Ex-empregado dos Bolsonaro revela supostos crimes cometidos pela família

Em entrevista a coluna do Guilherme Amado, do portal Metropolis, Marcelo Luiz Nogueira dos Santos, que é um ex-empregado que trabalhou durante

Postado em: 03-09-2021 às 10h56
Por: Pedro Jordan
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Marcelo Luiz Nogueira afirma ter sido obrigado a participar de esquema de rachadinhas e chegou a trabalhar em condições análogas a escravidão. Foto: Reprodução

Em entrevista a coluna do Guilherme Amado, do portal Metropolis, Marcelo Luiz Nogueira dos Santos, que é um ex-empregado que trabalhou durante 14 anos para a família Bolsonaro, afirma ter testemunhado nesse período a prática de uma série de crimes que teriam sido cometidos pela advogada Ana Cristina Valle, atualmente ex-mulher do presidente, e pelos parlamentares Flávio e Carlos Bolsonaro, respectivamente primeiro e segundo filho de Jair Bolsonaro (Sem partido).


Segundo o colunista, após o ex-servidor se demitir por não receber o salário pedido, Marcelo Luiz reconstituiu detalhadamente todos os anos em que serviu à família, quando passou por quatro funções. Ele começou o trabalho na campanha de 2002 de Flávio para deputado estadual. Entre 2003 e 2007, foi lotado no gabinete de Flávio na assembleia do Rio.


Depois da separação do presidente e de Ana Cristina, em 2007, passou a ser, a pedido de Bolsonaro, uma espécie de babá de Jair Renan “conhecido como 04”, filho do casal, até a advogada deixar o Brasil e se mudar para a Europa. Após isto, entre os anos de 2014 e 2021, trabalhou como empregado da ex-esposa de Jair em suas casas, primeiro em Resende (RJ), e nos últimos meses em Brasília (DF).

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Marcelo afirma ter devolvido 80% de tudo o que recebeu no gabinete de Flávio nos quase quatro anos em que foi seu servidor na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj): cerca de R$ 340 mil no total, segundo ele.

O ex-servidor reforça que Ana Cristina foi quem precedeu Fabrício Queiroz e era a encarregada de recolher as rachadinhas não só no gabinete de Flávio, mas também no de Carlos, eleito vereador da Câmara do Rio em 2000. Somente depois da separação de Jair e Ana Cristina, em 2007, Flávio e Carlos teriam assumido a responsabilidade pelo recolhimento dos valores dos funcionários de seus gabinetes.


Ele acusa Ana Cristina de ter formado todo o seu patrimônio, que em 2020 estava estimado em R$ 5 milhões, usando uma série de laranjas, inclusive na compra da mansão em que ela mora atualmente em Brasília, no Lago Sul, com o filho, Jair Renan.


De acordo com Marcelo, Ana Cristina forjou um aluguel da residência, que na verdade ela o comprou, por meio de dois laranjas, com quem firmou um contrato de gaveta, ou seja, um documento informal não registrado em cartório, para que eles repassem o imóvel para seu nome após o encerramento do financiamento.

O objetivo seria ocultar da imprensa para a compra de mais um imóvel de luxo pela família Bolsonaro. O caso foi noticiado pelos repórteres Letícia Casado, Juliana Dal Piva, Eduardo Militão e Rafael Moraes Moura.

Ele conta que, a casa estava sendo negociada por um valor entre R$ 2,9 milhões e R$ 3,2 milhões. O ex-funcionário afirma não saber o valor final da transação, mas enfatiza que tanto ele quanto Jair Renan ouviram a advogada falando sobre a negociação.

Segundo ele, Ana Cristina teria usado, além do financiamento em nome dos falsos proprietários, os recursos da venda de um imóvel e de reservas que ela guarda desde a época em que comandava o desvio de dinheiro dos gabinetes de Flávio e Carlos.

Marcelo cita que Ana Cristina não se envolvia no eventual recolhimento de valores dos funcionários do gabinete de Jair Bolsonaro como deputado federal, restringindo-se a articular o esquema na Alerj e na Câmara Municipal do Rio. Todo mês, segundo ele, sacava 80% de seu salário e entregava o dinheiro em espécie nas mãos da advogada. Todos os assessores de Flávio, de acordo com o ex-empregado, faziam o mesmo, bem como os de Carlos.

Após a separação do casal, quando Marcelo deixou o gabinete, Ana Cristina o levou para trabalhar em seu escritório de advocacia. Ele afirma ter sido procurado por Jair Bolsonaro, que teria lhe pedido que passasse a morar na casa de Ana Cristina, para cuidar de Jair Renan, na época com 9 anos.

Ele morou com ela, como empregado doméstico, até 2009, quando a advogada se mudou para a Noruega, onde se casou novamente, com o noruguês Jan Raymond Hansen. A relação de trabalho se tornaria então uma relação de amizade, a ponto de ir visitá-la na Europa.

Em 2014, quando Ana Cristina retornou para o Brasil, Marcelo Luiz conta ter passado novamente a trabalhar na casa dela, em Resende, onde ficou até fevereiro de 2021, quando a advogada decidiu se mudar para Brasília e o convidou para acompanhá-la. Começaria ali a crise que o levou a pedir demissão, deixar sua casa e decidir contar tudo o que sabe.

Marcelo Luiz havia combinado um salário de R$ 3 mil em Brasília, mas Ana Cristina teria descumprido o acordo e, alegando falta de dinheiro, pagava apenas R$ 1,3 mil mensais. Todo mês, ele cobrava o valor acordado, sem sucesso. Sem meios de sair da mansão, o empregado acusou Ana Cristina de mantê-lo em condições análogas às de uma pessoa escravizada.

“Falei para ela: ‘Cristina, não sou obrigado a morar na sua casa. Trabalho para ter meu canto e em Brasília tudo é caro. Você pensa que vou ficar na sua casa e ser seu escravo? A escravidão já acabou. Você é racista. Isso é racismo. Você me tirou lá do Rio só porque em Brasília eu não tenho ninguém e não conheço nada? Acha que vou aceitar o que quer fazer comigo?’”, contou.


Marcelo afirma que ele deixou a casa em junho, com a ajuda de Jair Renan, e passou algumas semanas no apartamento de Jair Bolsonaro, no Sudoeste, também em Brasília. Em agosto, retornou ao Rio de Janeiro, porém, antes disto, procurou Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal e fez uma denúncia de violações trabalhistas contra a advogada. O MPT no DF confirmou à coluna que o empregado, de fato, fez a denúncia e uma investigação foi aberta para apurar o que aconteceu.


O ex-funcionário nunca teve sua carteira assinada por Ana Cristina, tampouco por Jair Bolsonaro, quando o presidente o contratou para ser babá de Jair Renan. Ele conta ter conhecido a advogada por meio de um namorado dele, em 2002, que era cabeleireiro de Ana Cristina. Sabendo que ela era casada com Jair Bolsonaro, o cabeleireiro pediu a ela um emprego para Marcelo. Ana Cristina teria, então, indicado Marcelo para a campanha de Flávio a deputado estadual.

Após a eleição, ele assumiu um cargo de assessor parlamentar de nível quatro no gabinete de Flávio Bolsonaro, onde trabalhou de 19 de fevereiro de 2003 a 6 de agosto de 2007, com salário bruto oficial de R$ 7.326. A coluna confirmou no Diário Oficial da Alerj todas essas informações.


A própria Ana Cristina teria determinado a devolução de parte do salário. O esquema foi colocado como condição para obtenção do emprego. Jair, Flávio e Carlos teriam, segundo ele, conhecimento de tudo. Ainda de acordo com Marcelo, os percentuais repassados variavam caso a caso, e alguns dos funcionários eram também fantasmas.

Marcelo diz, no entanto, que, com o passar do tempo, Flávio e Carlos ficaram incomodados com o fato de ser Ana Cristina quem comandava o esquema, e passaram a ter embates com a madrasta. Ele chegou até a trabalhar com Fabrício Queiroz, mas num período em que o então PM ainda não era um dos cabeças do que o Ministério Público do Rio de Janeiro chamou de organização criminosa voltada para os crimes de peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa e apropriação indébita.

O MP do Rio de Janeiro já investigava Marcelo Luiz, inclusive ele foi uma das pessoas que tiveram os sigilos fiscal e bancário quebrados pela Justiça do Rio em abril de 2019.

A defesa de Flávio Bolsonaro afirmou para a coluna que publicou a matéria, que o parlamentar desconhece as afirmações de Marcelo Luiz Nogueira dos Santos. Também disse não saber de supostas irregularidades que possam ter sido praticadas por ex-servidores da Alerj ou possíveis acertos financeiros que eventualmente tenham sido firmados entre esses profissionais. A nota ainda afirmou que Flávio sempre seguiu as regras da Assembleia Legislativa e que tem sido vítima de uma campanha de difamação.

Ana Cristina também foi procurada por Guilherme Amado para apresentar sua versão dos fatos, mas não respondeu.

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