Machismo, desigualdade e opressão ainda afastam mulheres das eleições

Proibidas de votar desde a primeira Constituição escrita ainda no Império do Brasil em 1924, as mulheres só conquistaram o direito há 90 anos

Postado em: 12-03-2022 às 09h57
Por: Stéfany Fonseca
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Proibidas de votar desde a primeira Constituição escrita ainda no Império do Brasil em 1924, as mulheres só conquistaram o direito há 90 anos | Foto: Reprodução

A participação das mulheres na política caminha a passos lentos desde a primeira Constituição escrita ainda no Império do Brasil em 1924. À época, as mulheres eram proibidas de votar, tendo em vista que não estavam incluídas no grupo de cidadãos ativos, únicos com direito a votos, sendo inseridas na mesma categoria que os analfabetos e, pasmem, os loucos. Foi pelas mãos de uma mulher, Nísia Floresta, considerada a primeira feminista brasileira, que em 1984 impulsionou a discussão a partir do seu livro ‘Direitos das mulheres e injustiça dos homens’,  mas a permissão levou ainda mais 100 anos de luta.

Quando se observa o percurso realizado pelas mulheres para conquistar seus direitos fundamentais, observamos o quanto o trajeto foi penoso. Vale citar a resposta de um juiz brasileiro à estudante de Direito e sufragista, Diva Nolf Nazario, que pediu seu alistamento eleitoral em São Paulo em 1922. 

“Entendeu, por certo, a maioria de nossos representantes que, embora se deixasse aberta a porta a possíveis futuras inovações, não ainda o momento de romper com as tradições de nosso direito segundo as quais as palavras cidadãos brasileiros, empregadas nas leis eleitorais, designam sempre o cidadão do sexo masculino, elegível para os cargos públicos, na plenitude de sua capacidade, idoneidade para o trabalho, apto principalmente para defender a pátria, pegar em armas, bater-se por ele no exterior e pugnar pelos seus direitos na imprensa, na tribuna e em praça pública com as energias veemências próprias da organização viril”.

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Mulher negra no comando do Legislativo

Primeira vereadora negra a assumir o cargo de presidência da Câmara de Goianira, Kátia da Saúde, diz que ainda há um longo caminho a ser trilhado para a conquista dos direitos delas na política. Ela lembra da primeira mulher negra a assumir um mandato popular já na primeira eleição que permitiu a presença delas no pleito em 1934, Antonieta de Barros, e que isso abriu caminhos para as outras. “De lá para cá, tivemos avanços, que são inegáveis, mas ainda temos um longo caminho a ser trilhado”, lamenta.

Infelizmente, o patriarcado ainda esmaga a presença feminina, não só na política, mas nos espaços de poder. Ao ser questionada sobre essa presença e a ausência em papéis de maior destaque, Kátia diz que “querendo ou não a política ainda é uma coisa muito machista no nosso país”.

Em 2020, pesquisa realizada em Goiás pelo DataSenado, buscou investigar fatores que levam lideranças femininas a não se candidatarem. Dentre os motivos, as entrevistadas apontaram machismo, sobrecarga de atividades atribuídas às mulheres pela sociedade e empecilhos do sistema político partidário.

Em 2018, as eleições resultaram em avanços na proporção de mulheres candidatas e eleitas, um recorde em relação à representação feminina em eleições desde a redemocratização, mas o índice está longe de ser satisfatório.

Existe um consenso nas falas femininas, a representatividade e a inclusão por parte dos partidos políticos no processo eleitoral, é necessária e urgente para enfrentar os entraves pelo percurso.

Disparidades

A presença das mulheres na política tem ganhado espaço, apesar da, ainda, baixa representatividade. Maioria da população, elas são também maioria das eleitoras, com 52,49% dos votos. Apesar da presença majoritária nas votações, em 2020, apenas 15% foram eleitas, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

A disparidade é evidente, então, para garantir a partição delas, o Brasil vem adotando, desde os anos noventa, uma série de regras eleitorais para aumentar a quantidade de candidatas e de eleitas nas eleições proporcionais.

O estímulo à participação feminina por meio da cota de gênero é previsto na Lei das Eleições. Antes, a indicação de mulheres para participar das eleições era por coligação, agora, será por partido, ou seja, cada partido preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo.

Além disso, desde as eleições de 2018, os partidos políticos devem reservar pelo menos 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, conhecido como Fundo Eleitoral, para financiar as campanhas de candidatas durante o período eleitoral.

“Essa é uma forma que a legislação encontrou uma composição um pouco menos desequilibrada, mas infelizmente os partidos constroem apenas para cumprir a cota definida. Precisa haver um movimento das mulheres e entrarem”, diz Dra. Cristina, Secretária Municipal de Direitos Humanos e Políticas Afirmativas de Goiânia.

Para garantir um ambiente político mais seguro e uma disputa mais justa, os partidos devem concretizar ações, é o que explica Mariana Prandini Assis, professora de Ciência Política da UFG. “A primeira é os partidos deixarem de encarar as cotas como um problema que eles devem enfrentar apenas no ano eleitoral, e passarem a vê-las como uma oportunidade de expansão da participação da mulher na vida partidária e institucional”.

“A segunda medida é fazer o compromisso público com mulheres candidatas de que elas terão efetivo apoio dos partidos, o que significa ter o mesmo tempo de TV e rádio que as candidaturas masculinas, ter o mesmo financiamento para suas campanhas, ter apoio para lidar com a suas duplas e triplas jornadas de trabalho, ter apoio em caso de ataques pessoais”, finaliza a professora.

Movimentos

O grupo, Organização Goianas na Urna, busca promover uma mudança na compreensão atual de que ser mulher é um impeditivo para a legislatura. O projeto é comprometido com pautas democráticas, pela igualdade de oportunidades, pela equidade, justiça social e, sobretudo, pelo aumento da representatividade feminina nos espaços legislativos.

“Não basta cumprir a cota de 30% na chapa é necessário dar condições para que essas candidatas sejam competitivas, através do repasse de fato de recursos, de formação política de lideranças, mas o melhor seria se isso fosse representativo da população, não só entre mulheres, mas também na participação de mulheres negras, pardas e indígenas. Então, essa obrigatoriedade dos partidos, ela tem uma intencionalidade positiva, mas a forma como ela é executada ainda é muito deficitária” enfatiza a Organização Goianas na Urna.

Na prática, a cota de 30% não alcançou o êxito esperado por que os partidos políticos, apesar da Lei e enquanto instituição machista burlaram a regra, colocando candidatas conhecidas como “laranjas” nas chapas para cumprir “tabela” e os recursos destinados a elas acabam sendo repassados os candidatos da chapa.

Em 2020, um grupo feminista entregou um manifesto ao Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO), no qual alegam que os partidos Avante, Cidadania, PL, PMB, PSB, PSC, PSL, PTB e PTC não cumpriram a legislação em Goiânia, referente a cota feminina.

Presença

A vereadora Aava Santiago (PSDB) lamenta punições aplicadas ao partido pela falta de representatividade. “Infelizmente, o PSDB foi multado pelo TSE há alguns anos, o PSDB nacional por não ter investido em formação de quadros de mulheres para que a gente dispute as eleições”, comenta.

Primeira mulher presidenta do PSDB goianiense, a tucana explica, que esse já é um indicativo de como o partido vem buscando se posicionar. “As mulheres ocupando espaço de poder não é só para a gente fortalecer a democracia, não é só para a gente ampliar a participação, é para a gente garantir condições dignas de sobrevivência e oportunidades para que mulheres estejam em condições de além de exercer seus direitos, alcançarem os seus desejos”, finaliza.

Em contrapartida, a deputada Adriana Accorssi (PT) cita ações desenvolvidas para ampliar o acesso de mulheres na política. O partido criou o projeto Elas por Elas, o objetivo é fiscalizar o envio dos recursos a candidaturas femininas, entre outras ações. “Nós entendemos que dessa forma nós democratizamos a política brasileira para que ela de fato represente a sociedade, que é imprescindível na democracia, e nesse sentido o partido tem uma prioridade em apoiar as mulheres também na suas candidaturas”.

Atualmente, a baixa representação é observada na Assembleia Legislativa, com apenas duas deputadas. “Eu acredito que a representatividade das mulheres no parlamento, que hoje está muito aquém do que é justo, uma vez que somos maioria da população e dos eleitores, ela é um requisito mínimo para a democracia na política no Brasil”, finaliza Accorssi.

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