Longo caminho para combater corrupção

Desvio de dinheiro público, no Brasil, é um problema sistêmico e de difício combate, avaliam especialistas em corrupção

Postado em: 05-06-2016 às 21h00
Por: Sheyla Sousa
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Desvio de dinheiro público, no Brasil, é um problema sistêmico e de difício combate, avaliam especialistas em corrupção

Especialistas em corrupção avaliam que o Brasil tem um longo caminho a percorrer a fim de encontrar uma saída para o desvio de recursos públicos, classificado por representantes de órgãos de controle nacionais como um problema sistêmico e presente em toda a sociedade. Apesar desse quadro sistêmico, na opinião deles, os brasileiros estão mais atentos a irregularidades, o que abre uma oportunidade – e um desafio – para que a desonestidade seja extinguida da vida pública e privada nacionais.

O tema da corrupção foi debatido no Recife, em um evento nacional que reuniu, na quinta-feira (2) e na sexta (3) desta semana, representantes de organizações públicas e civis para discutir como podem trabalhar juntos e que mecanismos são necessários para isso. A Agência Brasil conversou com alguns desses especialistas. E a primeira conclusão unânime é: a percepção de que um ou outro partido ou político rouba mais é ilusão. O que existe é um problema sistêmico de mau uso dos recursos públicos – e também do mau exemplo da população em atos cotidianos.

O conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e procurador regional da República, Fábio George Cruz da Nóbrega, é taxativo: “Corrupção no país não tem cor partidária. Eu estou há 20 anos nessa atuação. Em todos os governos houve casos emblemáticos de malversação de recursos públicos. Não é partido A, B ou C”. Nóbrega foi um dos criadores do primeiro Fórum de Combate à Corrupção (Focco) do Brasil, na Paraíba, e articulou outros Brasil afora.

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Assim como não é exclusividade de determinado governo, a corrupção também não se limita ao poder público, segundo o presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Valdecir Pascoal. “Ela atinge todos, e um fato novo muito importante que a Lava-Jato trouxe foi mostrar que o setor privado tem corrupção. Porque antes era só a imagem do agente público, e agora não, está comprovado. O setor privado se organizava em cartéis”.

Tanto o conselheiro Fábio George como Valdecir apontam o financiamento privado de campanhas eleitorais como uma fonte dessa relação que culmina em atos de corrupção. “É um problema grave o financiamento de campanhas eleitorais feito por grandes empresas, que depois querem o troco, ou seja, querendo conquistar de maneira ilícita contratos e serviços públicos”, disse.

O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou no ano passado a inconstitucionalidade da doação de pessoas jurídicas a campanhas, mas ainda é possível contribuir como pessoa física. “Na eleição de prefeito agora vai ser uma grande experiência, para ver se essa norma que o Supremo delimitou se vai ser útil”, analisa o presidente da Atricon. (ABr) 

Educação e integração contra ilegalidades 

A relação existe também entre os pequenos atos irregulares julgados como sem importância por quem o comete e os grandes desvios de dinheiro público. “O mau exemplo daqueles que deveria, na administração pública, zelar pela coisa pública, faz com que a população deixe de adotar práticas éticas no dia a dia. Pesquisa do Ibope detectou que 75% do povo brasileiro condenam a corrupção na vida pública, mas faria o mesmo se lá estivesse. São atos como furar fila, pagar propina para não receber multa, que acabam se espalhando. Uma coisa reforça a outra”, disse Fábio George. “E aqueles que estão na vida pública e observam que a população não cumpre isso no dia a dia acabam tendo a percepção que existe uma tolerância em relação a essas práticas”.

Outro efeito é o descrédito das instituições que compõe o Estado e da própria democracia. Para os especialistas, a Operação Lava Jato deu uma oportunidade para que os órgãos de controle ganhem a confiança da população, mas para conseguir resultados efetivos, Valdecir Pascoal defende a integração dos trabalhos. “Esse tempo de lançar anzóis individuais tem que acabar, é preciso ter a ideia de rede. Tem que ter a integração cada vez mais, complementaridade, ser solidário com o outro órgão de controle. Porque a corrupção é organizada, então a gente tem que ser cada vez mais integrado para dar mais efetividade no combate à corrupção”.

Os participantes do encontro também defendem que a população se organize para fiscalizar o poder público. “A população tem papel fundamental. Num país de proporções continentais como o nosso, é impossível para os órgãos de controle saber o que está sendo feito com dinheiro público em todos esses locais”, afirmou o conselheiro Fábio George.

Uma das experiências levadas ao evento foi a do Observatório Social do Brasil. Criado no interior do Paraná, está presente hoje em 107 cidades e 19 estados. Em outros 98 municípios o projeto está em fase de implementação, que entre outros aspectos acompanha o uso de recursos públicos pelas prefeituras. De acordo com o presidente nacional da organização, Ney Ribas, em três anos o grupo já conseguiu a economia de mais de R$ 1,5 bilhão de recursos públicos. “A operação Lava Jato, com toda a estrutura que tem, conseguiu R$ 3 bilhões. Então é significativo”, disse.

O trabalho consiste em acompanhar as ações da gestão municipal, da publicação de um determinado edital até a entrega do produto ou serviço, para atuar de forma preventiva. (ABr) 

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