Renan Calheiros muito além da subversão da ordem jurídica

Presidente do Senado age como se estivesse acima da lei, piorando a descrença da população com as instituições

Postado em: 12-12-2016 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Presidente do Senado age como se estivesse acima da lei, piorando a descrença da população com as instituições

Venceslau Pimentel 

A insubordinação do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), configurada por não acatar decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que o afastou do comando da câmara alta do Congresso Nacional, produziu não apenas um fato novo no mundo jurídico. O ato também desmontou um ditado popular dos tempos da Derrama – um dispositivo fiscal aplicado em Minas Gerais, como forma de assegurar 20% do ouro brasileiro para a Coroa Portuguesa – de que todos são iguais perante a lei.

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Como nos tempos do Império, o dono da “capitania” de Alagoas debochou do STF, ao se negar, solenemente, a receber a intimação das mãos de um oficial de Justiça. Com a empáfia que lhe é peculiar, jogou por terra a velha máxima de que decisão judicial não se discute, se cumpre.

Não cabe aqui falar em crime de desobediência, já que os próprios ministros do Supremo, em sua maioria, decidiram “desautorizar” um colega de Corte – Marco Aurélio Mello, deliberando pela permanência de Calheiros na Presidência do Senado.

A Corte (que agora mais parece com a portuguesa) optou por dar ouvidos a um réu em ação penal por peculato, derrubando a liminar concedida por Mello. Na tentativa de diminuir a mancha que se abateu sobre a Justiça brasileira, o STF definiu que Renan não pode assumir a Presidência da República, como se esse fato estivesse em jogo. Não está. Antes do senador alagoano, tem o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM) na linha sucessória de Michel Temer. E este, enfiado até o pescoço em atos de corrupção, conforme delação de um executivo da empreiteira Odebrecht, Cláudio Melo Filho, não tem nenhum motivo para se ausentar do país tão cedo. Antes, terá de se explicar porque pediu – e teria recebido – R$ 10 milhões da empreiteira.

Com o episódio protagonizado por Calheiros, o STF entra no rol das instituições com pouca credibilidade perante a sociedade, por seus próprios atos contraditórios, para não dizer acovardados, que se deixou sucumbir pela força da elite política brasileira, representada em maior grau pelo Palácio do Planalto, que participou da trama como protagonista, apesar da desfaçatez de seu inquilino.

Por conta do teatro armado no palco em que se transformou Brasília – em que os cidadãos de bem da capital federal são apenas figurantes –, que lá na frente a Suprema Corte e as demais instâncias inferiores da Justiça brasileira não venham reclamar (ou lamentar) o descumprimento legal de uma decisão do Judiciário por uma pessoa comum, ou mesmo autoridade pública.

Para que não esqueçamos de que a partir de agora ninguém é igual perante a lei, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, tratou de alterar o provérbio popular, que diz que “pau de dar em Chico, dá em Francisco”. À luz de uma nova ordem jurídico-popular, Janot disse, em seu discurso durante o julgamento do caso Renan, no STF: “Exige a República não mais aqui que pau de dar em Chico, dá em Francisco. Hoje, o que exige a República é que pau de dar em Chico tem de dar em Francisco”.

Ao contrário da dinâmica que se esperava – que seria pelo cumprimento da liminar e o consequente afastamento do peemedebista do comando do Senado -, o que se vê é uma involução. Renan, que virou réu em ação por desviar dinheiro do contribuinte, ganha presente de Natal antecipado.

Trocando em miúdos, o presidente do Senado ganhou o seu lote de ouro, premiado que foi pela Corte, como nos anos que antecederam a Inconfidência Mineira. Que se jogue luz onde há escuridão. 

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