“Classe média conta minutos para ‘dar o troco’ na esquerda”, diz cientista

“Ventos econômicos mais favoráveis melhoram o humor dos eleitores. Porém, não enxergo no horizonte uma reversão das atuais expectativas", relatou ele

Postado em: 23-05-2023 às 08h03
Por: Redação
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“Ventos econômicos mais favoráveis melhoram o humor dos eleitores." diz o especialista | Foto: Divulgação

O cientista político Paulo Roberto da Costa Kramer conversou com a reportagem do O HOJE a respeito das mudanças no comportamento do eleitor ao longo dos últimos anos. Questionado, primeiro, se a classe média deixou de influenciar na disputa eleitoral dos últimos anos, o estudioso disse acreditar que essa fatia da sociedade não perdeu tal capacidade. 

“Com o advento das redes digitais e a paralela radicalização político-ideológica dos últimos anos, ela [a classe média brasileira] ampliou o contingente do que chamo de ‘população politicamente ativa’, com uma tendência pronunciadamente à direita: conservadorismo nos costumes e antifiscalismo na economia [percepção de que a pesada carga tributária não compra serviços públicos de qualidade, situação agravada pela corrupção, que alimenta ainda mais a revolta contra a classe política]”, argumentou.

O cientista ainda acrescenta que a divisão eleitoral do país praticamente ‘ao meio’ na eleição presidencial de 2022 revela, também, que Bolsonaro venceu e Lula perdeu em regiões onde a classe média é mais expressiva. “A depender desse segmento, sobretudo nos maiores centros urbanos, o próximo pleito municipal terá um caráter ainda mais ‘plebiscitário’ contra o governo de esquerda, especialmente se a provável hipótese de continuada estagnação econômica no Brasil vier a se materializar”.

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“Ventos econômicos mais favoráveis melhoram o humor dos eleitores. Porém, infelizmente, não enxergo no horizonte uma reversão das atuais expectativas enquanto o governo Lula 3 insistir em dobrar a aposta no seu pensamento político ‘mágico’. Como era de se prever, economistas com experiência em finanças públicas que tinham resolvido dar um voto de confiança na candidatura presidencial lulopetista já se desiludiram e voltaram a tomar distância do governo. Trocando em miúdos, desse mato não sai coelho…”, avaliou o especialista.

Alienação da classe

Kramer ainda considerou que outro fator de alienação da classe média diante do governo Lula3 passa pela continuada tendência deste em “revelar sua face mais autoritária e repressiva”. Isso, segundo ele, soa, inclusive, como uma “gigantesca vendeta de extermínio contra a oposição”. 

“Isso desagrada a vocação democrática da classe média, cujo concurso, no passado, se provou indispensável ao fortalecimento da campanha pelas Diretas Já (1983/1984) e à bem-sucedida pressão sobre o Colégio Eleitoral que possibilitou a vitória da chapa Tancredo Neves/José Sarney no pleito indireto de 1985”, observa. 

Segundo o cientista, é importante destacar que essas mobilizações foram energizadas pelo repúdio à política econômica do governo do Figueiredo”.  E finalizou: “em resumo, as classes médias estão contando os minutos para ‘dar o troco’ à esquerda e, mais uma vez, dar uma demonstração da sua força política e eleitoral”.

Alvo de cobiça

O estudioso também foi questionado sobre a percepção comum de que os pobres têm se tornado, especialmente nos últimos anos, objeto de desejo dos políticos. Segundo ele, esse é um comportamento percebido sobretudo desde a promulgação da emenda constitucional de 1985 que permitiu o voto dos analfabetos.

Desde então, segundo ele, os pobres são ardente objeto de desejo eleitoral dos políticos em campanha. “A presença maior dos pobres nas urnas teve e tem uma contribuição positiva na medida em que robustece as reivindicações por políticas de saúde, educação, habitação, garantia de renda mínima, como Bolsa Família e outras políticas inclusivas”.

E continua: “O diabo é que, como demonstrou o nosso último processo constituinte, o patrimonialismo burocrático se mantém vigoroso, cevando com privilégios várias carreiras de servidores dos três Poderes, nem um pouco dispostas a abrir mão. Mantidas essas mordomias todas, nosso PIB teria que ser de duas a três vezes maior que o atual para financiar políticas públicas efetivamente capazes de reduzir as desigualdades a níveis mais ‘civilizados’. 

O especialista também rememora que nos últimos 30 anos, a pobreza se tornou cada vez menos rural e cada vez mais urbana, sujeita a novas influências comportamentais emanadas de redes e organizações como as das igrejas e seitas evangélicas e também do amplo acesso às tecnologias digitais de telecomunicações, grandemente facilitado  pela privatização do setor.

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