Ação previne HIV na África

Profissionais do sexo recebem preservativos e orientação sobre doenças

Postado em: 10-06-2016 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Profissionais do sexo recebem preservativos e orientação sobre doenças

As chamadas “populações-chave”, como profissionais do sexo e homens que fazem sexo com outros homens, estão sujeitas a um maior risco de contrair o vírus HIV e têm menos acesso a cuidados antirretrovirais devido ao estigma e à discriminação, assim como, em muitos casos, ao seu status ilegal e a sua alta mobilidade. 

Novos medicamentos para evitar que pessoas HIV-negativo contraiam o vírus (Profilaxia pré-exposição, ou PEP) são uma ferramenta promissora para restringir a progressão da pandemia de HIV, mas o acesso permanece limitado nas áreas mais afetadas do sul da África. 

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A fim de encontrar meios inovadores para ampliar não só o acesso a medicamentos antirretrovirais (ARVs) vitais, mas também a aderência aos cuidados e à PEP para populações-chave, a organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) lançou um ambicioso projeto em janeiro de 2014, chamado “Corredor”. Ele é mantido em Moçambique e no Malaui, tendo sido estendido recentemente para o Zimbábue.

Os nomes das profissionais do sexo foram alterados no texto. Quando a PEP chegar à África subsaariana, terá uma faceta muito diferente do que na África Ocidental. Será dura, como a de Mary.

Mary é do Zimbábue, mas vive em Beira, em Moçambique. Na manhã em que nos conhecemos, ela estava sentada no chão de cimento do lado de fora da pousada onde vive com uma dúzia de outras profissionais do sexo zimbabuanas. Seu braço estava engessado. “Quem fez isso com você?”, perguntou Edna, educadora de pares de MSF. Ela encolheu os ombros. “Meu namorado. Nós tivemos uma briga”. “Você sabe que deve ir à polícia, certo? Ele não pode fazer isso com você. Essa é uma questão de direitos humanos”. Outra vez Mary encolheu os ombros. “Vamos ver”.

Beira é uma cidade portuária bastante movimentada, o início e o fim das rotas de caminhoneiros que distribuem materiais pelo sul da África. Para as mulheres, é ali que está o dinheiro – não em seus vilarejos, no empobrecido Zimbábue. Embora “dinheiro” seja uma definição relativa: quando a relação sexual custa tão pouco quanto 50 meticais (1 dólar), elas precisam de muitos clientes para conseguir enviar dinheiro às suas famílias. “São só negócios, sabe, não há tempo para romance. O cara precisa estar pronto logo no começo. Se ele não terminar rapidamente, ele paga mais, ou fica ruim para ele”, explica Edna.

Contradição

Anoitece e viajamos pelos locais mais frequentados de Beira. O primeiro bairro parece pitoresco no escuro: algumas lojas de chapas de ferro onduladas, fincadas na areia, paradas modestamente debaixo de coqueiros altos. “São principalmente meninas moçambicanas que trabalham aqui”, explica Sandrine Leymarie, profissional de suporte ao paciente de MSF. Ela aponta para uma sala aberta atrás da loja; o chão está todo manchado. Esse é o lugar onde as transações sexuais acontecem, a sombria realidade por trás do cenário pitoresco decepcionante. Mais ao centro da cidade, na Avenida Robert Mugabe, grupos de mulheres com saias curtas e blusas abertas esperam por seus clientes; a maioria é do Zimbábue. 

Uma pesquisa realizada em 2012 revelou que 714 profissionais do sexo atuam em Beira – contando com mulheres que têm sete ou mais clientes por mês. Nos primeiros 18 meses de atividades, o projeto de MSF na cidade atendeu mais de 600 profissionais do sexo (90% do número identificado pela pesquisa), graças a um grupo de educadoras de pares engajadas ativamente com, no máximo, 50 profissionais do sexo. No entanto, se somadas aquelas que complementam sua renda com trabalhos sexuais ocasionais, o número de profissionais do sexo em Beira pode ultrapassar 7 mil.

Aumento

É segunda-feira, uma noite devagar, mas, ainda assim, as negociações sexuais estão por toda parte. No entanto, não há preservativos prontamente disponíveis; se MSF ou outra ONG não os distribuir gratuitamente, profissionais do sexo precisam gastar o dinheiro que recebem dos clientes para comprar aquilo que é sua única proteção contra o HIV. Não surpreende, portanto, que o vírus se propague livremente: 30% das mulheres entrevistadas por MSF que eram HIV-negativo há um ano contraíram o vírus em 12 meses – a taxa mais alta de soroconversão registrada no projeto de Beira.

A falta de preservativos gratuitos, e a dificuldade de impor o uso a um cliente, é um dos obstáculos para o acesso à proteção contra o HIV para as mulheres que correm alto risco de contrair a infecção. (Médicos Sem Fronteiras).

 

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