Possibilidade de eleições indiretas divide opiniões

Com o governo Temer sangrando, lideranças políticas se dividem quanto à forma de escolha de um novo presidente da República

Postado em: 23-05-2017 às 10h10
Por: Sheyla Sousa
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Com o governo Temer sangrando, lideranças políticas se dividem quanto à forma de escolha de um novo presidente da República

Mardem Costa Jr.

Ahecatombe política dos últimos dias deixou o horizonte brasileiro com grossas nuvens de incerteza. Com o agravamento da situação do presidente Michel Temer (PMDB), fortemente atingido pelas delações dos executivos da holding J&F, a possibilidade do peemedebista não finalizar o mandato é real, o que em tese provocaria a convocação de eleições indiretas. No entanto, vários segmentos da sociedade se manifestam contraa possível escolha de um novo presidente da República pelos 594 deputados federais e senadores – cerca de metade deles citados ou investigados no âmbito da Operação Lava Jato.  

Temer pode perder o mandato caso os congressistas avalizem um processo de impeachment – pelo menos dez pedidos de abertura estão na Câmara dos Deputados para serem avaliados – ou ainda se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmar a cassação da chapa encabeçada por Dilma Rousseff (PT) e Temer, eleita em 2014. A votação no TSE pode ser acelerada devido aos últimos acontecimentos e, segundo os bastidores políticos de Brasília, colocaria um ponto final na passagem do ex-deputado paulista pelo Palácio do Planalto.

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O cientista político Francisco Tavares, professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (FCS-UFG), acredita que uma parte das elites políticas e econômicas vai impor a escolha indireta do novo presidente da República sem maiores discussões, de modo a evitar a possibilidade de candidatos outsiders – pessoas fora do meio político – em uma eleição direta ou mesmo de uma postulação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera as pesquisas de intenção de voto para a disputa eleitoral de 2018.

“O mesmo Parlamento que elegeu Eduardo Cunha [presidente da Câmara], que possui vários parlamentares investigados na Lava-Jato e que tentou produzir reformas impopulares, contrárias aos interesses dos cidadãos”, acrescenta. Tavares avalia ainda que a escolha indireta remete ao tempo da ditadura militar, quando os militares ungidos pelo regime eram escolhidos pelos congressistas via Colégio Eleitoral. “Fazer esse procedimento, ainda que temporariamente, seria reviver um triste momento da história brasileira”.

Questionado pelo O HOJE se toda a hecatombe provocada pelos recentes escândalos políticos servirá para purificar o ambiente da política, o professor é enfático. “Os processos jurídicos que tendam a afastar quase todas as lideranças políticas de cena e a deixar vazios políticos não costumam, ao contrário do imaginário do senso comum, garantir maior democratização, controle ou transparência na administração pública”, finaliza, ao rememorar a ascensão do controverso empresário italiano Silvio Berlusconi do entulho político da Itália pós-Operação Mãos Limpas, no começo dos anos 1990.

Diretas

Enquanto isso, partidos de oposição ao atual mandatário cobram a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece eleições diretas no caso de vacância da Presidência da República. A iniciativa, de autoria de Miro Teixeira (REDE-RJ), estava parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara desde o ano passado. A matéria volta à pauta hoje na comissão, a mais importante da Casa.“Vamos retomar a discussão da PEC em razão de um apelo de vários deputados que entenderam que era o momento de pauta-la”, disse o presidente da CCJ, Rodrigo Pacheco (PMDB-MG),ao portal G1.

Uma das primeiras vozes a favor do impeachment de Michel Temer, Alessandro Molon (REDE-RJ) discorda da PEC do correligionário de partido e estado. “No meu entendimento, não há necessidade nem de PEC [para convocar eleições diretas]. A lei eleitoral prevê e deveria ser aplicada. Seja qual for o caminho, a linha de chegada tem que ser a eleição direta”, disse o deputado à Rede Brasil Atual.

Ao mesmo tempo, no último domingo (21), o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), liberoupara julgamento uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) proposta pelo PSD que questiona a previsão de novas eleições em todas as hipóteses de cassação do candidato eleito, prevista após a aprovação da minirreforma eleitoral, em 2015. Para o partido, a regra é inconstitucional, além de afrontar a jurisprudência eleitoral. 

Segundo juristas, legislação possui lacunas 

De acordo com o artigo 81 da Constituição de 1988, em caso de impedimento legal do mandatário ou do vice nos últimos dois anos do mandato, caberá ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), assumir a gestão interinamente e ao presidente do Congresso e do Senado Federal, Eunício Oliveira (PMDB-CE), convocar e organizar a sessão de eleição indireta em um prazo de trinta dias. 

Por sua vez, a Lei Complementar 64/1990 preconiza que, no caso de presidente da República, não pode ser eleito quem tenha exercido um cargo de ministro de Estado, advogado-geral da União ou consultor geral da República, além de cargos de magistrados, governadores e prefeitos. A regra, em tese, impede todos os principais nomes que tem surgido, como o da ministra Cármem Lúcia, do STF.

Apesar da previsão constitucional não há, de acordo com juristas, uma lei específica sobre um pleito presidencial indireto depois do afastamento de dois presidentes, situação inédita no país. Cogitada como uma possível saída jurídica, a lei 4.321/1964 – regulamento utilizado na eleição indireta dos presidentes durante o regime militar – entra em contradição com a Carta Magna brasileira.

Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o advogado Afrânio Cotrim defende a escolha indireta e refuta a criação de uma PEC das eleições direitas, por ele avaliada como casuística. “Não me surpreendo com nada nessa atual conjuntura. A legislação [de acordo com a Constituição] deveria ser cumprida como está, sem casuísmo jurídico, e baliza adequadamente a questão. Não entendo como uma situação atípica possa justificar a mudança do ordenamento jurídico”, assinala, pontuando a necessidade da reforma no sistema político brasileiro ser reavaliada pelos congressistas.

A mesma opinião é comungada juiz federal Marcos Mairton, em artigo divulgado na internet . “A rigorosa aplicação da Constituição nesses momentos de crise favorece um valor muito caro às sociedades civilizadas: a segurança jurídica. Porque ao buscar na Carta Magna a saída para a crise, tem-se um mínimo de previsibilidade. Com isso, as instituições se fortalecem. Ao revés, se, diante da crise, altera-se a lei máxima, é como se Constituição não houvesse, e passa a prevalecer o (des)equilíbrio de forças do momento. Sem previsibilidade, sem segurança”, conclui. 

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