“Se o governador não tivesse tomado as medidas que tomou, o que aconteceria?”

Para Ana Carla Abrão, Goiás está prestes a alcançar o equilíbrio fiscal ao contrário do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul

Postado em: 16-12-2016 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Para Ana Carla Abrão, Goiás está prestes a alcançar o equilíbrio fiscal ao contrário do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul

Venceslau Pimentel, Rubens Salomão e Edson Osvaldo Melo 

Em visita à sede do jornal O HOJE, Ana Carla Abrão fez uma avaliação da sua gestão à frente da Secretaria da Fazenda, e afirmou que Goiás está prestes a alcançar o equilíbrio fiscal ao contrário do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Durante a entrevista mostrou que por trás da fachada de uma dama de ferro há uma mulher sensível.  

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Às vésperas de deixar o comando da Secretaria da Fazenda, Ana Carla Abrão, faz um balanço dos dois anos em que ficou à frente da pasta. Em entrevista ao O Hoje, narrou qual era a situação das finanças do Estado e quais os desafios que teve que enfrentar no exercício do cargo e o legado que vai deixar para o seu sucessor. Segundo ela, o ajuste fiscal feito até agora teve como objetivo fazer uma correção de rota, e que o Programa de Austeridade e Crescimento do Estado, que tramita na Assembleia Legislativa, visa criar condições de investimentos e da normalidade de todas as despesas. Como fator positivo, a secretária destaca que haverá, este ano, um superávit primário de R$ 4 milhões, mas há ainda um forte déficit orçamentário estimado em R$ 300 milhões. Sobre Marconi, Ana Carla disse que o governador é uma liderança diferenciada, por também protagonizar movimentos em favor dos estados, e que ele tem condições, inclusive, de pleitear sua indicação como pré-candidato a presidente da República pelo PSDB, nas eleições de 2018. 

Como ficará a economia do estado em 2017?

Esse é o grande ponto e o que motivou propor um conjunto de ações. Vamos tentar investir. O Estado não pode mais chegar ao final do mês só com recursos para pagar a folha e a dívida. É necessário investir. Esse foi o grande motivador para esse objetivo principal. Ter recursos para investir vai fazer a economia crescer e gerar empregos. Há também um suporte para o setor privado voltar com tudo também.

A senhora acha que a PEC do Teto de Gastos veio em uma hora boa?

Veio sim. Na verdade, a crise foi tão violenta que ela acabou aprofundando os desequilíbrios. Eu falo com bastante freqüência que se a gente estivesse em uma situação onde a economia estivesse crescendo, e o cenário estivesse mais positivo e benigno, todos os ajustes que foram feitos poderiam ter sido realizados em uma dose muito menor, e, mais do que isso, não precisaria estender isso mais para frente. Só que quando a gente olha a expectativa de crescimento zero, depois de 8% de queda, são dois anos de uma queda tão absurda, as medidas têm de ser mais duras, principalmente em comparação com uma situação mais benigna. Com a arrecadação e a economia crescendo, dá para fazer as coisas com mais gradualismo. Mas a situação como está, não dá para continuar. Por exemplo, olha a situação do Rio de Janeiro. Ele está como está porque não tomou medidas e a situação foi se agravando. Os economistas têm um termo que a gente usa muito: “contrafactual”. Eles vivem fazendo as coisas e sempre falando: “e se tivéssemos feito de forma diferente? O que será que teria acontecido?”. Nós estamos vivendo uma situação nos estados que é ideal para qualquer economista. O contrafactual está aí. Se o governador Marconi Perillo não tivesse tomado as medidas que ele tomou o que teria acontecido? A gente não saberia? Claro que sim, a gente sabe, o mesmo que aconteceu com o Rio de Janeiro. Isto porque a crise veio, e é claro que os estados já vinham antes com uma trajetória de desequilíbrio com as despesas superando a receita. Então veio a crise em uma magnitude que ninguém esperava, onde, se não fosse feito uma correção de rota, haveria o caos. É só olhar os jornais para sabermos o que aconteceria.

Tem como a senhora fazer um balanço? Qual era o déficit anual quando a senhora chegou? E depois deste processo de dois anos, qual a perspectiva agora?

Desde quando eu cheguei, e este é o ponto principal, a situação veio se agravando por conta do agravamento da crise, gerando um desequilíbrio que todos os estados sofriam, que era um desequilíbrio vindo de uma trajetória de despesas que vinham de uma taxa de crescimento muito maior que a trajetória de receitas. Quando eu cheguei em janeiro a primeira coisa que o governador  me colocou foi o seguinte: “Ô secretária, eu já fiz uma reforma por que eu entendo que a gente está entrando em um período de crise, mas eu queria uma revisão geral do orçamento, e que a senhora me apresenta-se um orçamento real”. Isso basicamente por que a gente tinha que rever as receitas que estavam previstas no orçamento. O orçamento tinha uma previsão de receita que já se deslumbrava o que poderia acontecer no amanhã. Então, o orçamento real foi feito na revisão das receitas e uma revisão das despesas no que os órgãos informam que iriam gastar naquele ano. Quando eu trouxe o orçamento para ele, quase caiu da cadeira, porque não era um orçamento real e sim um irreal que mostrava um déficit de 7 bilhões de reais, dentro de um orçamento de vinte e poucos bilhões de reais. Isso significa um pouco mais de 30 % de déficit. É exatamente a mesma situação que hoje o Rio de Janeiro se encontra. Quando nos deparamos com esse número, ele olhou para isso e perguntou o que precisávamos fazer para evitar que o Estado não quebrasse. E não só isso. Naquele momento, nós não tínhamos a dimensão da crise que iria acontecer em 2015. Ninguém imaginava que o País iria retrair mais de 3,8%. A crise foi se agravando ao longo daquele ano. No primeiro momento já tomamos as primeiras medidas, como o corte do orçamento, o corte das cotas orçamentárias, e uma série de outras medidas que foram sendo tomadas ao longo daquele ano. Isso fez com que fechássemos um déficit, em que era esperado R$ 7 bilhões, em R$ 1,8 bilhão, lembrando que é o déficit orçamentário (o que falta na receita em relação a todas as despesas do estado, considerando inclusive o que resta a pagar), e o resultado primário próximo a R$ 4 milhões, no final de 2015. Agora em 2016 a expectativa é de um superávit primário superior a R$ 4 milhões,  e do ponto de vista orçamentário a gente deve fechar com certa de R$ 300  milhões a R$ 400 milhões de déficit. Esse é o número comparado ao R$ 1,8 bilhão do ano passado e R$ 7 bilhões do começo do ano passado, então estamos falando de um reequilíbrio fiscal muito significativo. Não tenho dúvidas de que este é o reequilíbrio mais forte que será tido de todo o País. 

Qual seria então o impacto deste pacote de ajuste fiscal que tramita na Assembleia?

Em primeiro lugar, eu gosto de chamá-lo de programa e não pacote. Ele tem um caráter muito distinto de tudo que foi feito até agora. Até agora  o que fizemos foi uma correção de rota. Diante da crise, nós precisávamos segurar as despesas para evitar uma situação como a do Rio de Janeiro. O que está sendo feito agora é um processo de consolidação deste movimento, que não tem mais como objetivo evitar o colapso e sim criar condições de investimento no estado e da normalização de todas as suas despesas. Anteriormente fizemos um controle das despesas e agora queremos que as despesas fiquem abaixo das receitas para que sobrem recursos para investir, inclusive para pagar os passivos que foram acumulados nos anos de crise, que são importantes, fomentando o recurso para as empresas que têm hoje débitos para com o estado que remontam os anos de 2015 e 2016 ,e que elas precisam destes recursos também para conseguir investir nelas próprias e em seus investimentos. O Programa de Austeridade pelo Crescimento visa dar condições para a interação econômica para o estado de Goiás, tanto do ponto de vista do investimento público como do ponto de vista do investimento privado. 

A oposição na Assembleia já esboça uma reação a este programa, apoiando alguns  pontos, mas no que diz respeito ao funcionalismo ela se coloca contra. É possível que o governo reveja alguns destes pontos?

Sobre está questão o governador vai definir um interlocutor. Como sempre, o governador está sempre aberto ao diálogo. É importante que se diga que aqui nós temos três pilares neste programa. O primeiro deles é manter o crescimento vegetativo da folha, porque ele tem, inclusive, impedido que o Estado pague a data-base, com forma de se dar um tratamento mais isonômico para o servidor público de uma maneira geral. Este primeiro pilar serve, inclusive, para que a gente consiga organizar. Olha, estamos em uma situação que é o seguinte: a folha do estado de Goiás cresceu 70% entre 2011 e 2015. Isso equivale a um crescimento real de 30%. Ao mesmo tempo o número de servidores não cresceu. Por outro lado, nós temos todas as outras categorias com pleitos legítimos, mas o Estado não tem condição de atender, por que há distorções em várias categorias. O que eu costumo dizer é que nós temos uma folha maior do que o Estado dá conta, e nós temos servidores que estão absolutamente insatisfeitos. É uma situação em que todo mundo está na pior, e nós não estamos conseguindo pagar a folha. O secretário Joaquim Mesquita (da Secretaria de Planejamento) tem feito um trabalho absolutamente fantástico de mapeamento dos planos de cargos e salários. E a gente percebe que há distorções em que o servidor tem toda a razão em ir lá e pedir uma revisão do seu cargo e salário. Então, precisamos sentar e organizar para conseguir corrigir estas distorções através deste primeiro pilar.

Secretária, mas os crescimentos vegetativos são planos aprovados. Essa discussão na Segplan (Secretaria de Estado de Gestão e Planejamento) vai resultar em mudanças nas leis já existentes ou esse cronograma já muda com o tempo?

A PEC já contém progressões automáticas e promoções por três anos, como está escrito em um dos seus itens, que é o que ao longo da entrevista estou chamando de freio de arrumação. E com isso haverá mudanças nos planos que já existem. Isso seria, dentro das condições financeiras do Estado, uma organização geral e uma pacificação geral destas demandas que são legítimas, mas infelizmente inviáveis dentro do contexto econômico do Estado. Por isso é necessário fazer uma revisão geral o organizada de tudo isso. Outro ponto, o segundo pilar, é a questão da Previdência. Por todo o Brasil, principalmente no caso do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais, o grande problema é a Previdência e não a folha de ativos. Temos que começar a conter esse problema. Hoje, Goiás tem um déficit de 150 milhões de reais mensais nos pagamentos previdenciários, e isso é bancado pelo Tesouro. E o aumento da contribuição está sendo feito no País inteiro e não só em Goiás. Ontem, inclusive, foi aprovado o relatório do senador Armando Monteiro, sobre o projeto de renegociação das dívidas que coloca uns 14%. Nós colocamos 14,25% porque já estamos em 13,25%. É uma forma de reduzir de uma forma muito leve o déficit, até porque o déficit não vai ser resolvido só com 14,25%. O Estado vai ter que continuar aportando esse diferencial. Assim como o primeiro pilar é manter o pagamento dos funcionários públicos e conseguir fazer o pagamento da data base, aqui é proteger o servidor para que ele consiga se aposentar daqui a pouco e evitar que o inativo não consiga receber. O segundo ponto, então, é conseguir fazer esse aumento da contribuição, e lembrando que isso significa também o aumento da contribuição patronal. 

O terceiro ponto, e terceiro pilar, é a questão da receita que tem duas razões. Uma é a criação de fundo de estabilização fiscal que exige uma contribuição de 15% sobre os incentivos, e o segundo é a restrição para fazer novos programas de anistia fiscal para que a gente não tenha os impactos sobre a arrecadação instantânea que estes programas geram. 

Qual é a proposta para os grandes devedores? Como arrecadar mais mesmo com muitos devedores?

Às vezes a empresa tem uma dívida enorme e até quer pagar, mas não é interessante do ponto de vista econômico para ela levar essa discussão para a Justiça, que vai demorar 10 anos, e no final não ganha a causa para o Estado. É necessário dar para este conjunto de devedores a possibilidade de pagar a sua dívida com algum benefício e com alguma viabilidade financeira. É por isso que estes programas têm que existir, eles só não podem existir de forma corriqueira, que aí a gente tem outro grupo que tem uma demanda contra o Fisco, e tem uma demanda contra os empresários e uma demanda muito grande. 

Secretária, a senhora citou as medidas anunciadas pelo governo federal, para a renegociação das dívidas do Estado. Goiás está prestes a aplicar estas medidas muito à frente de outros estados. Como elas vão beneficiar o Estado e como vão influenciar na dívida da União?

Boa parte dos benefícios deste projeto já está sendo apropriado pelo Estado de Goiás. É o seguinte: nós temos uma dívida com a União que vai ser prolongada, e isso já aconteceu. Foi feito um acordo com o próprio STF e homologado pela União. O Estado, desde junho, vem usufruíndo desta anistia pelo pagamento. A gente volta a partir de janeiro de 2017  a pagar uma escadinha de 0,5% ao mês crescente. O que vêm adicionalmente favorecer o Estado de Goiás foi a inclusão uma emenda que coloca também outra dívida com a União que não tinha sido incorporada no acordo inicial. Isso também vai dar ao Estado um fôlego no ano que vem para que a gente consiga ampliar a nossa capacidade de investimento. Fora isso existe as contrapartidas. As contrapartidas que foram recolocadas no relatório do senador Armando Monteiro já estão sendo cumpridas pelo Estado de Goiás, pelo menos boa parte, que são as contrapartidas da Previdência, a do teto de gastos e outras. As contrapartidas todas nós estamos cumprindo, a única diferença é que teremos um benefício final com a lei 8.727 e a renegociação das dívidas do BNDS no projeto que a gente ainda não tinha realizado. 

Qual o tratamento a senhora acha que o Estado tem que dar à parte que lhe cabe na venda da Celg D?

O que eu posso dizer em relação à Celg é o que eu vivi em relação a ela. Em primeiro lugar, eu posso dizer que de todas as ações que o Estado de Goiás realizou nestes dois anos em que eu tive a honra de participar, este é o legado mais concreto que o Governo de Goiás vai deixar para os goianos. Por mais polêmica que a discussão ideológica seja, nós temos aí um grupo global que se instala em Goiás, comprando uma empresa e vai colocar nela 8 bilhões de reais, em um momento que a economia nacional está derretendo e a crise política continua pairando sobre as nossas cabeças. Do ponto de vista do consumidor, ele terá uma empresa que funciona e que investe na melhoria do serviço prestado. Ou seja, nós temos capacidade de atração de investimento e um consumidor que irá estar muito mais bem servido. Por último, e não menos importante, Goiás recebe aí cerca de 1 bilhão de reais para fazer investimento e alavancar recursos. Então, eu só vejo coisas positivas para o Estado de Goiás em relação à venda da Celg. Para o governador Marconi Perillo, este investimento tem que ser revertido em benefícios para o Estado de Goiás. 

A gente percebe que o governador Marconi Perillo, nos últimos anos, tem protagonizado movimentos relevantes no que se diz respeito à defesa dos Estados do Centro-Oeste. Que papel a senhora acha que Marconi vai ter daqui para frente em relação ao cenário político nacional? Você acha por exemplo que ele tem condições de ser indicado pelo partido do PSDB para disputar o cargo de presidente da República? 

O governador Marconi é uma liderança absolutamente diferenciada. Eu falo isso com muita tranqüilidade, porque antes eu não o conhecia. Eu cheguei em Goiás em janeiro de 2015. Passei 30 anos fora de Goiás e absolutamente fora do cenário político, apesar da minha mãe ser a senadora Lúcia Vânia (PSB) e do meu primo, Marcos Abrão (PPS), ser deputado federal. Eu nunca participei da cena política em Goiás. 

Foto: reprodução 

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