Câmara volta a discutir o passaporte da vacina contra Covid-19 em Goiânia

Assunto ainda divide opiniões entre deputados e vereadores

Postado em: 26-10-2021 às 09h07
Por: Felipe Cardoso
Imagem Ilustrando a Notícia: Câmara volta a discutir o passaporte da vacina contra Covid-19 em Goiânia
Assunto ainda divide opiniões entre deputados e vereadores | Foto: Reprodução/Carlos Costa

Depois da Câmara Municipal de Goiânia se debruçar intensamente sobre a discussão do intitulado passaporte da vacina, foi a vez a Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) trazer mais robustez ao debate. Na manhã da última segunda-feira, 25, o deputado Cairo Salim (Pros) chamou para si a discussão e, imbuído da presença de diversas autoridades no assunto, não hesitou em trucidar qualquer possibilidade que atente contra a “liberdade” das pessoas. 

“Estamos falando de algo muito importante para todos nós: o direito constitucional de ir e vir. Vivemos um momento onde a população, graças também a uma pressão midiática muito grande, está em pânico, com medo de algo que já deveria ter passado há muito tempo. Primeiro, nos pressionaram a utilizar máscara, depois nos pressionaram à vacinação e agora já existe mundo afora essa questão doentia do passaporte sanitário, querendo obrigar as pessoas, inclusive aquelas que já tiveram a covid-19 e que já possuem uma imunidade maior do que quem se vacinou, como eu, a se vacinarem”, defende Salim.

O discurso do parlamentar veio logo após o início de uma audiência pública nas dependências da Assembleia Legislativa para debater a vacinação compulsória. De acordo com o parlamentar, a iniciativa se dá pelo fato de existirem muitas dúvidas científicas, políticas e sociais a respeito da pandemia. Outro questionamento, segundo ele, diz respeito aos efeitos das vacinas aplicadas em humanos, sem passar por todas as fases previstas nos protocolos de pesquisas. Deste modo, o legislador frisa que o passaporte sanitário de vacinação é uma perigosa iniciativa que pode restringir a liberdade das pessoas e flexibilizar direitos. 

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“Vacinas que outrora a gente via com 90%, 85% de eficácia, hoje vemos que elas possuem 30% ou 40%. Então estamos sim em fase de testes. Estamos sendo testados o tempo inteiro com a utilização dessas vacinas que foram produzidas em um mês. Enquanto outras vacinas que somos obrigados a tomar enquanto crianças ou adultos passaram por 10 ou 15 anos de testes. Estão querendo, agora, proibir a circulação de pessoas e já existem empresas anunciando a demissão de funcionários que não comprovarem terem recebido as doses. O mundo está em polvorosa. Tem uma guerra civil na Europa por causa dessas restrições e não podemos deixar isso chegar a esse ponto”, argumentou o parlamentar. 

Psiquiatra compara o passar com o apartheid

Participante do encontro, a médica psiquiatra Akemi Scarlet Shiba exibiu uma sequência de slides e dados que embasaram seu parecer. Segundo ela, em breve, caso o passaporte prospere, a população tende a se deparar com uma situação “bastante séria”. “Estão criando uma novo apartheid, o apartheid sanitário. Vai haver, e já está ocorrendo, conflitos entre a população. Muitos estão sendo discriminados por não se vacinaram, ou seja, já iniciamos com um problema social”, disse.

Na interpretação da profissional, o vírus “não usa passaporte”. A médica diz que apesar de vários países já terem aplicado o passaporte como barreira de contenção do vírus, a medida não se mostra eficaz. “Temos um exemplo muito claro que é o de Israel quando, em fevereiro, já havia mais de 60% da população vacinada e eles instituíram o green pass, que tem como ideia o bloqueio sanitário. Esse passaporte se mostrou totalmente errado. Seis meses depois houve um enorme surto da delta [variante]. Não valeu de nada fazer todo aquele controle de fronteiras, pois as novas mutações estão escapando das vacinas”.   

Por sua vez, o médico infectologista da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e perito médico federal, Francisco Eduardo disparou: “estamos vendo a sombra do facismo pesar no horizonte goiano através do passaporte vacinal”. Na interpretação do palestrante, “toda vez que se quer fazer o controle social de massa e discriminar populações se arruma um pretexto”. E continuou: “No passado foi a cor da pele, a etnia, a origem e agora é o status vacinal”. 

Não se trata, para ele, apenas de uma vacina. “O grande erro que estão cometendo é o de comparar essa vacina com as vacinas tradicionais do calendário brasileiro, que já são testadas e usadas há décadas, que tem segurança, eficácia e controlam endemia e doenças. Não temos várias vacinas contra sarampo de diversos tipos e modelos, temos um tipo. Por outro lado temos três, quatro tipos de vacina contra a covid até o momento, o que denota certa falta de padronização quanto ao tipo de tecnologia vacinal que se usa para covid. Sem contar que nenhuma impede a transmissão da doença”. 

Segundo o médico, as vacinas não podem ser tratadas como esterilizantes. “Tendo um passaporte sanitário você não vai proteger ninguém. Posso dar o exemplo clássico do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, cuja covid se manifestou em Nova York. Ele tinha o passaporte, ele podia entrar em qualquer museu ou restaurante nova iorquino e contaminar todos que ali estavam. Uma das características desse passaporte é criar uma falsa sensação de segurança para as pessoas que o usam, de forma que a tendência desses locais que o pedem é de afrouxar as demais regras de segurança de uso interno do estabelecimento. (…) passaporte sanitário é uma hipocrisia. A vacina não impede a morbidade, a mortalidade e te deixa exposto a pegar o vírus, então pra que diabos serve essa vacina neste momento?”, questionou. 

Nos comentários, durante a transmissão ao vivo do encontro pelas redes sociais, diversas pessoas se manifestaram a favor das ideias pontuadas na audiência não apenas pelos convidados, mas também pelo deputado. Alguns deles chegaram a dizer que “a mídia é o vírus”. Outra ainda questionaram a obrigatoriedade das máscaras de proteção facial: “já tiraram o direito de respirar com o uso das famigeradas focinheiras”, escreveu uma internauta. 

Projetos

A audiência foi proposta na intenção de ampliar a discussão e derrubar a proposta assinada pelo deputado Lucas Calil (PSD) que garante às empresas o direito de exigirem comprovante de vacinação a funcionários e clientes. “Com todo respeito ao deputado, mas não podemos deixar que esse projeto seja aprovado. É um completo absurdo”. Ao falar sobre o assunto, o parlamentar também usou como exemplo o projeto de lei de autoria do vereador Marlon (Cidadania) retirado de pauta na semana passada na Câmara Municipal de Goiânia. “O autor desistiu depois da nossa pressão e da sociedade”, disse. 

O projeto de lei citado pelo parlamentar foi alvo de polêmica no Legislativo. Durante a tramitação da matéria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)  do Parlamento, populares invadiram o encontro para se manifestarem contra e a favor do projeto. Na ocasião, a reunião terminou encerrada e mais tarde, após retomarem a discussão em local mais apropriado e seguro, o autor da matéria decidiu recuar e terminou retirando a matéria de pauta.  O vereador justificou o recuo com base em um decreto da prefeitura de Goiânia que, segundo ele, contemplava as medidas trazidas pelo projeto. 

Antes da debandada, porém, encontros semelhantes ao da manhã da última segunda também aconteceram na Câmara. Vale lembrar que no último dia 20, o passaporte sanitário foi discutido em uma audiência pública presidida pelo vereador Kleybe Morais (MDB). O debate se pautou contrário à instituição e obrigação de um passaporte que garanta a vacinação contra Covid-19 para adentrar em locais públicos e privados.

Defensora aguerrida da derrubada do projeto do passaporte na Casa de Leis, a vereadora Gabriela Rodart (DC) foi além. Ela é autora do projeto que visa revogar a obrigatoriedade do uso de máscaras  de proteção facial. O texto é embasado, segundo o gabinete da vereadora, em estudos que questionam a “baixíssima eficácia de proteção do equipamento”. “Com a medida, pretende preservar as liberdades individuais e o direito do cidadão de fazer suas próprias escolhas”, argumenta em nota disparada à imprensa. 

A revogação, segundo ela, busca combater a postura acomodada e tirana do Estado de obrigar a população e os setores produtivos. “Repassar ao cidadão o dever do uso de máscaras também é um caminho cômodo, que visa propagar a indústria de multas”. Em outro trecho de sua defesa, Rodart ainda parafraseia Santo Tomás de Aquino ao dizer que “a lei humana não deve controlar a intimidade do homem”.

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