Ex-motoristas denunciam suposto esquema de rachadinha em gabinete

Leidson Alves, que usava crachá e dirigia carro oficial mesmo sem nomeação, afirma que recebia dinheiro que seria oriundo de devolução de assessores

Postado em: 23-09-2021 às 08h14
Por: Redação
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Leidson Alves, que usava crachá e dirigia carro oficial mesmo sem nomeação, afirma que recebia dinheiro que seria oriundo de devolução de assessores | Foto: Yago Sales

Por Yago Sales

Presidente da Associação dos Motoristas de Aplicativos do Estado de Goiás (Amago), Leidson Alves dos Santos se empenhou meses a fio durante a campanha eleitoral que elegeu Paulo Henrique da Farmácia (PTC) para uma vaga de vereador de Goiânia, em 2020. Em abril, com a saída dos emedebistas da gestão do prefeito Rogério Cruz (Republicanos), Paulo Henrique deixou a Câmara e assumiu a Secretaria de Desenvolvimento e Economia Criativa (Sedec). O suplente Célio Silva (PTC) assumiu o cargo.

Em março, quando o titular da Sedec ainda dava expediente na Casa Legislativa Municipal como vereador, Leidson foi chamado para conversar. Lá, ele teria recebido das mãos do chefe de gabinete, Paulo Victor Gomes Coelho, um crachá provisório e o direcionamento de como pegar, em dias intercalados, o carro oficial, abastecer e acompanhar o político nas agendas externas.

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O tempo passou e a nomeação no Diário Oficial não foi publicada. Leidson estranhou, mas quando começou a questionar o chefe de gabinete sobre o salário, soube que deveria esperar até cinco dias após o pagamento dos servidores nomeados. Ali começava uma saga que duraria pelo menos quatro meses. Segundo Leidson, ele recebia o valor de R$2 mil em espécie no próprio gabinete ou na casa de um assessor, Gabriel Costa Lago, chamado de “Gabrielzinho”, no Balneário Meia Ponte.

O bairro é o reduto eleitoral de Paulo Henrique da Farmácia e onde a reportagem do O Hoje encontrou três dos sete nomeados no gabinete, em horário de expediente, fazendo trabalhos que nada têm nada a ver com o de assessoria parlamentar de um vereador. A reportagem, publicada na edição do dia 21 de setembro, identificou cinco doadores de campanha de Paulo Henrique que não apareciam na Câmara. Os salários chegavam até R$5 mil

Com diversos prints e áudios de conversas trocadas com o chefe de gabinete e com Gabriel, Leidson afirma que recebia por meio de um suposto esquema de “rachadinha” até quando foi dispensado, em agosto. “Recebia em espécie, um monte de dinheiro que estava sempre em um envelope”, conta ele. Ainda segundo a denúncia, que o ex-motorista repetiu em pelo menos três encontros com o jornal, para receber, ele precisava pressionar tanto o chefe de gabinete Paulo Victor quanto o assessor Gabriel. Segundo ele, os dois sabiam do modus operandi.

Em uma conversa em um aplicativo de mensagens do dia 17 de junho, Leidson pergunta a Gabriel: “Que dia cai o pagamento?”. “Vamos ver de hoje pra amanhã”, responde o assessor. Leidson, então, cobra o Paulo Victor. “Uai… o Gabrielzinho tá na correria. Mas vou ver pra ele adiantar o seu pra sair logo”, prometeu o chefe de gabinete. Às 21h53, Leidson volta a cobrar Gabriel. “Tem que esperar o Paulo Victor”, insiste.

No dia 18 de julho, outra vez o pagamento é cobrado. “Segunda acho que dá certo. Tem que ver com o chefe pv [Paulo Victor]”, responde. Em áudios enviados, Gabriel justifica: “O trem não organizou ainda não, pode ficar tranquilo, na hora que der certo eu já te falo. Não depende de mim, não”.

Segundo Leidson, a expressão “correria” era constantemente utilizada no contexto do pagamento. “Ele ia buscar o dinheiro das pessoas [nomeados] que dividiam”, afirma ele, sem especificar quem dos assessores participava do suposto esquema de devolução do valor. Confrontado com as denúncias, o chefe de gabinete Paulo Victor nega as acusações “veementemente”. Sobre a suposta atuação de Gabriel, ele esclarece: “a serviço do gabinete eu nego veementemente que faça isso. Não sei se ele faz por outros motivos”. A respeito de ele mesmo pagar ao Leidson: “desafio qualquer pessoa a provar que isso aconteceu”.

Além de usar o crachá provisório da Câmara Municipal e dirigir o carro oficial, Leidson participava até de um grupo de WhatsApp chamado “Gab.Ver.Paulo Henrique”. Titular da cadeira na Câmara, Célio Silva ficou de fora deste grupo, administrado por Paulo Henrique da Farmácia e Paulo Victor, mesmo após assumir a Sedec, onde eram discutidos assuntos referentes a projetos da Câmara e a rotina do secretário.

O chefe de gabinete afirmou que não tinha conhecimento que Leidson usava o carro oficial e usava o crachá provisório mesmo sem nomeação. Confrontado sobre o repórter já ter visto Leidson em agendas do Paulo Henrique da Farmácia, inclusive com o próprio Paulo Victor, ele insistiu: “não me recordo”. Paulo Victor também negou que Leidson tenha usado o carro oficial da Câmara, mas reconheceu que ele dirigia o carro da Prefeitura.

“Gabrielzinho tocou no assunto de rachar”, afirma motorista nomeado

Leidson foi desligado do gabinete depois de ter reclamado com Paulo Henrique da Farmácia sobre a cobrança de um “pix” para conseguir um procedimento médico para o pai, eleitor do político. A história, segundo Leidson, começou quando ele fez uma postagem no grupo em que participava pedindo ajuda para o pai.

O motorista Márcio Leandro Ferreira Gomes teria procurado Leidson no privado e pedido um “pix” para repassar a uma pessoa ligada à saúde municipal. “Um café de R$50”, confirmou Márcio, em um dos dois encontros com a reportagem. Indignado, Leidson cobrou explicações diretamente com o Paulo Henrique da Farmácia, que afirmou não ter ciência deste tipo de cobrança. Por causa da polêmica, o motorista Márcio Leandro foi afastado e, depois, exonerado. O mesmo aconteceu com Leidson, apenas dispensado, já que não tinha nenhum vínculo legal com a Câmara.

A história foi confirmada pelos dois ex-motoristas do gabinete. Confrontado com as denúncias feitas pelo Leidson do suposto esquema de rachadinha, Márcio disse à reportagem que, depois de ser nomeado, ouviu do Gabriel algo sobre dividir o salário. “Um dia eu estava com o Gabrielzinho e ele tocou no assunto. ‘Márcio, se acontecer de um dia alguém falar pra você de devolver o dinheiro, eu disse que ia sair lá de casa algemado’. Parou a conversa.”

Ainda segundo Márcio, certo dia o assessor Gabriel deixou uma suposta lista com o nome de assessores do gabinete dentro do carro. “Eu peguei e dois depois ele me procurou para saber da lista”, afirma. Segundo o ex-motorista, à frente do nome de alguns assessores teria um valor anotado e que seria para devolução. A reportagem insistiu para ter acesso ao conteúdo, mas Márcio disse que, em momento oportuno, o entregaria ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).

Depois de dar as declarações, Márcio pediu para a reportagem gravar um áudio em que afirma que tem medo de morrer. Dois dias depois do último encontro com a reportagem em um café na T-4, Márcio enviou 13 áudios. Pedia para que a história não fosse contada. “Se você quiser ficar aqui em Goiânia como eu vou ficar, você não publica. Não estou te ameaçando, mas estou te botando a par do problema. Não publica, não publica.” Logo depois, enviou outra: “A última vez que vou falar com você. Meu irmão, não publica. Se o trem for publicado o trem vai se estender para o seu lado e vai ser pior.” O jornal quis saber se o motorista estava sofrendo alguma ameaça, mas ele não respondeu.

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