Vereadores de Senador Canedo criticam abertura de ambulatório destinado à população trans; “Deus criou homem e mulher”

Os vereadores Daniel Cardoso (PSC), Eliel José (Podemos) e Celismar Lima (PROS) consideraram inadequado o uso do dinheiro público para atendimento de pessoas trans

Postado em: 10-08-2022 às 19h37
Por: Ícaro Gonçalves
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Os vereadores Daniel Cardoso (PSC), Eliel José (Podemos) e Celismar Lima (PROS) consideraram inadequado o uso do dinheiro público para atendimento de pessoas trans | Foto: Reprodução

A inauguração do Ambulatório Regionalizado do Processo de Afirmação de Gênero (Arpagesc) em Senador Canedo foi motivo de discussão e debates na Câmara Municipal do município na última terça-feira (9/8). Os vereadores Daniel Cardoso (PSC), Eliel José (Podemos) e Celismar Lima (PROS) consideraram inadequado o uso do dinheiro público para atendimento de pessoas trans, usando inclusive passagens bíblicas para as críticas.

Com a Bíblia nas mãos, o vereador Daniel Cardoso (PSC) defendeu que pessoas que não se identificam com o gênero designado no nascimento devam buscar tratamento com recursos próprios. “Se eles querem fazer a troca de sexo, porque não fazem com o dinheiro deles, porque tem que usar o dinheiro público para fazer isso? (…) Deus fez homem e mulher. Nós somos criados por Deus todo poderoso”, disse.

“Se você nasceu homem, peça a Deus sabedoria para que tire isso de dentro de você e que te cure, te salve. E se não conseguir curar, faça uma poupança, vende um carro, uma casa, vai para São Paulo e paga do seu bolso”, declarou Daniel.

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Para Eliel José, vereador pelo Podemos, o dinheiro público não deve ser utilizado para o que chamou de “ideologia de gênero”. Em nota, o vereador afirmou que, ao investir na criação do ambulatório, a prefeitura deixou de priorizar o atendimento ligado à maternidade, o que considerou “uma área basilar no município”.

Celismar Lima (Pros) também defendeu que os interessados custeiem o próprio procedimento, usando como argumento o fato de homossexualidade não ser mais considerada doença desde 1990.

O Arpagesc foi inaugurado em 29 de julho com objetivo de prestar atendimento multidisciplinar à população transexual e travesti de Senador Canedo e outros 24 municípios próximos. Entre os tratamentos oferecidos por meio do Sistema único de Saúde (SUS) está o processo transexualizador, que possibilita a redesignação de sexo para homens trans, mulheres trans e travestis.

O ambulatório serve também como ponto de apoio ao trabalho realizado pela Secretaria de Estado de Saúde de Goiás, oferecido pelo Hospital Estadual Alberto Rassi (HGG).

Após a sessão de terça (9/8) na Câmara, os vereadores Daniel Cardoso e Eliel José emitiram notas reforçando seus posicionamentos. Confira:

Vereador Daniel Cardoso (PSC) :

“Eu, vereador Daniel Cardoso, venho a público manifestar em relação à polêmica estabelecida sobre minha fala durante a sessão legislativa no dia 09 de agosto de 2022, reafirmando minha posição de defesa dos princípios administrativos em que o atendimeno na área de saúde deve ter prioridade, e é sabido que estamos em déficit em atendimentos básicos na municipalidade. Fomos, portanto, surpreendidos com o empenho em se estabelecer políticas públicas de saúde junto às minorias enquanto outras também minorias estão sofrendo em filas de espera em busca de cirurgias, tratamentos e procedimentos igualmente importantes para a sociedade, maternidade fechada há 1 ano. Neste sentido, reafirmamos nosso compromisso com o povo de Senador Canedo e esperamos que todas as áreas de atendimento em saúde tenham a mesma dedicação e empenho destinado à pauta neste momento tratada.”

Vereador Eliel José (Podemos)

“Em última sessão realizada, ontem, dia 09, expus de maneira direta e concisa aquilo que defendo e acredito, portanto, reitero, que a minha discordância quanto às ações tomadas pelo executivo municipal estão pautadas na prioridade, ou seja, o atual prefeito despendeu recursos para uma área e deixou de priorizar uma área basilar no município que é a nossa maternidade, totalmente ausente. Atualmente, tanto o HGG quanto o Hospital das Clínicas possuem atendimento às pessoas Trans, já as mães de nosso município sofrem se deslocando para outras localidades pois o atendimento aqui é insuficiente, e até hoje a maternidade não foi entregue aos cidadãos. E por fim, ratifico que tenho profundo respeito a todos os cidadãos, sem qualquer distinção de cor, religião ou orientação sexual.”

Foto: Divulgação/Prefeitura de Senador Canedo

Questão de saúde pública

Por nota, a prefeitura informou que “o Ambulatório Regionalizado do Processo de Afirmação de Gênero é um serviço de saúde pública, que oferece atendimento médico e multiprofissional aos transexuais e travestis”. Além disso ressaltou que atende a todos, independente de estigmas.

O Município conta com diversos serviços e programas de amparo para os cidadãos, com atendimento psicossocial para dependentes químicos e pessoas com transtornos mentais através do CAPS, amparo para mulheres e crianças que sofrem violência sexual e doméstica através dos projetos desenvolvidos pela Secretaria de Assistência Social, programas voltado a saúde de pessoas com déficits físicos e intelectuais através da Secretaria Municipal de Saúde e diversos outros serviços que são divulgados diariamente através dos canais oficiais da Prefeitura“, relatou a prefeitura, em nota.

Direto garantido

Em 2008, o Sistema Único de Saúde (SUS) concebeu o processo transexualizador, passando a permitir o acesso da população a procedimentos com hormonização, cirurgias de modificação corporal, assim como acompanhamento multiprofissional.

O programa foi redefinido e ampliado pela Portaria 2803/2013, passando a incorporar como usuários do processo transexualizador do SUS os homens trans e as travestis, tendo em vista que até então apenas as mulheres trans eram assistidas pelo serviço.

Para ser atendido, o usuário precisa ir à Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro onde mora, fazer uma consulta com um médico clínico geral. Em seguida, ser encaminhado pela regulação Regional Centro-Sul de Saúde de Goiás para o Arpagesc.

Após cerca de dois anos de acompanhamento, os pacientes podem ser encaminhados para procedimentos cirúrgicos na Rede Sistema Único de Saúde (SUS), se houver indicação específica da equipe multidisciplinar ambulatorial.

CID-11

Desde 1990 a transexualidade não é mais considerada transtorno mental. A atualização foi adotada mundialmente a partir da adoção da 10ª Classificação Internacional de Doenças (CID), tratado das causas de morte e tipos de doenças organizado pela OMS e atualizado regularmente.

Já na edição mais recente do CID, a 11ª, a transexualidade é classificada como “incongruência de gênero”. O termo se refere a indivíduos que não se identificam com o gênero atribuído ao nascimento.

Isso significa o reconhecimento de transexuais como pessoas que podem necessitar de cuidados médicos, especialmente durante um processo de transição de gênero (que envolve cirurgias e terapia hormonal) e não mais como pessoas que precisam de tratamento psiquiátrico.

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