Entenda as mudanças que podem acontecer caso a covid-19 se torne uma endemia

Países como Reino Unido, França, Espanha e Dinamarca já declararam que a covid-19 será tratada como epidemia

Postado em: 08-02-2022 às 16h53
Por: Maria Paula Borges
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Países como Reino Unido, França, Espanha e Dinamarca já declararam que a covid-19 será tratada como epidemia | Foto: reprodução

Ao longo das últimas semanas, com a melhora da situação de pandemia em alguns países, lugares como Reino Unido, França, Espanha e Dinamarca, decidiram que a covid-19 não será encarada com uma pandemia mais, mas que será tratada como uma endemia. Então, a doença causada pelo vírus deixará de ser vista com emergência de saúde e muitas das restrições não serão mais necessárias, como uso de máscara, evitar aglomerações e exigência de passaporte vacinal.

Para entender o que muda, primeiramente é necessário ter em mente de forma clara o conceito de endemia, que não necessariamente é uma boa notícia. A covid-19 ser vista como endemia significa que há uma quantidade esperada de casos e mortes relacionadas a uma determinada doença, conforme o local e época do ano, portanto os números não sofrem variações drásticas.

Doenças também consideradas mortais são consideradas endêmicas como a tuberculose, Aids e malária. Se analisar apenas a malária, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 240 milhões de casos e 640 mil mortes aconteçam anualmente.

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Então, a questão da endemia está relacionada com a estabilidade nas estatísticas da enfermidade. Quando os números fogem do controle, a situação se torna uma epidemia – se for em uma região – ou para pandemia – caso a crise se alastre por vários continentes.

Em evento do Fórum Econômico Mundial no final de janeiro, representantes de várias instituições discutiram os conceitos e debateram quando a covid-19 de fato poderia ser classificada como endemia. Segundo Anthony Fauci, imunologista, endemia significa “uma presença não disruptiva sem a possibilidade de eliminação [de uma doença]”, e que o coronavírus aos poucos passará a afetar os seres humanos de forma similar a agentes causadores de resfriados comuns.

Além disso, o médico Mike Ryan, diretor executivo do Programa de Emergências em Saúde da OMS, ressaltou que o vírus provavelmente não será eliminado. “Nós provavelmente nunca vamos eliminar esse vírus. Depois da pandemia, ele se tornará parte de nosso ecossistema. Mas é possível acabar com a emergência de saúde pública”.

Na ocasião, reforçou que endemia não necessariamente significa coisa boa. “Ela só significa que a doença ficará entre nós para sempre. O que precisamos é diminuir a incidência, aumentando o número de pessoas vacinadas, para que ninguém mais precise morrer [de covid]”, completou.

Os cientistas se mostram reticentes em encarar a covid-19 como endemia, devido a falta de parâmetros e de uma estabilidade nas notificações por longos períodos. “Isso ainda não foi bem estabelecido. Quais são os números de casos, hospitalizações e mortes pela doença aceitáveis, ou esperados, todos os anos?”, questiona a epidemiologista Ethel Maciel, professora titular da Universidade Federal do Espírito Santo.

Entretanto, o aprimoramento das defesas do organismo garante uma proteção contra as complicações da covid-19, relacionadas à hospitalização e morte. “Graças à imunidade obtida pela vacinação e, em menor grau, pelo alto número de infecções, a doença se tornou menos letal”, diz Croda, também presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical.

Mudanças na prática

Os países que já classificaram a covid-19 como sendo uma endemia acabaram com a maioria das restrições que marcaram os últimos 24 meses. No geral, não haverá mais a necessidade de uso de máscaras em locais fechados, nem mostrar comprovante de vacinação e aglomerações estarão liberadas.

Segundo o primeiro-ministro Boris Johnson, “conforme a covid se tornar endêmica, nós precisaremos substituir as requisições da lei pela orientação, de modo que as pessoas infectadas com o vírus sejam cuidadosas umas com as outras”.

Entretanto, a epidemiologista Ethel Maciel entende que cuidados devem permanecer mesmo assim, mesmo com a situação menos grave. “O vírus vai continuar circulando. Mesmo que as medidas não sejam mais obrigatórias, é importante que todos tomem alguns cuidados quando necessário”, orienta.

Além disso, ela orienta que é preciso empoderar e ensinar as pessoas, para que avaliem os riscos de cada situação para que medidas de proteção sejam tomadas. Um exemplo é um indivíduo com sintomas de gripe ou covid, este deve trabalhar de casa para evitar riscos aos demais colegas e, caso precise sair, usar máscara. A epidemiologista relaciona a situação com o HIV. “É a mesma coisa que acontece com a infecção pelo HIV. Ter uma relação sexual sem preservativo te coloca numa situação de risco, mesmo que essa doença seja considerada hoje uma endemia”, compara.

Vale ressaltar que aliviar as políticas restritivas não significa que não deveriam ser tomadas, pelo contrário, as medidas que salvaram as vidas em um momento em que não existiam outros meios para barrar a infecção e complicações. Atualmente, existem meios testados e aprovados como vacinas e remédios, para tornar a covid menos ameaçadora.

Endemia

No meio acadêmico, a decisão de alguns países europeus gera controvérsias. Um artigo publicado na revista Nature, o pesquisador Aris Katzourakis, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, criticou o que ele considera “otimismo preguiçoso”. “Como virologista evolutivo, fico frustrado quando gestores públicos invocam a palavra ‘endemia’ como uma desculpa para fazer pouco, ou não fazer nada. Existem mais coisas que podem ser feitas do que aprender a conviver com rotavírus, hepatite C ou sarampo endêmicos”, escreveu.

Além disso, ele afirmou que pensar que a evolução do vírus o deixa menos grave é um erro. “Lembre-se que as variantes alfa e delta são mais virulentas que a versão original detectada em Wuhan, na China. E a segunda onda da pandemia de gripe espanhola em 1918 foi muito mais mortal que a primeira. Pensar que a endemia é leve e inevitável não é apenas errado, mas perigoso: deixa a humanidade à mercê de muitos anos da doença, incluindo ondas imprevisíveis e novos surtos. É mais produtivo considerar o quão ruim as coisas podem ficar se continuarmos a dar ao vírus oportunidades de nos enganar. E daí então podemos fazer mais para garantir que isso não aconteça”, argumenta.

Entretanto, segundo Croda, apenas o tempo será capaz de dizer se a decisão foi certa ou errada, por depender de fatores que não podemos controlar. “Isso depende muito de fatores que não controlamos. Nesse meio tempo, pode surgir uma nova variante extremamente contagiosa, com escape imunológico e maior risco de hospitalização e óbito. É justamente para evitar que isso aconteça que precisamos ofertar vacinas para todos, especialmente para aqueles que ainda não tomaram nenhuma dose. Essa deveria ser a prioridade número um do mundo inteiro”, diz.

Maciel ressalta que tudo pode acontecer, inclusive novas variantes podem surgir. “Quando a transmissão está muito alta, tudo pode acontecer, inclusive o surgimento de novas variantes. E o Brasil, além de seguir com a vacinação, precisa ampliar o acesso aos tratamentos contra a covid, como os anticorpos monoclonais e os antivirais, que já são usados em outros países”, afirma.

Situação brasileira

Especialistas afirmam que ainda é cedo para falar sobre uma endemia no Brasil. O país tem enfrentado um alto número de casos desde o início de 2022 devido a variante Ômicron, aumentando expressivamente as hospitalizações.

Conforme projeções do Instituto de Métricas em Saúde da Universidade de Washington, o Brasil deve atingir o pico de óbitos relacionados a nova variante no meio de fevereiro e, a partir disso, os números devem cair novamente se estabilizando durante o mês de março.

Para garantir a possibilidade de a covid-19 se tornar uma epidemia no Brasil é necessário ampliar a cobertura vacinal. Até o momento, 23% dos brasileiros tomaram a dose de reforço, número aquém ao ideal. Vários estudos comprovam que o imunizante é essencial para proteger contra efeitos graves no organismo.

Em relação a vacinação e a visão de gestores públicos a respeito da discussão, a BBC News Brasil, em contato com o Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) e com o Ministério da Saúde, recebeu uma nota de esclarecimento. Na nota, o Conass declarou que o avanço da vacinação no Brasil é o primeiro passo para o país caminhar para o fim da pandemia.

“O avanço da vacinação no Brasil, que hoje já alcança mais de 75% do público-alvo vacinado com as duas doses, é o primeiro passo para que o país caminhe para superar a pandemia da covid-19, porém, a introdução da variante ômicron mostrou a complexidade do enfrentamento do vírus e sua alta capacidade de mutações. A rápida transmissão desta variante criou uma nova pressão na rede assistencial e o aumento de óbitos. Não é possível considerar de caráter endêmico uma doença que traz esse peso na assistência e que tenha essa alta morbimortalidade. Superar a pandemia não quer dizer que não teremos mais casos e óbitos pela covid-19, mas não temos parâmetros ainda para saber o quanto de casos e óbitos serão considerados esperados e, dessa forma, tratados como endêmicos”.

Além disso, afirmam que os esforços devem estar voltados para garantir a ampliação e manutenção dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). “As atenções e os esforços atuais devem estar voltados para garantir a ampliação e manutenção dos leitos clínicos e UTI covid, além da intensificação das campanhas de incentivo para que todos os brasileiros completem o esquema vacinal, incluindo a dose de reforço. Ainda não é o momento para baixar a guarda e decretar o controle da pandemia no Brasil”, conclui o Conass.

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