“Doria entende o papel que SP pode ter no mundo”, diz secretário de Relações Internacionais

Secretário de Relações Internacionais do governo paulista comenta sobre a importância dos escritórios de representação em Xangai, Dubai, Munique e Nova York

Postado em: 03-03-2022 às 08h33
Por: Marcelo Mariano
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Secretário de Relações Internacionais do governo paulista comenta sobre a importância dos escritórios de representação em Xangai, Dubai, Munique e Nova York | Foto: Reprodução

À frente da área internacional do principal estado brasileiro, o secretário de Relações Internacionais do governo paulista, Julio Serson, afirma que o governador João Doria (PSDB) entende o papel que São Paulo pode ter no mundo.

Não é à toa, portanto, que a sua gestão decidiu abrir escritórios de representação no exterior, mais especificamente em Xangai (China), Dubai (Emirados Árabes Unidos), Munique (Alemanha) e Nova York (Estados Unidos), algo inédito para um ente subnacional brasileiro.

Em entrevista exclusiva ao jornal O Hoje, concedida no dia em que a Rússia invadiu a Ucrânia, Serson comenta, entre outros assuntos, sobre a atuação internacional de São Paulo e o momento atual da diplomacia brasileira, além, é claro, da guerra no Leste Europeu.

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“O que acontece hoje é um momento de exceção, em que a política está interferindo no Itamaraty. Se o governo federal deixasse a diplomacia trabalhar, evidentemente que a posição do Brasil no mundo seria muito melhor. O Itamaraty é maior do que todas essas ingerências. A diplomacia brasileira vai superar isso e em breve vai voltar a poder agir com a independência, a sabedoria e a capacidade que sempre teve”, frisa.

Empresário ligado aos setores turístico, agropecuário e imobiliário, o secretário de Relações Internacionais de São Paulo é formado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), tem especializações em Hotelaria pela Universidade de Cornell e em Administração por Harvard e já ocupou a mesma pasta na Prefeitura da capital paulista.

Como a Secretaria de Relações Internacionais do Estado de São Paulo tem acompanhado a situação na Ucrânia?

O dia da invasão foi um dia triste em que as relações internacionais foram colocadas em segundo plano. Uma guerra totalmente extemporânea, uma invasão de um país soberano e pacato, que não demonstra perigo. Com a invasão, quem sofre as consequências é o povo ucraniano diretamente. São Paulo está acompanhando de perto. Apesar de não ser um país, temos uma posição importante no mundo, com formadores de opinião, população e poderio econômico. O governador Doria está muito preocupado. Ele me orientou a falar com o cônsul da Ucrânia em São Paulo e oferecer todo apoio e solidariedade, inclusive para ajuda dos ucranianos no Brasil que tenham dificuldade de contato com parentes. E também estamos procurando saber sobre a presença de cidadãos de São Paulo na Ucrânia que precisam de apoio. Ainda há espaço para negociação, para a Rússia voltar atrás do que fez. Sabemos que é difícil, mas temos esperança de que as tropas sejam retiradas e o processo de paz na região possa ser restabelecido.

São Paulo foi pioneiro no Brasil em relação aos escritórios de representação no exterior, uma prática já adotada por entes subnacionais de outros países, como Alemanha e Canadá, por exemplo. De onde surgiu a inspiração para implementá-la?

Essa é uma inspiração do próprio governador Doria, que vem da iniciativa privada, com uma experiência muito globalizada de lidar com diversas regiões no mundo. Ele entende perfeitamente o papel que São Paulo pode ter no mundo, principalmente nas relações comerciais e de negócios. É importante esclarecer que esses escritórios são basicamente mantidos pela iniciativa privada ou pelos governos locais, ou seja, o custo é baixíssimo ou quase nenhum. Eles trazem negócios, investimentos e novas empresas. Esse é o papel da Secretaria de Relações Internacionais. Acompanhamos as questões diplomáticas, mas sabemos que essas questões competem mais ao Itamaraty, e nós temos um papel de atrair investimentos e geração de oportunidades e emprego.

Quais foram os critérios adotados para escolher Xangai, Dubai, Munique e Nova York?

Quando o governador Doria orientou a Secretaria de Relações Internacionais, a Investe SP e outros setores do governo a terem esses escritórios, ele olhou estrategicamente o mundo, discutiu e trocou ideias conosco para atrair novos investimentos. São critérios objetivos, e também pesou o apoio que recebemos de governos locais. Primeiro, Xangai, com o papel da China no mundo. Dependendo do critério, a China fica entre o primeiro ou segundo parceiro comercial de São Paulo. O governo chinês prontamente nos ajudou na montagem da estrutura porque também reconhece a importância de São Paulo, A China participou ativamente das privatizações, das parcerias público-privadas, investe constantemente e tem intercâmbio comercial. Depois, Dubai, com o objetivo de atender à região do Oriente Médio. Hoje, Dubai é um hub de comércio naquela região, que cresce muito. Esses escritórios de Xangai e Dubai têm apresentado resultados bastante positivos. Em Munique, o interesse é de atender ao mercado europeu. Estrategicamente, está numa região capaz de atingir outros países e outras cidades europeias. E Nova York, que abrimos em dezembro, não é só Estados Unidos, mas América do Norte. Canadá e um pouco do México. E ninguém discute a importância de Nova York.

Há expectativa de abrir mais escritórios em um futuro próximo?

Por enquanto, vamos nos manter com esses escritórios. Na Europa e nos Estados Unidos, de repente precisamos ter mais estrutura. Nova York por si só é um mundo. A costa oeste também é muito atrativa, tem a questão da tecnologia, do Vale do Silício. Estamos constantemente avaliando, mas talvez seja algo mais para o segundo semestre. Nada de imediato.

O senhor mencionou que os escritórios têm tido resultados positivos, especialmente os de Xangai e Dubai. Quais seriam exatamente esses resultados?

O escritório da China foi fundamental na questão das vacinas. A negociação do Instituto Butantan começou lá atrás em uma missão comercial do governo Doria a Xangai e Pequim. Ninguém ainda imaginava a pandemia, mas o Instituto Butantan nos acompanhou nessa viagem por meio do professor Dimas Covas, e ele já se preocupou naquela época em agendar uma reunião com o laboratório Sinovac por diversas questões. 

O Butantan, hoje, é um player da maior importância no mercado internacional de qualquer tipo de vacina. Durante a pandemia, o escritório de Xangai foi fundamental, ajudando na negociação direta para aquisição de vacinas, nos contratos e na questão burocrática. Além do dia a dia comercial, com exportação e importação, o grande feito foi a viabilização da compra das vacinas e a parceria entre Butantan e Sinovac. 

Sobre Dubai, em 2020, quando o escritório foi aberto no início do ano, um pouco antes da pandemia, o comércio subiu em 43 milhões de dólares. Ele era de 536 milhões de dólares e passou para 579 só entre São Paulo e Emirados Árabes Unidos. Isso dá a noção da importância desses escritórios. E volto a dizer, com uma estrutura muito enxuta e poucos funcionários, para ajudar principalmente as pequenas empresas. As grandes até tem estrutura, às vezes maior do que a do próprio governo paulista, mas as pequenas e médias não têm acesso a esses mercados. A orientação do governador Doria e do vice-governador Rodrigo Garcia é de prestigiar essas empresas, e os resultados concretamente aparecem.

Há claras diferenças sobre como o governo federal e o governo paulista pensam o mundo. Nesse momento de mais confrontação do que sintonia, qual é a importância da paradiplomacia, ou seja, a política externa dos entes subnacionais?

Assim como o governador, eu vim da iniciativa privada. Tive a honra de ser Secretário Municipal de Relações Internacionais e, quando ele venceu para governador, me convidou para ser secretário estadual, ou seja, eu transito nessa área já há alguns anos. Eu aprendi a respeitar muito a diplomacia brasileira, que é muito bem-conceituada. Nas andanças pelo mundo, conheci diversos embaixadores e cônsules, que atuam nas regiões mais distintas do mundo. Gente de muita qualidade, respeitabilidade, conhecimento e muita cultura na diplomacia. 

O que acontece hoje é um momento de exceção, em que a política está interferindo no Itamaraty. Se o governo federal deixasse a diplomacia trabalhar, evidentemente que a posição do Brasil no mundo seria muito melhor. O Itamaraty é maior do que todas essas ingerências. A diplomacia brasileira vai superar isso e em breve vai voltar a poder agir com a independência, a sabedoria e a capacidade que sempre teve. Sobre São Paulo, algo que me surpreendeu, desde a época de Prefeitura, é como somos considerados pelos outros países. 

Recebemos embaixadores de diversos países, que estão em Brasília e se deslocam para conhecer o nosso trabalho. Isso sem contar as agendas dos cônsules. Temos consulados em São Paulo de praticamente todos os países do mundo. São Paulo só perde em quantidade de representantes diplomáticos para Nova York, onde tem diplomata por causa da própria cidade e também por causa da ONU [Organização das Nações Unidas]. 

Para dar um exemplo, o Consulado dos Estados Unidos em São Paulo tem mais gente do que a própria Embaixada em Brasília, tirando o pessoal de segurança, devido à questão comercial. E a mesma coisa com outros países. Infelizmente, o momento é difícil para a diplomacia brasileira, mas São Paulo tem consciência que é um estado subnacional, respeitando as diretrizes do Itamaraty.

As parcerias de estados-irmãos, um mecanismo frequente na paradiplomacia, têm gerado algum tipo de resultado prático para São Paulo?

O secretário-executivo Affonso Massot, que é um embaixador de carreira, é quem coordena esses acordos. Fizemos com França, Reino Unido, Chile e estamos finalizando com os Estados Unidos. O próprio governo paulista com o próprio governo americano, e não com um estado americano. Eu entendo a pergunta, e concordo com o que está por trás dela. 

Fazer acordo por fazer não adianta. Isso precisa ficar muito claro. Esses acordos podem contemplar áreas como educação. O acordo com o Reino Unido prevê o estudo de inglês em escolas estaduais. Aí sim temos resultados práticos. O governador Doria é totalmente contra fazer acordos só por fazer. Fizemos esses acordos, com poucos países, por enquanto, onde a gente sente efeitos concretos.

Na sua opinião, os estados e as cidades deveriam ter mais autonomia constitucional em suas respectivas atuações internacionais?

Acho que as regras constitucionais são bastante razoáveis para a autonomia dos estados e municípios. Eu não senti dificuldade alguma. Somos um país, uma federação, respeitamos as orientações do Itamaraty, e temos a honra de contar com um diplomata de carreira. Então, não temos dificuldade para trabalhar nesse sentido. É preciso ter parcerias, querer trabalhar juntos. Existe um Fórum de Secretários Estaduais, que, atualmente, eu tenho a honra de coordenar. Nesse momento da pandemia, nossa preocupação maior ficou com a questão da saúde. Agora, estamos saindo desse momento triste, e espero que a guerra na Ucrânia não prejudique o mundo. Aí nós poderemos retomar esse fórum, com cooperação, inclusive, entre as próprias cidades e os estados brasileiros. É tudo uma questão de saber aproveitar as oportunidades e trabalhar em conjunto.

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