Culto na igreja de Michelle Bolsonaro tem distribuição de santinho e oração por candidato

Propaganda política é proibida em igrejas, mas pastor pediu voto para Crivella e "benção" para Jair Bolsonaro.

Postado em: 20-09-2022 às 14h13
Por: Redação
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Propaganda política é proibida em igrejas, mas pastor pediu voto para Crivella e "benção" para Jair Bolsonaro. | Foto: Reprodução

Por Mariama Correia | Agência Pública

Enquanto os shows do Rock in Rio agitavam as noites da capital fluminense, o mega templo da Igreja Batista Atitude, na Barra da Tijuca, leva seu público aos mesmos efeitos sinestésicos do festival de música. Os cultos da Igreja frequentada pela primeira-dama ofereciam overdoses de luzes apontadas para um palco multimídia com três telões destacados no ambiente escuro. Para arrematar o inebriante clima “gospel pop”, uma banda tocava louvores abusando da bateria e dos solos de guitarra. Tudo isso em plena manhã de domingo, dia 11 de setembro, menos de um mês antes das eleições.

A Batista Atitude é uma igreja com estilo pop, que somente este ano quase duplicou sua quantidade de templos no país, passando de 21 para 40 igrejas. O crescimento tem relação com a popularidade de Michelle Bolsonaro, que faz parte do ministério de libras da congregação e promove encontros de células da igreja dentro do Palácio do Planalto. 

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Culto na igreja Batista Atitude com show de banda pop gospel. | Foto: Reprodução| Facebook

A relação da igreja com a política estavam escancaradas naquele culto matinal. Os fiéis eram recebidos com pipoca, algodão doce e santinhos de políticos locais, como os candidatos a deputado estadual Major Douglas e Roseane Félix, ambos do Podemos-RJ e do candidato a deputado federal pelo Republicanos-RJ, Zé André. 

“A gente precisa de leis. Não adianta só orar, temos que ter gente lá que vote”, disse uma irmã ao entregar, dentro do estacionamento da igreja, o panfleto da candidata Alana Passos, que tenta reeleição a deputada estadual pelo PTB. Alana é membro da Batista Atitude e sargento paraquedista do Exército. No material de campanha entregue pela funcionária contratada da campanha, Alana aparece ao lado do presidente Jair Bolsonaro (PL) e se apresenta como “a deputada do capitão!” e “conservadora convicta e evangélica”. 

Na entrada do templo ainda foram distribuídos materiais de campanha de outros candidatos cristãos conservadores da plataforma política de Bolsonaro. Contratados de Zé André hastearam bandeiras da campanha em frente à igreja. 

Distribuição de santinhos na entrada do templo. | Foto: Mariama Correia/Agência Pública

A política também subiu ao púlpito. Dentro do templo com capacidade para mais de 10 mil pessoas, o pastor Josué Valandro, fundador da Igreja, convocou uma oração por Marcelo Crivella, candidato a deputado estadual pelo Republicanos do Rio. Crivella é ex-prefeito do Rio de Janeiro e bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus. “Esse homem [Crivella] teve a visão de fazer uma creche em um prédio abandonado. Hoje temos 250 crianças na creche. A creche tá lá, a igreja realizou e esse homem foi instrumento”, disse o pastor Josué Valandro. Durante o culto, Crivella se manteve sentado na plateia ao lado da esposa, Sylvia Crivella. 

A creche Novos Sonhos, citada pelo pastor, foi construída enquanto Crivella ainda era prefeito. Ele participou da cerimônia de inauguração, em agosto de 2020. Em setembro do mesmo ano, o TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Rio de Janeiro decidiu, por unanimidade, tornar Crivella inelegível até 2026 por abuso de poder político e conduta vedada a agente público. Na época, o ex-prefeito foi acusado pelo PSOL de irregularidades por pedido de votos a funcionários da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) em um evento que teria sido anunciado como uma reunião para tratar de assuntos trabalhistas. Em outubro do ano passado, Crivella recuperou seus direitos políticos por decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Panfleto da candidata Alana Passos ao lado do presidente Jair Bolsonaro. | Foto: Mariama Correia/Agência Pública

No culto da noite daquele mesmo domingo, o pastor Valandro chamou candidatos que são membros da igreja para uma oração. Eles se posicionaram em frente ao palco. “O voto é seu, mas a consciência cristã é papel da igreja trazer”, disse, apresentando Alana Passos e o Major Douglas, e o candidato a deputado federal Aroldinho Federal, do PL-RJ. O deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ) e a candidata ao Senado pelo Rio de Janeiro, a deputada federal Clarissa Garotinho (União Brasil), foram convidados à oração, mesmo não sendo membros da igreja.

Valandro também orou pelo presidente Bolsonaro, que acompanhou a prece por chamada de vídeo. “Meu presidente, eu queria dizer que a igreja Batista Atitude está comprometida em orar pelo senhor, orar pela sua esposa, pelos seus filhos, pela sua família”, declarou o pastor.

Campanhas em templos

Não é a primeira vez que os cultos da Batista Atitude viram palanque. Durante as eleições de 2018, o pastor Valandro foi alvo de quatro denúncias de propaganda irregular, quando Bolsonaro, em plena campanha, subiu ao púlpito com a primeira-dama. Naquele ano, a igreja foi citada em 45 relatos de apoio ao presidente durante cultos. A Justiça Eleitoral arquivou todos os procedimentos.

Apenas entre os dias 16 a 23 de agosto deste ano, o TSE recebeu 1.330 denúncias de propaganda eleitoral irregular pelo aplicativo Pardal, um sistema que permite ao cidadão informar infrações eleitorais e irregularidades em campanhas. A legislação eleitoral brasileira (Lei 9.504/97) proíbe propaganda de candidatos dentro de espaços de culto. Pedir votos ou distribuir material de campanha durante atos religiosos é uma irregularidade que pode ser punida com multas e até levar à cassação do mandato ou da candidatura, explica Fernando Neisser, presidente da Comissão de Direito Eleitoral do Instituto de Advogados de São Paulo. 

Bolsonaro participou de oração por chamada de vídeo. | Foto: Reprodução | Facebook

Como a lei não prevê a infração de abuso de poder religioso –  tese que chegou a ser defendida pelo ministro Edson Fachin, do STF, mas derrubada pela maioria dos magistrados -, essas práticas ficam em uma espécie de limbo jurídico, sendo classificadas pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) como abuso de poder econômico ou político.

“Para a legislação eleitoral brasileira não há diferença entre uma igreja e uma padaria. São bens de uso comum. Não pode ter propaganda eleitoral. Isso implica em um pedido de voto positivo ou negativo – ou seja, tanto se a pessoa fala para votar em um candidato, como se orientar a não votar”, diz Neisser. “A distribuição de santinhos dentro das dependências das igrejas, como registrado durante a visita da reportagem, é proibida. Mas balançar bandeira e entregar material de campanha na entrada  pode”, explica. 

O advogado considera que existem zonas nebulosas que dificultam a fiscalização de campanhas em igrejas e templos. “Se você mostrar que uma determinada igreja está colocando recursos financeiros para apoiar uma campanha, pode caracterizar abuso de poder econômico. Mas se um pastor diz que você deve votar em quem têm valores cristãos, como fazem muitos líderes religiosos, vai ter juiz que vai entender que isso é pedido de voto, que é infração, e vai ter juiz que não, porque não houve um pedido expresso. Como não há um regramento específico, nessas zonas de fronteira termina prevalecendo o entendimento de cada juiz.”

Até a publicação da reportagem, o pastor Josué Valandro não respondeu os nossos questionamentos sobre distribuição de material de campanha e participação de candidatos nos cultos. Durante a participação de Bolsonaro no culto do domingo (11), o religioso lembrou da oração que fez pelo presidente em 2018. “Porque é o seguinte, no show falava de política, em todo lugar fala, mas na igreja queriam calar a gente.” Ele disse que Bolsonaro é um “homem imperfeito”, mas que “encanta porque é sincero”.

Bolsonaro agradeceu o espaço e aproveitou para falar de liberdade religiosa, aborto e proibição de drogas, pautas que mobilizam o eleitorado evangélico. “Peço a Deus que dê sabedoria para cada dos brasileiros para que possam decidir o futuro da nossa nação, bem como se vamos ter uma pátria livre ou não. Vamos falar de política agora para poder continuar falando de Deus no futuro”, disse. “Como um exemplo negativo se cita a Nicarágua, onde se persegue padres, se expulsa as freiras, se fecha meio de comunicação da igreja católica. A intenção dessas pessoas sempre é a mesma: calar aqueles que pensam diferente, aqueles que falam em Deus, aqueles que defendem a família, que são contra as drogas, a ideologia de gênero e contra o aborto”.

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