Violações e ataques à imprensa amargam Dia do Fim da Censura no Brasil

Represálias ao exercício profissional dos jornalistas e educadores vêm sendo colecionadas nos últimos anos, voltando a macular e ameaçar

Postado em: 05-08-2022 às 07h56
Por: Redação
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Dirigentes da Empresa Brasil de Comunicação, foram apontados como os responsáveis por praticamente todos os casos notificados | Foto: Reprodução

Luciana Lima

A semana foi marcada por comemorações sobre o Fim da Censura no Brasil. A data remete à aprovação de conteúdo sobre o tema, inscrito na Constituição Federal, em 1988. Como resultado, o povo brasileiro passou a ter assegurado, a partir de então, o direito à livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, ficando proibida qualquer forma de repressão de natureza política ou ideológica.

A vedação explícita à censura e o reconhecimento do papel do Estado como garantidor das liberdades listadas, emerge como uma dos principais legados do regime democrático que se consolida após duas décadas de repressão imposta por sucessivos governos militares. 

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Pouco mais de 30 anos se passaram desde que essas conquistas foram efetivadas, mas retrocessos neste campo já podem ser notados. À semelhança de momentos anteriores, representantes da imprensa e da classe artística permanecem entre os principais alvos. 

Violações e ataques contra o exercício profissional de ambas as categorias vêm sendo colecionadas nos últimos anos, voltando a macular e ameaçar, assim, a jovem democracia nacional. As agressões têm crescido consideravelmente nos últimos anos. A escola também é outro ponto na mira. 

Censura à imprensa

Segundo relatório divulgado em janeiro pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), em 2021, a censura emerge como a principal forma de violência contra a liberdade de imprensa no Brasil. Ao todo, foram identificados 140 casos ao longo do ano. O número corresponde a 32,56% dos ataques à categoria registrados durante o período. 

Dirigentes da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que é uma entidade pública federal, foram apontados como os responsáveis por praticamente todos os casos notificados, acumulando 138 denúncias, no total. 

Ao todo, foram contabilizadas 430 agressões. Além da censura, também foram registrados 131 episódios de descredibilização da imprensa, 58 ataques verbais e virtuais, 33 ameaças e intimidações, 26 agressões físicas, 15 cerceamentos por vias judiciais, 8 ataques contra organizações sindicais, 7 impedimentos do exercício profissional, 4 ataques cibernéticos, 4 atentados, 1 injúria racial e 1 assassinato.

O documento aponta, ainda, que os ataques à liberdade de imprensa, entendida como livre produção e divulgação de informações jornalísticas, têm se mantido em crescente alta nos últimos três anos, batendo, a cada um deles, um novo recorde. Os números são considerados os mais elevados, desde que a Fenaj iniciou o registro da série histórica, na década de 1990. 

Censura à cultura

Já no campo da cultura e das artes, foram registrados 222 casos de censura nos últimos três anos. Isso é o que revela o levantamento divulgado pelo Movimento Brasileiro Integrado pela Liberdade de Expressão Artística (Mobile). 

Segundo relatório, a maioria das ocorrências (192, no total) foram protagonizadas pelo Poder Executivo, em especial o Federal, que monopolizou 72% dos registros. 

Até a data de fechamento desta reportagem, o Mapa da Censura já havia contabilizado 27 notificações do gênero, somente neste ano. Dentre estas, estão várias proibições a manifestações políticas em grandes eventos, como o Festival Lollapaloozza e as tradicionais festas de São João, no nordeste. 

Há ainda a promessa de investimento de recursos da Lei Rouanet em projetos pró-armas e vetos a leis de incentivo ao setor cultural nos estados e municípios, como a Aldir Blanc e a Paulo Gustavo. Ambos os artistas homenageados nas legislações citadas, faleceram em decorrência da pandemia da covid-19. O governo federal justifica que as políticas foram reprovadas porque contrariam o interesse público. 

“Lei da Mordaça”

Embora a liberdade de ensino também esteja constitucionalmente assegurada, algumas iniciativas vêm tentando impor limites a esse direito. Neste contexto, estão incluídas formas de censura a práticas e conteúdos pedagógicos e também ataques contra professores e educadores. 

Um projeto que tem repercutido e movimentado debates nos últimos anos é o que visa a instituição da chamada Escola sem Partido. Segundo levantamento divulgado no Manual de Defesa Contra a Censura nas Escolas, atualmente existem cerca de 230 leis aprovadas ou projetos de lei em tramitação nos parlamentos de todo o país. 

No âmbito federal, a matéria tramita por meio do PL 7180/2014, proposta pelo pastor evangélico e ex-deputado federal Erivelton Santana (Patri/BA). 

Em Goiás, propositura de igual teor foi protocolada, inicialmente, em 2014, por meio do então deputado emedebista Luiz Carlos do Carmo – hoje senador pelo PSC. Com tramitação encerrada por decurso de prazo, o tema voltou à agenda do Parlamento goiano, na atual Legislatura. O projeto, defendido pelo deputado Delegado Humberto Teófilo (Patriota), em 2019, também teve sua tramitação encerrada, desta vez, a pedido do próprio autor.  

Projetos desta natureza têm sido reiteradamente considerados inconstitucionais por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). 

Os demais opositores argumentam que iniciativas do gênero obstruem o acesso dos estudantes ao pensamento crítico e a uma formação cidadã, dando lugar ao conservadorismo, ao autoritarismo e ao fundamentalismo cristão na educação. Por esta razão, medidas com orientações similares acabaram ganhando o apelido de “Lei da Mordaça”. A principal polêmica recai sobre a abordagem de gênero e sexualidade nas escolas.

No Congresso, todas as iniciativas que visavam barrar o avanço do movimento conservador, acabaram tendo sua tramitação apensada à proposta do ex-deputado Erivelton Santana. Dentre estas estão as que defendem a Escola Livre ou Sem Mordaça. Ambos os projetos foram apresentados por representantes da bancada do PSOL, tendo sido protocolados, respectivamente, em 2016 e 2019.

Reflexões sobre o fim da censura

Para a geógrafa Daisy Caetano, que também milita junto ao Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino, a data marca uma oportunidade de se relembrar o processo de ditadura vivida no país e, com isso, reforçar a luta em prol da democracia, do diálogo e da livre discussão de ideias. “O fim da censura é o combate ao regime em que houve propagação de ódio e cerceamento de posições políticas legítimas. Relembrar seu fim é uma forma de dizer ‘não’ ao silêncio imposto e afirmar que continuaremos exercendo uma prática política respeitosa no nosso cotidiano”, manifestou. 

A entrevistada também aproveitou a ocasião para chamar atenção às diferentes intencionalidades implícitas no debate, refutando ataques e ofensas propagadas em nome do direito à liberdade de expressão. “No momento político que vivemos precisamos ter cuidado com confusões provocadas intencionalmente. Nenhuma ideia pode ferir, disseminar ódio ou invocar ideais discriminatórios. Em respeito a vida de todas as pessoas e grupos precisamos nos posicionar contra o racismo, o machismo, a LGBTfobia, o capacitismo e todas as formas de discriminação”, reivindicou. 

A defesa de Daisy é reiterada no depoimento da deputada Delegada Adriana Accorsi (PT). “Celebrar o fim da censura no Brasil é celebrar a abertura Democrática em nosso país e o respeito aos direitos dos cidadãos previsto na Constituição Federal de 88. A liberdade de expressão intelectual, artística, científica e comunicativa deve ser garantida para todos”, propagou a petista, que é titular da Comissão de Direitos Humanos na Casa.

A fala de Adriana encontra ecos no relato dado pelo próprio presidente do colegiado, o deputado Rafael Gouveia (Republicanos). “Calar, de forma explícita ou velada, qualquer pessoa, seja por ideologia política, religiosa ou artística, não faz parte do Brasil moderno que lutamos para ter. A liberdade à informação e à manifestação de opinião é um direito assegurado que eu, enquanto presidente da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa, vou sempre defender”, arrematou o parlamentar.

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