Entrevista: “O sistema penitenciário tem de ser independente”

O procurador-geral de Justiça de Goiás, Benedito Torres, vê avanços em projeto aprovado pela Assembleia que separou a gestão do sistema penitenciário do Estado

Postado em: 12-04-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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O procurador-geral de Justiça de Goiás, Benedito Torres, vê avanços em projeto aprovado pela Assembleia que separou a gestão do sistema penitenciário do Estado

O Ministério Público e o governo do Estado passaram a tomar novas medidas após a crise penitenciária do início do ano, que causou temor a muitas pessoas. Que medidas foram essas?  Em que pé está essa crise no sistema? 

Vamos voltar a2011, 2012. Naquela oportunidade eu e o governador do estado, Marconi Perillo, fizemos um Termo de Ajustamento de Conduta que deu origem à construção desses cinco presídios estaduais, dos quais dois nós inauguramos – um em Anápolis e outro Formosa. Outros três serão inaugurados, acredito que esse ano. Naquele período (2011, 2012) existia uma dificuldade muito grande para se construir um presídio. A verba estava quase sendo devolvida para o governo Federal. Em entendimento com o governador do estado, passei essas informações para ele, que coletei da coordenadora do Ministério Público da época, Patrícia Gimenes, e nós fizemos o TAC, que originou a construção desses cinco presídios estaduais. O objetivo desses presídios é que inicialmente eles recebam os faccionados, não vamos aqui citar quais facções, mas a ideia é dividir para impedir que aconteça  de uma das facções querer acabar com a outra. Então a partir desses presídios estaduais, verdadeiramente, o estado passa a ocupar esses presídios. Mesmo porque havia uma interferência muito grande com relação a essa execução penal. Isso então foi um trabalho de inteligência, feito pelo Executivo do Estado, pelo Ministério Público do Estado, enfim, um trabalho muito importante de trazer essas informações para que pudéssemos trabalhar essa questão das políticas criminais. Outra situação que foi importante é que o sistema penitenciário tinha que ficar independente, desvinculado, separado da segurança pública, para que a gente pudesse profissionalizar essa situação, mudar e melhorar. E assim, através de uma Lei, aprovada na Assembleia no ano passado, houve a construção disso junto com o Ministério Público, o próprio Poder Judiciário, houve essa separação. Hoje o sistema judiciário tem um administrador independente, com poderes para que ele possa gerir a execução e os presídios no estado de Goiás.

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Está a contento, procurador? Não é uma Secretaria, é uma diretoria subordinada à Secretaria.

É uma diretoria, mas uma diretoria que tem autonomia, independência e que pode eventualmente responder por aquilo que esperamos. E, além disso, a gestão das vagas, ou seja, para onde vai determinado preso, passa a ser então do diretor desse presídio. E ele na verdade tem as informações que muitas vezes nós, que estamos atuando – promotores de justiça e juízes – não temos. Então ele vai saber que aquele é um faccionado, ele vai colocar ele em um presídio adequado, para que a gente possa ter essa resposta adequada, resolver essa situação dessas guerras que existem entre as facções com o cumprimento de pena adequada com relação a essa situação. Mas outras situações nós também trabalhamos, a ideia é construir mais 42 ou 46 presídios regionais, para aqueles outros condenados que tem um grau de periculosidade menor e que não possam ser manobrados por essas facções criminosas.

O Sistema Penitenciário de Goiás ainda é um barril de pólvora? Pode voltar a acontecer conflitos como aqueles ou essas medidas debelaram a situação?

Eu coloco que ainda não é boa, é uma situação no máximo razoável, mas ela está caminhando para que seja razoável para boa. A partir do momento em vai ser inaugurado mais três presídios estaduais, as possibilidades da disposição desses presos, da organização desses presos nesses presídios por parte do diretor penitenciário, acho que é um facilitador. Esses presídios trazem também uma novidade, que é diminuir a possibilidade do contato deles dentro do presídio com o pessoal que está aqui fora, ou seja, essa questão é muito importante.

Internamente no Ministério Público, como está areestruturação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) e do Centro de Inteligência (CI)?

Em 2011 e 2012 existiu o GRC e, na verdade, naquela oportunidade como procurador-geral, através de ato, eu criei o GAECO. Esse GAECO existe hoje em vários lugares do Brasil e tem o mesmo trabalho, a mesma sistemática. E aqui nós temos o GAECO e o Centro de Inteligência não é trabalho em conjunto. O que nós fizemos agora recentemente? Nós locamos um prédio no centro da cidade com uma estrutura muito boa para que esse trabalho fosse melhorado, com quantitativo maior de técnicos e policiais para acompanhar e ajudar no levantamento. Nós temos policiais militares, delegados de polícia, ou seja, é bastante transparente e democrática a forma como o GAECO age. E ele tem feito um trabalho muito bom e muito importante de investigação. 

A gente acompanha com muita mídia as investigações do Poder Legislativo. CEIs na Câmara e CPIs na Assembleia Legislativa. Quando não acaba em pizza, tira um relatório aprovado que vai para o Ministério Público. Como o Ministério Público trata esse tipo de investigação que, muitas vezes, tem motivação e até encaminhamento dos trabalhos por motivos políticos?

Essa questão é enviada pelo Legislativo para o Ministério Público e o procurador geral distribui para aquele promotor afim na área, para que ele possa fazer a análise e o levantamento de todas as questões que são colocadas ali. Sempre quando entramos com uma ação, temos as provas muito fortes para que as questões sejam encaminhadas. Há uma preocupação muito grande do Ministério Público nesse sentido, essa questão de responsabilidade é muito importante. 

Que avaliação o senhor faz de mais de setes meses de gestão da goiana Raquel Dodge na gestão da Procuradoria Geral da República?

Acho que ela vai muito bem. A situação do Brasil é uma situação difícil. Nós estamos vivenciando uma crise política, temos uma crise econômica e muitas dificuldades. Ela assumiu realmente num momento difícil, mas acho que com a forma tranquila, pacifica e serena dela, ela vai construindo um trabalho muito bom frente ao Ministério Público Federal. 

Sobre esse momento de crise político-econômica que o senhor fala, a crise tem em grande medida uma culpa – digamos assim na falta de uma melhor palavra – do Ministério Público, que fez investigações fundamentais para a situação do Brasil. Sobre a ótica do Ministério Público, qual é o momento pelo qual estamos passando? 

O Brasil mudou. Com a Constituição de 1988, devagarzinho, um passo de cada vez, o Ministério Público vem se estruturando, ganhando musculatura, se fortalecendo. Porque investigação não é coisa fácil de ser feita, é complicada. E o Ministério Público tanto estadual, quanto federal, e as polícias também, vêm se instrumentalizando e buscando resultados muito positivos com o passar dos anos. Inclusive essa questão da delação, foi um avanço muito grande e um facilitador para as investigações. As formas como o Ministério Público e as polícias têm trabalhado, formando e capacitando aqueles que vão atuam nas investigações de maneira correta, faz com que os resultados sejam positivos. E a tendência é só formar mais pessoas capacitadas. Sempre falo onde tenho ido que o Brasil de 30 anos era um e que o Brasil de hoje é completamente diferente. Não adianta pensar que a impunidade vai continuar ficando no Brasil, porque não vai. Essa situação no Brasil já é diferente, em decorrência dessas ferramentas que foram colocadas à disposição da polícia e do próprio Ministério Público para que pudéssemos então fazer as investigações. A sociedade também com apoio importante para que possamos alcançar esses objetivos, é preciso então vislumbrar e ver o Brasil de uma maneira diferenciada. O Brasil de hoje vai avançar e jamais voltar ao Brasil de ontem. 

Por conta dos desdobramentos da Operação Lava Jato, a discussão tem se acirrado no Brasil contra e a favor, e por causa disso a credibilidade do Supremo Tribunal Federal, Ministério Público Federal e da própria Polícia Federal vem sendo colocado em cheque. Como o senhor vê o acirramento dessas discussões?

Eu penso o seguinte: toda mudança traz algum incomodo, mas a sociedade e aquelas pessoas de bem vão ver que essas mudanças são para o próprio bem da sociedade. É claro que a gente tem sempre de olhar o Ministério Público, e isso a gente sempre tem colocado, que os excessos a gente tem sempre que corrigir e cortar para que a essência prevaleça com relação a isso. Mas toda mudança causa algum tipo de inquietação e isso faz parte da história.  

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