marcaram 2016

Em meio a um clima caótico, o legado destas mulheres-maravilhas (artistas, atletas e modelos) fez o ano valer a pena

Postado em: 17-12-2016 às 11h00
Por: Sheyla Sousa
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Em meio a um clima caótico, o legado destas mulheres-maravilhas (artistas, atletas e modelos) fez o ano valer a pena

Elisama Ximenes e Natália Moura

Perdas, tristezas, (algumas) felicidades, tragédias e polêmicas fizeram com que saíssemos de 2016 com um peso de milênios nas costas. O ano foi intenso, mas também foi marcado por avanços protagonizados por mulheres. Foi tudo tão ‘tão’ que fica até difícil lembrar-se de tudo e todas. Elas derrubaram todos os forninhos, pisaram no patriarcado e se destacaram em diversas áreas – como sempre. Por isso, o Essência resolveu ajudar quem não consegue se lembrar, depois de tanto caos, quem foram as mulheres-maravilhas, que deram o que falar por não se calarem. 

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Alicia Keys  

“As mulheres sofrem lavagem cerebral para que a gente tenha que ser magra, ou sensual, ou desejável, ou perfeita”, Alicia, em carta aberta sobre sua decisão de não usar mais maquiagem. 

Não foram seus 30 milhões de álbuns e 25 milhões de singles vendidos que a fizeram estar representada nesta lista hoje, é claro que isso não retira o mérito, e o sucesso, que a cantora estadunidense Alicia Keys tem em sua carreira. Ao longo dos nove anos em que esteve na mira da imprensa e do grande público, Keys sempre foi um exemplo para garotas de todo o mundo. No ano de 2016, não foi diferente, em maio, a cantora escreveu uma carta aberta ao público sobre uma decisão que havia tomado: a de não usar mais maquiagem. 

Alicia percebeu que diante da pressão estética em que as mulheres vivem, muitas ficam ocupadas em tentarem ser perfeitas (o que é inalcançável), e acabam sofrendo e não curtindo realmente as coisas boas da vida. Na carta, a musicista diz que essa foi a decisão mais sensata de sua vida. Ela também disse que por viver em condição de celebridade a pressão em “ser perfeita” era maior e ela não queria mais se submeter a isso, e não vai. Nas últimas frases, Alicia incitou uma revolução em que todo mundo pode ser o que é, e não o que os outros querem que eles sejam. “Não quero me cobrir mais. Nem meu rosto, nem minha mente, nem minha alma, nem meus pensamentos, nem meus sonhos (…), nada”, finalizou a cantora.  

Ana Júlia 

“Nós nos tornamos mais do que meros adolescentes, nos tornamos cidadãos comprometidos com a sociedade”, Ana Júlia, em discurso sobre as ocupações secundaristas na Assembleia Legislativa do Paraná. 

Uma das vozes mais ouvidas do ano de 2016, foi a de Ana Júlia, uma estudante secundarista, de apenas 16 anos, que conquistou o Brasil ao discursar pela defesa do movimento dos estudantes na Assembleia Legislativa do Paraná, em Curitiba. Ela foi escolhida pelo seu grupo de colegas, do Colégio Estadual Senador Manoel Alencar Guimarães, para ser a porta voz do movimento que ocupou cerca de 1000 escolas no Brasil. No discurso, visualizado por milhares de pessoas em todo mundo, Ana Júlia também falou das dificuldades enfrentadas pelos jovens, e em como a sociedade ainda vê a luta legítima de estudantes como mera baderna. Ana Júlia virou um ícone para o movimento dos estudantes do País. 

 Dona Onete 

“Eu sou uma cabocla e só quero falar do meu Brasil e do meu Pará”, Dona Onete, em entrevista ao Essência. 

Com 77 anos de vida, e 4 de carreira, Dona Onete já é um sucesso nacional e internacional. A cantora paraense foi professora de história até sua aposentadoria. Na época, cantar era só um passatempo que fazia magistralmente. Ela foi descoberta pelo grupo Coletivo Rádio Cipó e depois disso conquistou o mundo todo com sua simpatia e seu ritmo ‘carimbó chamegado’. O ritmo, que ela criou, é uma mistura de lundu africano, carimbó amazônico e sensualidade latina. Neste ano, a cantora saiu com sua turnê “a boca marcada, a saia rodada” por Brasil, Portugal e EUA.

 Lea T 

“Todos, independente de gênero, orientação sexual, cor, raça ou credo, somos seres humanos e fazemos parte da sociedade”, em entrevista à BBC. 

Lea T fez história ao ser a primeira mulher transexual a apresentar a delegação brasileira na abertura dos Jogos Olímpicos. No país que mais mata transexuais no mundo, esse ato foi mais do que alegórico e se tornou político. A top model internacional aceitou o convite para que houvesse mais visibilidade à causa LGBT. “Sei que sou privilegiada por ter a mídia que me ouve, mas cada transexual em sua luta cotidiana tem igual importância para os LGBTs”, disse Lea T, às vésperas da abertura das olimpíadas. A modelo também foi uma das poucas personalidades brasileiras a serem entrevistadas pela apresentadora Oprah Winfrey, dos Estados Unidos, e em 2015 foi eleita pela revista americana Forbes como uma das 12 mulheres que mudaram a moda italiana.

 FORMIGA 

“Os vizinhos me chamavam de mulher-macho, diziam que eu não ia prestar. Desde que nasci, foi sempre muita luta”, Formiga, sobre futebol feminino em entrevista.

Seis é o número de vezes em que a volante Miraildes Maciel Mota, conhecida em campo como Formiga, participou dos Jogos Olímpicos defendendo o Brasil no futebol. Nenhuma outra jogadora tem esse mérito: Formiga é uma lenda viva. Quando anunciou sua aposentadoria não deixou de ainda assim emocionar quem a assistia. Desde sua infância, Formiga não se limitava aos padrões, aos sete anos, ganhou dos padrinhos uma boneca. E viu o irmão ser presenteado com uma bola. De imediato, arrancou a cabeça da boneca, e foi se divertir com o presente do irmão. Assim como outras mulheres estrelas do nosso futebol, Formiga teve que enfrentar o machismo de uma profissão dominada por homens e nunca abaixou a bola. 

Madonna

“Eu sou um tipo diferente de feminista. Sou uma feminista má”, Madonna, ao receber o prêmio de Mulher do Ano pela Billboard. 

Um dos maiores ícones da música pop no mundo é a cantora estadunidense Madonna. Quem só a conheceu depois da fama não sabe o que a diva passou para chegar onde ela está, e ser o que ela é. Duramente julgada pela mídia e pelas pessoas por ser “muito ousada”. Madonna relembrou, ao receber o prêmio de Mulher do Ano pela Billboard, como foi difícil enfrentar todo o machismo e preconceito em sua carreira. Um estupro em um terraço em Nova Iorque, inúmeros assaltos e vários amigos perdidos para AIDS. Nada disso fez com que Madonna desistisse da vida e continuasse a lutar em prol de sua arte e das idéias em que acreditava. “Minha verdadeira musa era David Bowie. Ele personificava o espírito masculino e feminino e isso me agradava. Ele me fez pensar que não havia regras. Mas eu estava errada. Não há regras se você é um garoto. Há regras se você é uma garota. Se você é uma garota, você tem que jogar o jogo. Você tem permissão para ser bonita, fofa e sexy. Mas não pareça muito esperta. Não aja como você tivesse uma opinião que vá contra o status quo. Você pode ser objetificada pelos homens e pode se vestir como uma prostituta, mas não assuma e se orgulhe da vadia em você”, afirmou Madonna em uma das partes de seu maravilhoso discurso. 

 Marília Mendonça 

“Chegamos com o pé na porta no sertanejo. Acho que estava faltando isso para a mulher. Coragem de ir e mostrar a que veio, sem pretensões de agradar ou não as pessoas”, Marília, em entrevista a Multishow. 

O ‘feminejo’ fez muito sucesso em 2016, e provou mais uma vez que lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive, em ritmos musicais anteriormente dominados por homens. A revelação do ano foi Marília Mendonça, cantora de voz poderosa e compositora de mão cheia. Marília, com apenas 21 anos, já é uma das cantoras que mais faturam no Brasil. Em seus shows, a ela deixa claro que sua posição é a de valorização da mulher, e quer deixar no passado a imagem de fragilidade que cerca as mulheres. A cantora é dona dos hits Infiel, Alô, Porteiro, Como Faz com Ela e faz parte da nova geração de cantoras sertanejas junto a Maiara & Maraísa, Simone & Simaria, Paula Mattos e Naiara Azevedo. 

 MC Carol 

“Depois de tudo o que eu presenciei, eu vi que não queria ser o tipo de mulher submissa. Eu quero bater”, MC Carol em entrevista ao O Globo.

Quem escuta Delação Premiada ou 100% Feminista fica de cara quando descobre que MC Carol é a dona dos hits. “Eu não sabia que ela fazia músicas assim também”, é bem fácil de escutar de alguém. Como mulher negra da favela, as composições dela sempre tiveram um tom militante que dizia, às vezes, de forma cômica, sobre o seu lugar na sociedade em relação ao patriarcado, o racismo e o preconceito de classe. 

As duas músicas mencionadas, no entanto, trazem uma narrativa mais direta e, inclusive, denunciativa quanto às opressões. Lançada em meados de julho deste ano, Delação Premiada concorre ao posto de música do ano. MC Carol é ousada e brinca com o termo jurídico, que significa uma troca de favores entre juiz e réu, comparando o tratamento aos políticos e empresários que têm a chance de recorrer a ela com o tratamento da polícia com a periferia. Ainda menciona o caso de Amarildo, desaparecido após uma missão policial, e o assassinato do dançarino DG.

Quando a gente achou que ela já tinha feito sua melhor música de todos os tempos, MC Carol juntou-se a Karol Conka e fez a música que, mesmo sendo deste ano, já virou um hino do movimento por emancipação da mulher. A narrativa vai desde a infância da mulher, que cresce vendo a violência de gênero, até o momento em que cresce e passa a lutar pelo empoderamento feminino. Entre as razões para ela ser a mulher do ano, está o fato de ela ter crescido e virado “Carol bandida, que representa as mulheres, 100% Feminista”.

MC Soffia 

“Representatividade importa muito (…). É o que eu procuro fazer com as crianças negras” MC Soffia em entrevista ao Essência.

A pequena chegou com tudo e mostrando que rap não é coisa só de mano. É coisa pra manas também, não importa a idade. E isso ela faz questão de destacar nas músicas que canta – em cada verso e rima. Neste ano, aos 12, ela foi uma das cantoras a se apresentar na abertura dos Jogos Olímpicos. MC Soffia subiu ao palco ao lado de Karol Conka e, na época, declarou ao Essência que se sentiu cantando com uma amiga.

Mas ela não está aqui somente por ter ganhado tamanho destaque na abertura do evento mundial. O motivo vem antes disso. Ainda pequena a consciência de gênero, raça e de classe da paulista é de impressionar. Suas músicas trabalham com a autoestima da menina negra por meio, por exemplo, do enaltecimento do cabelo afro. Também questiona os padrões femininos impostos a crianças, com a música Minha Rapunzel de Dread, e o sexismo colocado entre meninos e meninas com a música Brincadeira de Menina. E é nessa última que ela se afirma: “As minas fazem tudo, até mandar umas rimas”. 

 Michelle Obama 

“Quantas mulheres não denunciaram atos sexistas, porque pensamos que ao denunciar parecemos mais vulneráveis” Michelle Obama, em discurso.

É o fim do mandato de Barack Obama na presidência dos Estados Unidos, depois de oito anos, e quem ganhou destaque desde que começaram as campanhas eleitorais foi sua esposa, Michelle Obama. Um jornal chegou a dizer que Michelle deixa o posto de primeira-dama para ser reconhecida como ativista. Ela mesma chegou a dizer que não tem intenção de se dedicar à política, mas sabe que seu legado é político. E diz isso no sentido militante e questionador que suas falas ganharam e impulsionaram no cenário mundial. 

Como primeira mulher negra a chefiar a Casa Branca com o marido, Michelle tornou-se uma das vozes a discutir questões raciais no país. O seu discurso mais famoso, feito em prol da eleição da democrata Hillary Clinton para a presidência do país, menciona, inclusive, o impacto que foi perceber que suas filhas, duas meninas negras, cresceriam em uma casa antes chefiadas apenas por homens brancos. Foi ela, também, a responsável por fazer os rebates mais fortes e contundentes às afirmações problemáticas e, principalmente, machistas feitas por Donald Trump, eleito sucessor de Barack. Não é só porque ela é a primeira dama, longe disso, o legado que Michelle deixa a faz uma das mulheres de 2016. 

 Rafaela Silva 

“Por sermos negros, às vezes não conseguimos viver bem em uma sociedade preconceituosa” Rafaela Silva, em entrevista à Revista Quem.

O choro dela fez o Brasil vibrar junto. Quando chegou à última luta, concorrendo ao ouro, era difícil acreditar que estávamos tão perto. E Rafaela Silva mostrou que não estava só perto, como o ouro no judô já era nosso. Aliás, nosso, não, dela. Quatro anos antes, quando perdeu uma luta e foi desclassificada em Londres, esse mesmo Brasil foi racista com ela. E as agressões que recebeu por não ter suprido as expectativas do País poderiam fazer com que desistisse. Mas, ao contrário do esperado, ela voltou na olimpíada sediada no Rio de Janeiro e conquistou um dos ouros da delegação. Rafaela é o motivo de alegria nacional em 2016 e, também, a razão pela qual quem foi racista com ela em 2012 deve enfiar um rabinho entre as pernas e reconhecer sua grandeza.

 Raíssa Santana 

“É um orgulho ser a representante do Miss Brasil depois de tanto tempo sem ter uma vencedora negra”, Raíssa Santana ao Extra.

A final do concurso a Miss Brasil deste ano foi diferenciada. Em um País, em que a beleza branca tornou-se hegemônica, foi transgressor ver uma maioria de mulheres negras concorrendo ao posto. A paranaense Raíssa Santana estava entre elas e conquistou o posto para concorrer ao título de Miss Universo. Para se ter uma ideia do avanço que sua conquista representa, a primeira e única mulher negra a ser eleita Miss Brasil, até então, foi Deise Nunes em 1986. Ou seja, há 30 anos. Mais que a mulher mais bonita do País deste ano, Raíssa é símbolo de um avanço sutil na luta contra o racismo sexista. 

Simone Biles 

“Não sou o próximo Bolt ou Phelps, sou a primeira Simone”, afirmou a ginasta durante a Olimpíada 2016.

Ainda tinha seis anos de idade quando, em excursão a um centro de ginástica artística, descobriram seu talento. Depois de uma carta enviada aos pais com um “Vocês já pensaram em colocar sua filha na aula de ginástica?”, Simone Biles dedicou-se ao esporte e, hoje, é a maior ginasta olímpica do mundo. A quantidade de medalhas que conquistou apenas na Olimpíada de 2016 impressionou e, por isso, muitos a compararam com os recordistas Usain Bolt, do atletismo, e Michael Phelps, da natação. Com quatro ouros e um bronze na competição, Simone rebateu às comparações, negando que a conquista tenha a ver com uma vontade de ser versão de dois homens. Mais que isso, Simone é ouro por ela mesma.

 Sônia Braga 

“Amo meu país e fico preocupada com as futuras gerações (…) Já vivi uma ditadura, não quero voltar a passar por isso”, Sônia Braga à Agência Efe.

Aos 66 anos, a atriz Sônia Braga mostra que não há idade que faça uma mulher mais frágil ou ultrapassada. Com uma carreira extensa e rica, neste ano, ela protagonizou o longa Aquarius, em que interpretou a jornalista aposentada Clara. Ela não só ganhou os noticiários pelo polêmico protesto contra o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em Cannes. Nos últimos dias do ano, Sônia acumula prêmios e indicações como melhor atriz, desbancando, inclusive nomes internacionais como o de Emma Stone. Foi eleita a melhor atriz do ano pela Associação de Críticos de Cinema de San Diego e uma das melhores pela Rolling Stone. Sônia Braga é inspiração e, mais que atriz, é, com certeza, uma das mulheres de 2016. 

 Tati Quebra Barraco 

“Se não tinha ninguém para olhar, eu levava para trabalhar comigo. Meu filho, volta pra mãe”, Tati Quebra Barraco em desabafo após a morte do filho.

Até o dia 11 de dezembro deste ano, quem escutava o nome Tati Quebra Barraco lembrava, logo, do seu hit Boladona. Desde o último domingo, no entanto, seu nome tem sido lembrado pela perda de seu filho – de apenas 19 anos de idade. Quando recebeu a notícia, a cantora desabafou em rede social: “A PM tirou um pedaço de mim que jamais será preenchido. A PM matou o meu filho. Essa dor nunca irá se cicatrizar”. Depois disso, matérias jornalísticas tentaram provar que a morte do garoto era justificada por um possível envolvimento com tráfico de drogas. 

Para piorar, pessoas em redes sociais começaram a tentar jogar a culpa da morte do garoto em sua mãe. Mais uma das cobranças às mulheres que não são mães tradicionais. Afinal, para eles, o menino não teria se envolvido com esse mundo (o que nem está provado), se a mãe não tivesse que conciliar a rotina de shows com a maternidade. Os comentários poderiam ser perdoados por se tratar da crueldade de gente que se esconde atrás de um perfil de internet. Mas não podem, porque isso mexe e não só afeta a Tati, como a todas as mulheres que lidam com o estigma de ser a mãe perfeita e têm que enfrentar e tentar ocupar espaços que, por muito tempo, foi negado às mulheres. Sendo uma pessoa pública, o peso é ainda maior e, por ter peito o suficiente para enfrentar isso e compartilhar da vida da mulher brasileira contemporânea, Tati é a mulher do ano.  

 

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