“No Brasil, a história de um indivíduo é determinada pelo CEP”, diz Paulo Tafner

Especialista comenta sequência de problemas que afetam o desenvolvimento do País e, consequentemente, o destino de milhões de brasileiros

Postado em: 14-12-2021 às 08h37
Por: Felipe Cardoso
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Especialista comenta sequência de problemas que afetam o desenvolvimento do País e, consequentemente, o destino de milhões de brasileiros | Foto: Reprodução

Os jornalistas Wilson Silvestre e Edna Gomes conversaram, na última semana, com o economista Dr. Paulo Tafner. Em entrevista ao programa Face do Poder, do Jornal O Hoje, Tafner, comentou alguns dos diversos problemas que assolam o País e agravam a vida de milhares de brasileiros. Para além da Economia, o especialista também chamou atenção para assuntos relacionados à Educação e Saneamento Básico.

Tafner, que é doutor em Ciência Política e professor da Universidade Cândido Mendes, atua, ainda, como pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e representa um dos maiores nomes no quesito previdência social do Brasil. É também autor dos livros: Demografia a Ameaça Invisível:  O dilema previdenciário que o Brasil se recusa a encarar e  Previdência no Brasil – Debates, dilemas e escolhas.

A entrevista na íntegra já está disponível no canal O Hoje no YouTube, basta pesquisar por O Hoje News  para   ter   acesso   ao conteúdo  completo.   A  seguir,   você   confere   alguns dos questionamentos, bem como as respostas de Tafner para cada um deles:

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Edna Gomes: Em artigo para o portal InfoMoney no ano passado, o senhor disse que o ‘Projeto Brasil’ deve voltar para a prancheta. Sua tese continua valendo ou sofreu alterações?

“Nós precisamos rever nossas escolhas. Avançamos muito em algumas dimensões, mas em outras não. Nós aumentamos em 30 anos a despesa social, o que é bom, por exemplo. Mas a consequência disso foi o aumento brutal da carga tributária.

Acontece que a gente continua tendo aquela lógica pública de que para a melhoria dos serviços prestados à população é sempre necessário aumentar as despesas. É essa lógica que precisamos voltar para a prancheta. Hoje, gastamos tanto quanto países de renda semelhante a do Brasil, em várias áreas sociais, e ainda assim nossos resultados não são bons. 

A gente gasta com Educação tanto quanto o Chile, mas vemos que eles contam com um desempenho educacional muito melhor do que o nosso. Gastamos com Saúde o que é a média dos países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], e ainda assim o nosso resultado não é bom. Apesar do SUS [Sistema Único de Saúde] ser muito bom, temos que melhorar seu desempenho. Da mesma forma, gastamos com justiça o dobro do que se gasta em Países ricos, e, mesmo assim, menos de 3% dos crimes no Brasil chegam à fase final. 

Com o Parlamento, a mesma coisa. Gastamos o dobro do que se gasta nos Estados Unidos, em termos de percentual do PIB [Produto Interno Bruto]. Ainda assim, vemos um Legislativo que demora muito para atualizar a legislação e tomar decisões básicas. (…) Nesse sentido, precisamos voltar para a prancheta e fazer do País um País mais funcional”. 

Wilson Silvestre: O rombo da Previdência no País chegou a R$ 368,2 bilhões em 2020, equivalente à metade do déficit primário do Governo Federal. Por que é tão difícil cortar privilégios dos mais abastados do serviço público? 

“É difícil cortar privilégios daqueles que são mais abastados, não apenas dos servidores. Mas é difícil cortar privilégios dos empresários que detém enorme poder no País, por exemplo. Acabamos de ver a renovação daquele benefício dado pela ex-presidente Dilma [Rousseff] de isenção tributária para alguns setores. Mais uma vez. Aquilo que era para ser transitório. Sem contar que atinge pouquíssimos grupos empresariais e custa uma fortuna. 

Cortar privilégios das elites é muito difícil. Enfrentar a pressão de grupos organizados, como os dos juízes, dos promotores, procuradores, de algumas carreiras do Executivo, como os auditores fiscais, beira o impossível. (…) Esses grupos têm enorme vocalização nos Parlamentos. A política no Brasil, lamentavelmente, é feita por pequenos grupos com parcelas grandes do Poder. Essa é a razão pela  qual é muito difícil cortar privilégios. 

Aqui no Brasil, os juízes têm dois meses de férias. Se você falar isso nos Estados Unidos, na Inglaterra, Alemanha ou Japão, as pessoas vão pensar que você está falando de outro planeta. Mas essa é a realidade. Infelizmente há um entendimento por parte de um certo grupo de profissionais que acha isso absolutamente legítimo. Qualquer avanço é bom, mas é difícil avançar”.

Edna: Ainda sobre déficit público, o do Brasil chegou a R$ 7,01 trilhões em outubro e atingiu o patamar de 82,9% do PIB. O senhor acredita que o próximo presidente do Brasil vai conseguir estancar o rombo? 

“Isso é um desafio para o próximo governo. Um desafio que em última instância é do presidente, mas [em primeira] da sociedade brasileira também. Costumo dizer que, apesar de envelhecermos, haja vista que o grupo etário idoso está crescendo no País, o que vemos é que o nosso comportamento social ainda é adolescente. 

Nos recusamos a tomar decisões de maneira racional, como os adultos fazem. Queremos comer filé mignon, mas não queremos que o boi morra, por exemplo. A sociedade brasileira se recusa a tomar decisões como essa”. 

Wilson Silvestre: Diante deste quadro crescente nos gastos da máquina pública, é possível que o País cresça pós pandemia?

“O Brasil e o mundo podem crescer. Temos liquidez internacional, temos espaços para investimentos; um Brasil inteiro a ser construído. Eu sempre digo para as pessoas, que metade dos municípios não têm esgoto, por exemplo. Isso é um mundo a ser feito. E por isso mesmo temos ampla possibilidade de crescimento acelerado no Brasil, mas isso depende de instituições e regras que incentivem o crescimento. Esse é o dever de casa que temos que fazer. 

Nós avançamos, por exemplo, com o Marco Regulatório do Saneamento. Vamos ter investimentos grandes na área do saneamento muito em breve.  É algo que já está acontecendo e isso é bom para o País”.

Edna: O sr. é um paladino na defesa da qualificação profissional e igualdade de oportunidades para todos. Será que um dia o pobre alcança o mesmo nível de conhecimento do rico na disputa pelo emprego?

 “A questão não é ser pobre ou rico. O Brasil tem um problema que é o seguinte: nascer pobre ou rico é uma questão de sorte ou azar. Se estivéssemos produzindo condições mínimas para que o pobre tivesse acesso à acumulação de capital humano, como uma boa escola, boa saúde, saneamento na porta de casa, ele teria nascido pobre, mas poderia ficar rico. 

O problema é que a história de um indivíduo no Brasil é determinada pelo CEP onde ele nasceu. As condições para acumulação desse capital humano não são adequadas para aqueles que nasceram pobres. E isso é uma ação de Estado”.

Wilson Silvestre: O desemprego alcança com severidade as camadas mais desprotegidas da população, empurrando a mão de obra menos qualificada para o subemprego. Existe saída para este fosso entre ricos e pobres?

“Esse instinto, nesse caminho, não. Mas como disse, nós temos um desafio enorme que é superar um problema do século XIX, que é o saneamento básico no Brasil. Saneamento é obra de infraestrutura, de engenharia civil, que na mão de obra menos qualificada pode ser altamente  aproveitada em uma  expansão da rede de água e esgoto, por exemplo. 

Da mesma forma, temos muita possibilidade de crescimento do emprego na área de serviços. O Brasil tem muito espaço para crescimento de prestação de serviço, seja à criança, ao jovem, aos idosos, à indústria, à manutenção, à revisão. Enfim, tudo isso pode ser feito com uma mão de obra menos especializada que, com certeza, aumentaria muito o emprego entre aqueles menos favorecidos”

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